O Câncer da Criança: a necessidade do diagnóstico precoce e o preparo dos nossos profissionais
A cada ano, cerca de 300 mil crianças com idades entre zero e 19 anos são diagnosticadas como portadoras de câncer
Dra. Silvia Brandalise. Clique na foto para baixá-la em alta defiição
O mês de setembro é internacionalmente dedicado à conscientização do câncer da criança e do adolescente. Em setembro de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) proclamou sua “Iniciativa Global para o Câncer da Criança”, com o objetivo de se alcançar mundialmente até 2030, pelo menos 60% de cura para as crianças com câncer. Isso significa dobrar as chances de cura hoje obtidas, principalmente nos países de baixo e de médio nível socioeconômico.
A cada ano, cerca de 300 mil crianças com idades entre zero e 19 anos são diagnosticadas como portadoras de câncer. Avanços notáveis tenham sido obtidos nestas 3 últimas décadas nos países desenvolvidos, chegando-se a níveis de cura de 80% dos casos. No Centro Infantil Boldrini chegamos a este índice em alguns casos, mas essa não é a realidade nos países em desenvolvimento, onde a probabilidade de morte pela doença entre as crianças é quatro vezes maior comparando àquelas do primeiro mundo.
Várias são as razões envolvidas nas reduzidas taxas de cura do câncer pediátrico. Entre elas, o atraso no diagnóstico da doença, as elevadas taxas de abandono do tratamento, falta de acesso irrestrito aos medicamentos essenciais contra o câncer e deficiências da estrutura global dos centros cuidadores, em prover num mesmo local todas as estruturas necessárias para um bom e preciso diagnóstico.
Não resta dúvida de que se o médico pediatra não suspeitar do diagnóstico de câncer em seu paciente, este será o maior entrave para o sucesso do tratamento. Nos casos de tumor cerebral, por exemplo, estes atrasos chegam a vários meses após a queixa dos primeiros sintomas apresentados pela criança. Todavia, só se pensa em câncer, quando se conhece o tema.
Recente levantamento nas 292 faculdades de Medicina credenciadas pelo MEC, 49 não disponibilizam a matéria Oncologia em suas grades. Analisando as 242 faculdades remanescentes,o tema é obrigatório em somente 46, sendo tema optativo em 13 faculdades e como oferta de estágio em três. Em outras palavras, em mais da metade das Faculdades de Medicina do Brasil o tema Oncologia não é ministrado de forma obrigatória no curso de graduação. A pergunta que emerge é: “como o médico vai suspeitar de câncer se ele não aprendeu este tema durante os 6 anos da graduação em Medicina?”
É digno de nota mencionar que a matéria Oncologia é oferecida de uma forma geral, com foco em pacientes adultos e idosos, cuidados paliativos, sendo agregada com a Hematologia em 13 instituições. O câncer da criança e do adolescente raramente é descriminado no conteúdo programático.
É surpreendente verificar que nestes últimos quatro anos, foram aprovadas mais 62 novas instituições de Medicina no Brasil, totalizando as 292 anteriormente mencionadas.Contudo, o tema Oncologia figurou no currículo bem aquém do esperado, nestas novas faculdades.
O estudante da graduação em Medicina não aprende sobre a epidemiologia do câncer da criança e do adolescente, os fatores de risco relacionados à doença, sobre os sintomas clínicos, como suspeitar e como diagnosticar a doença, estabelecer os diagnósticos diferenciais com outras patologias próprias desta faixa etária, desconhecendo, também, os fundamentos do tratamento e como encaminhar os casos suspeitos.
O médico assim formado terá enorme dificuldade para suspeitar do câncer do seu jovem paciente. Considerando-se que o câncer tem uma incidência crescente na população pediátrica, se reveste de alta relevância a inserção obrigatória deste tema nas faculdades das áreas da saúde.
O aprimoramento/capacitação dos profissionais de saúde, otimização dos recursos públicos, hierarquização das instituições para atendimento aos casos mais complexos são prerrogativas que nos estimulam a ousar buscar os 60% de cura para os jovens brasileiros com câncer. Mais do que sonhar, será necessário carregar a Bandeira atual da Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica (2018) onde se lê “Nenhuma Criança deve morrer de Câncer”. Queremos isso para o nosso Brasil! Não para 2030, mas para bem antes.
Para alcançar a meta da OMS deveremos voltar a discutir com a Sociedade Civil, Universidades/Faculdades e o Poder Público sobre aquilo que ganhamos através dos tempos e o que perdemos. Devemos nos lembrar do provérbio africano, “If you want to go fast, go alone. If you want to go far, go together” (“Se você quiser ir rápido, vá sozinho. Se você quiser ir longe, vá junto”). A vida da criança é um bem maior!
A Dra. Silvia Brandalise é fundadora e diretora do Centro Infantil Domingos A. Boldrini e do Centro de Pesquisas Boldrini. Professora aposentada do Departamento de Pediatria/FCM/UNICAMP e membro fundador da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica. Tem reconhecimento nacional e internacional na luta contra as doenças hematológicas e neoplásicas na infância e sempre lutou pelos avanços do tratamento buscando a cura e melhor qualidade de vida para esses pacientes.
Sobre o Centro Infantil Boldrini
Centro Infantil Boldrini − maior hospital especializado na América Latina, localizado em Campinas, que há 42 anos atua no cuidado a crianças e adolescentes com câncer e doenças do sangue. Atualmente, o Boldrini trata cerca de 10 mil pacientes de diversas cidades brasileiras e alguns de países da América Latina, a maioria (80%) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos centros mais avançados do país, o Boldrini reúne alta tecnologia em diagnóstico e tratamento clínico especializado, comparáveis ao Primeiro Mundo, disponibilidade de leitos e atendimento humanitário às crianças portadoras dessas doenças. www.boldrini.org.br
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