Mulheres negras acusam 'feminicídio de Estado' em audiência
A Lei Maria da Penha não consegue responder à violência cometida contra as mulheres negras brasileiras.
A Lei Maria da Penha não consegue responder à violência cometida contra as mulheres negras brasileiras. Esta foi uma das conclusões do debate “Respostas ao Enfrentamento do Feminicídio das Mulheres Negras”, realizado como parte do Projeto Pauta Feminina,ontem (8), na Câmara dos Deputados, em iniciativa conjunta da Procuradoria Especial da Mulher do Senado e da Secretaria da Mulher da Câmara.
Cerca de 60 pessoas participaram da audiência mediada pela deputada Zenaide Maia (PHS-RN), 3ª secretária da Comissão dos Direitos da Mulher.
Andreza Winckler Colatto, secretária Nacional de Políticas para Mulheres, disse que só este ano o Disque 180 registrou 73 mil denúncias de violência contra a mulher e que os dados da Secretaria mostram as mulheres negras como maioria da população feminina, mas também na população carcerária.
Rodrigo Barbosa da Silva, diretor do Departamento de Igualdade Racial da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial disse que o Ministério de Direitos Humanos e a Seppir estão realizando esta semana um seminário com o objetivo de elaborar um plano nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres negras. Para ele, é preciso considerar que "a construção histórica do feminicídio está na raiz de um processo de desumanização e subcidadania, pelo qual a mulher negra é sempre colocada em segundo plano”.
Racismo
Para Antonio Teixeira Lima Junior, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), quando se fala em raça, sempre se deve pensar na relação entre raças diferentes. “Não se trata de saber por que as mulheres negras morrem mais, mas por que morrem mais que as mulheres brancas”, afirmou.
Para compreender porque a violência contra as mulheres negras aumentou e a violência contra mulheres brancas diminuiu, ele citou o protagonismo das mulheres negras – como Marielle Franco – em um contexto de crescimento da violência urbana; a política de drogas do Brasil, responsável por círculos viciosos fizeram explodir o encarceramento de mulheres negras; e o desprezo ao corpo negro.
Feminicídio de Estado
Soraia da Rosa Mendes, coordenadora nacional do Comitê Latinoamericano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, disse que as mulheres negras são vítimas sistemáticas de uma série de mitos, como os de que tem um corpo mais forte. “Por trás disso, da ideia de um corpo mais resistente, está a ideia de um corpo mais destinado à violência”, afirmou.
Para ela, a Lei Maria da Penha representa uma grande conquista, mas não é suficiente para as mulheres negras. Depois de ler trechos da Convenção da ONU contra o Genocídio, ela disse que “há uma ação sistemática do Estado Brasileiro contra a reprodução da vida das mulheres negras, que nos autoriza a falar em um feminicídio de Estado”.
Violência obstétrica
Ilka Teodoro, diretora jurídica da Associação Artemis contra a Violência Doméstica e Obstétrica, ratificou a percepção de que a morte de mulheres negras extrapola a questão da violência doméstica. De acordo com a advogada, a violência obstétrica é aquela que incide nos atendimentos referentes ao pré-natal, ao parto e ao puerpério. Em todas as fases as mulheres negras recebem menos atenção.
Referindo-se às recentes audiências do Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do aborto, a advogada também registrou que as mulheres negras são as maiores vítimas de procedimentos clandestinos. Ela lembrou ainda que as mulheres negras lideram as mortes por causas evitáveis; que foram as mais atingidas pela epidemia do zika vírus; e que as meninas negras são a maioria entre vítimas de estupro vulnerável, em gravidez precoce e no casamento infantil como única alternativa de vida.
"Nos últimos anos, o Estado só avançou na coleta de dados, porque antes nem tínhamos dados com recorte racial. Mas é preciso fazer mais. Assim como o STF foi provocado a fazer durante as audiências sobre a descriminalização do aborto, precisamos centralizar o racismo na forma como produzimos nossas leis”, concluiu.
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