Ministro invoca princípio da fraternidade e determina progressão penal para presa com filho de quatro anos
Contudo, o ministro concluiu que são presumíveis as necessidades de cuidados maternos a um filho menor de 12 anos, ainda que ele não esteja sob a guarda direta da genitora
Com base no artigo 112, parágrafo 3º, da Lei de Execução Penal (LEP), e tendo em vista a necessidade de proteção física e emocional das crianças – aspecto central do princípio da fraternidade –, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca concedeu habeas corpus para assegurar a uma presa com filho de quatro anos de idade o direito de progredir para o regime semiaberto.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) negou o pedido de progressão de regime porque a presa não teria comprovado ser imprescindível aos cuidados da criança. Contudo, o ministro concluiu que são presumíveis as necessidades de cuidados maternos a um filho menor de 12 anos, ainda que ele não esteja sob a guarda direta da genitora.
De acordo com o artigo 112, parágrafo 3º, da LEP, no caso de mulher gestante ou que seja mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, a progressão de regime deve ser concedida depois de cumprido um oitavo da pena no regime anterior (contra um sexto para os presos em geral). Cumulativamente, exige-se que a mulher não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça, seja primária, apresente bom comportamento carcerário e não integre organização criminosa.
A ré foi condenada a dez anos de reclusão, em regime inicial fechado, por tráfico de drogas e associação para o tráfico. O magistrado de primeiro grau considerou remidos alguns dias de pena pela conclusão do ensino médio, mas indeferiu o pedido de progressão para o regime semiaberto.
Para o magistrado, a criança estava sob os cuidados adequados do pai, mesmo antes do início do cumprimento da pena – o que demonstraria que a presença da mãe não é necessária. Além disso, ele considerou que, como a mulher também foi condenada por associação para o tráfico, não cumpriria um dos requisitos previstos pelo artigo 112, parágrafo 3º, da LEP.
A decisão foi mantida pelo TJSC, que também concluiu que a mãe, antes de ser presa, tinha apenas contatos esporádicos com o filho, o que impossibilitava o acolhimento do pedido de progressão de regime.
Princípio da taxatividade
Em relação à exigência de não envolvimento com organização criminosa prevista pelo parágrafo 3º do artigo 112 da LEP, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca mencionou que a Lei 12.850/2013 considera organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente caracterizada pela divisão de tarefas. Por outro lado, o artigo 35 da Lei 11.343/2006 descreve como crime a associação de duas ou mais pessoas para o tráfico de drogas.
Entretanto, o ministro lembrou que esses tipos penais não se confundem, tendo em vista que, no âmbito do direito penal, impõe-se a observância do princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu.
"Por conseguinte, o impedimento previsto no inciso V, parágrafo 3º, artigo 112, da Lei 13.769/2018 não se aplica ao caso concreto, sobretudo porque, conforme se observa do decreto sentencial, os crimes (tráfico de drogas e associação para o tráfico) foram praticados, em concurso, por apenas duas pessoas", afirmou o ministro.
Fraternidade
Além de reconhecer que a presa cumpre todos os requisitos previstos pelo artigo 112 da LEP, Reynaldo Soares da Fonseca ressaltou que a proteção integral dos filhos decorre do princípio da fraternidade, previsto no preâmbulo e no artigo 3º da Constituição Federal.
Segundo o ministro, o princípio da fraternidade – macroprincípio dos direitos humanos proclamado pelas constituições modernas ao lado de valores como a igualdade e a liberdade – pode ser concretizado também no âmbito penal, por meio da chamada Justiça restaurativa, além do respeito aos direitos humanos e da humanização da aplicação do próprio direito penal.
Sob essa perspectiva, na hipótese dos atos, o ministro apontou que a certidão de nascimento do filho da presa comprova que ele tem menos de cinco anos de idade.
"De fato, no caso, além de se presumir a necessidade dos cuidados maternos em relação à referida criança – ainda que, supostamente, apenas no aspecto afetivo, haja vista que o menor está sendo devidamente acompanhado –, não se deve ignorar que a paciente é primária e não há indicativo de que esteja associada com organizações criminosas, sendo certo, ademais, que o crime em questão não revela violência ou grave ameaça, circunstâncias essas que, em conjunto, ensejam, por ora, a atenuação da situação prisional da acusada", concluiu o ministro ao conceder o habeas corpus.
Leia a decisão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 562452
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