O caso Brumadinho e como necessitamos pensar a partir dos Direitos da natureza

A natureza nos impõe uma atuação compreensiva, conjunta e conectada, para que todos os seres sejam preservados quando da realização de uma atividade.

Walter Gustavo Lemos/ Foto: Lucas Hallel/Ascom Funai
Publicada em 22 de fevereiro de 2019 às 09:51
O caso Brumadinho e como necessitamos pensar a partir dos Direitos da natureza

Estamos até agora estarrecidos, em todo o Brasil e pelo mundo afora, com o evento de rompimento da barragem de rejeito da extração de minério da Vale na cidade de Brumadinho, que deixou uma cidade em estado de luto, desnorteada e em estado de apreensão, já que se totalizam mais de 169 mortes e 141 desaparecidos até o momento.

Um total de mais de 12 milhões de metros cúbicos de lama foram liberados no Córrego do Feijão, um dos afluentes do Rio Paraopeba, onde a lama já avançou a mais de 100 km adentro deste rio e chegando área de influência da Usina do Retiro Baixo.

As causas efetivas do rompimento da barragem ainda não são conhecidas, mas é sabido o descaso da empresa com a sociedade no entorno da barragem e com a natureza, ao promover a escolha pela manutenção de uma barragem com metodologia ultrapassada e altamente potencializadora de danos, tudo por conta da não massificação dos gastos e a diminuição de seus lucros.

Ou seja, a empresa promoveu uma atuação pensando nos interesses próprios, a partir de uma perspectiva econômica, de que a manutenção deste tipo de barragem geraria menos gastos e não afetaria seus lucros, não pensando que ao promover outros tipos de interação na barragem a fim de tornar os rejeitos sólidos, pudessem impedir qualquer evento trágico.

A empresa promove uma gestão de riscos a fim de tentar manter aquilo que era potencialmente danoso com o menor custo possível. Ao assim agir, a empresa Vale acaba por ofender os Direitos da Natureza de todos os seres envolvidos no entorno da barragem e que foram afetados com o evento.

Direitos da Natureza, também chamados direito de Pachamama ou de Mãe-Terra, nada mais são que as acepções de que todos os seres vivos são passíveis de direito, em maior ou menor grau em um bioma, não podendo o homem negar estes direitos de forma a suplantar os direitos de todos os seres.

Pensar a partir de uma compreensão de Direitos da Natureza é sair da simples concepção do Direito Ambiental, que coloca o homem em primeiro lugar dentro da perspectiva do meio ambiente, devendo este último ser utilizado para a promoção da riqueza, bem-estar e geração de novos direitos para o homem, que pode poluir, promover atividades degradantes e impactantes, desde que pague por tais danos causados. Ao assim agir, promove-se uma “sustentabilidade” pautada na possibilidade de promover atividades danosas, desde que promova a preservação do meio ambiente, mesmo não sendo no mesmo ambiente.

Uma atuação em Direito Ambiental visa encontrar meios de legitimar as atividades economicamente danosas, de forma que o meio ambiente acabe por “encontrar um equilíbrio”.

Enquanto pensar a utilização dos bens naturais a partir da compreensão do Direito da Natureza importa em saber se estas atividades podem causar riscos, podem ser ofensivas para uma parte ou toda a natureza, bem como se as atividades são mesmo necessárias para a promoção do desenvolvimento da própria natureza, posto que se não visar o desenvolvimento dessa própria não há como agir nas suas alterações.

A natureza não é um bem a serviço do homem, mas sim um todo simbioticamente estabelecido, onde devem conviver todas as espécies de um bioma, sendo uma ação realizada se extremamente necessária e que não seja potencialmente lesiva a todos.

A natureza nos impõe uma atuação de preservação e mínimo impacto, de forma que somente se permitiria a sua utilização quando eminentemente necessário à sua própria manutenção.

Ao abordar esta questão e a necessidade de uma relação simbiótica entre os seres humanos e a Natureza, respeitando as culturas e tradições, bem como o produto material e imaterial natural, a sentença proferida na Corte Constitucional Colombiana, julgando o caso do Rio Atrato assim descreveu:

La protección de los ríos, los bosques, las fuentes de alimento y la biodiversidad (medio ambiente sano) tiene una relación directa e interdependiente con la garantía de los derechos a la vida y la salud, (así como la cultura y el territorio), dentro de lo que se ha denominado derechos bioculturales. Precisamente, los elementos centrales de este enfoque establecen una vinculación intrínseca entre naturaleza y cultura, y la diversidad de la especie humana como parte de la naturaleza y manifestación de múltiples formas de vida. Desde esta perspectiva, la conservación de la biodiversidad conlleva necesariamente a la preservación y protección de los modos de vida y culturas que interactúan con Ella.

Esta uma concepção de direito a partir da natureza, que deve ser vista como uma expressão tradicional, promovida a partir de valores ancestrais dos povos que vivem em efetiva interação com essa, de forma que o centro da universalidade do saber se paute na totalidade dos seres e não na centralidade do ser humano. Esse é um pensamento pós-abissal, ou seja, realizado fora das linhas discriminatórias de separação dos saberes que privilegiam os saberes que vem do norte global, e descolonial, já que pensa a partir dos saberes de outros povos, que tem seu agir respeitados e conjuntamente estabelecidos, não com visa de gerar poder ao homem, mas de promover a preservação e a interação entre toda a natureza.

Sobre este tema de Direito da Natureza, já manifestei que essa deve ser compreendida

como ente personalizado, devendo o desenvolvimento social pautar-se pela sua adequação aos interesses gerais desta nova personalidade, que sempre buscará a sustentabilidade com meio de progresso, garantindo a vida, o equilíbrio do meio ambiente e a biodiversidade. A ideia de Bem Viver aglutina-se com a finalidade social do uso da natureza pelo povo que junto a esta se integra, como uma necessidade de uma atuação conectada do ser humano com a natureza com meio de progresso responsável e saudável, como um novo horizonte direcional. (LEMOS, Walter Gustavo S. Bem viver: um pensar descolonial para os Direito humanos, 2018. In: Direitos de Pachamama e Direitos Humanos, Ed. Mucuripe, p. 128)

Assim, este pensar impediria esse tipo de atividade lesiva a natureza, que foi realizado a partir de gestão de riscos, da promoção de compensação financeira pelos danos causados e da permissão da poluição, já que os direitos de Pachamama impedem que atividades potencialmente lesivas sejam realizadas, como era o modelo adotado pela empresa Vale na sua atuação na mina no Córrego do Feijão, em Brumadinho, ainda mais quando o próprio conhecimento já permite a exploração de minerais sem a geração deste tipo barragem e sem a produção de rejeitos, que são potencialmente lesivos.

A natureza nos impõe uma atuação compreensiva, conjunta e conectada, para que todos os seres sejam preservados quando da realização de uma atividade.

Passar a agir no Direito a partir de uma concepção de Pachamama e não do que hoje nos impõe é uma premissa necessária, que não exige muitas mudanças dentro das concepções jurídicas já existentes no Brasil e no mundo, mas já compreendidas nas legislações do Equador, Bolívia, da Cidade do México, entre outras localidades e territórios que já descrevem este tipo de compreensão em seus ordenamentos jurídicos. Estas mudanças só exigem vontade política para ocorrer, para que passemos a produzir de forma efetivamente equilibrada, respeitável e pautada na preservação de todos, de todos os seres que compõem a natureza, não somente pensando na geração de riqueza para alguns.

Sobre o Autor:

Advogado. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ. Mestre em História pela PUC/RS e Mestre em D. Internacional pela UAA/PY. Especialista em Direito Processual Civil pela FARO - Faculdade de Rondônia e em D. Processual Penal pela ULBRA/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica e D. Internacional da FARO e da FCR - Faculdade Católica de Rondônia. Membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia - IDPR. Membro da ABDI - Academia Brasileira de Direito Internacional. Ex-Secretário Geral Adjunto e Ex-Ouvidor Geral da OAB/RO. Ex-Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO.

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