O cenário eleitoral é desfavorável a Bolsonaro
"Muita gente irá descolar da campanha de Bolsonaro", diz Weiller Diniz, ouvido por Marcelo Auler
O cenário político não é muito favorável, não é muito positivo para o presidente Jair Bolsonaro (PL) na perspectiva eleitoral. Poderemos ver uma inversão na campanha, quando o presidente que deseja se reeleger poderá depender muito mais de candidatos competitivos aos governos dos estados do que estes candidatos dependerem dele. A análise é feita pelo jornalista Weiller Diniz que durante quatro décadas, em Brasília, acompanha o dia a dia do mundo político. Depois de circular por diversas redações e ter sido condecorado com, por exemplo, o Prêmio Esso (2014), hoje ele assessora no senado Renan Calheiros (MDB-AL).
Em entrevista à TV 247, gravada na manhã de quinta-feira (18/08) - portanto, antes da divulgação da última pesquisa do Datafolha – ele alertou para o fato de em alguns estados candidatos da base do governo estarem escondendo o apoio ao atual presidente. Seu alerta precedeu, inclusive, a reportagem publicada sábado (20/08) no Brasil 247 dando conta que a cúpula do Partido Liberal, atual sigla de Bolsonaro, ameaça com o corte de verba aqueles que na campanha abandonarem o presidente - Candidatos do PL se afastam de Bolsonaro e partido ameaça corte de verbas em retaliação. Diniz lembra que em seus artigos – republicados semanalmente pelo Brasil 247, ele já vem alertando para esse fenômeno:
“Há ex-ministros do governo Bolsonaro, notadamente no norte e no centro-oeste que desvinculam completamente as suas campanhas. Nas peças de campanhas publicitárias, sejam as impressas, sejam as digitais, não vinculam o nome. Nos comícios, em suas falas, em suas rodadas ai pelo interior, eles são aconselhados pelos prefeitos a não mencionarem Bolsonaro porque Bolsonaro não é bem visto, as pessoas não gostam dele”. A partir desta constatação ele prevê um cenário mais difícil para o atual presidente na sua busca pela reeleição:
“Muita gente, gradativamente, paulatinamente, irá descolar da campanha de Bolsonaro. Se ele tem hoje palanques oficiais em 21 estados, nestes 21 estados, entre supostos apoiadores dele, dez têm competitividade. Ou seja, estão com boas colocações em pesquisas. Esses governadores que estão com boas colocações, que são competitivos, podem reavaliar isso a qualquer instante: vincular ou não vincular a sua imagem a Bolsonaro, porque a dependência deles é muito menor. Daqui a pouco passará a ter uma inversão na campanha onde Bolsonaro passará a depender muito mais dos candidatos competitivos a governador do que o contrário. O cenário não é muito favorável, não é muito positivo para ele na perspectiva eleitoral. Assim, quem pode morrer afogado, morrer abraçado, como se diz, são os candidatos, como lá do Rio Grande do Sul, que já começaram também a cair um pouco nas pesquisas. É o caso do Lorenzoni (Onyx Dornelles Lorenzoni, candidato ao governador pelo PL) que foi ministro em três pastas dele, está tendo uma queda nas pesquisas e ele pode ser obrigado a reavaliar isso, porque lá o presidente Lula também já ultrapassou o Bolsonaro, o que não era uma realidade até um mês atrás”.
Candidatos democráticos sem apoio
Na sua análise, Diniz admite que também candidatos do chamado campo democrático – aqueles que se opõem ao bolsonarismo por defenderem o respeito ao estado democrático de direito – também podem ser “desistidos”, isto é, perderem apoio entre os políticos de suas próprias legendas. Embasa a sua tese em exemplos claros de políticos bem sucedidos que em suas campanhas eleitorais acabaram sendo traídos por seus correligionários. Ulisses Guimarães e Orestes Quércia são exemplos claros disso. Fala da “decantação” ocorrida nesse atual processo eleitoral, apesar de oficialmente a campanha política ter se iniciado semana passada (16/08):
“Houve uma decantação muito grande em todo o processo eleitoral. Só para citar um caso bastante eloqüente: a chamada terceira via. Ela nunca passou de unicórnio, porque os candidatos da terceira via somados nunca ultrapassaram o segundo colocado nas pesquisas. Foram testados – não é nenhuma ironia, não é nenhuma provocação –, foram testados 13 nomes na terceira via. Essa decantação chegou agora no limite dela, os nomes que estão postos seguirão cada um tem as suas pretensões, então eu acho que talvez ninguém desista, mas eles serão “desitidos”, eles não terão mais palanque. É o caso da senadora Simone (Tebet, MDB), que é uma brilhante senadora, talentosa, trabalhou muito bem na CPI da Pandemia, onde a gente conviveu juntos, mas vai faltar palanques estaduais para ela. Vai chegar um momento que ela não terá nem programação nos estados, porque faltará quem a receba. Faltará palanque para ela se pronunciar. O mesmo caso acontecerá com o candidato Ciro Gomes (PDT) que, aqui entre nós, aparentemente, a confiar nos números das pesquisas, é o maior caso de deflação eleitoral na Historia do Brasil. Na última campanha teve 12%, hoje está ali com rarefeitos 6%, 7% e na última pesquisa que eu vi, que foi a da Quaest (Genial/Quaest), a Simone Tebet encostando nele, com chance até de ela ultrapassá-lo. Ficaria uma situação muito frágil e a candidatura dele pelo PDT depende(rá) exclusivamente do presidente do PDT. Ele quem decidirá se levará isso adiante, se formalmente apoiará o Lula ou não. Mas sabe-se que informalmente é uma aproximação natural”. Cita então os exemplos do passado:
“O Brasil convive com isso há muito tempo. A gente sabe que o Dr. Ulisses Guimarães, que tinha uma excelente expectativa de um bom desempenho eleitoral, tinha todas as credenciais de que o Brasil precisava e teve um desempenho péssimo, pois foi traído pelo partido, assim como Quércia foi traído pelo partido posteriormente. Há um histórico de traições eleitorais ai.”
Definição no primeiro turno?
Apesar desse panorama, Diniz considera cedo para definir se haverá ou não segundo turno na eleição de 2022. Ele costuma não trabalhar com números de pesquisas isolados, mas analisa o conjunto delas e adverte que nas 150 realizadas desde meados de 2021 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua liderando.
“Nesse período de um ano, de julho do ano passado até hoje, nessas 150 sondagens (de institutos de pesquisas) já públicas e conhecidas há uma estabilidade numérica com uma vantagem para o ex-presidente Lula, em torno de 10 a 12%, conforme o momento. Obviamente não são comparáveis entre si, mas esta estabilidade a mais de um ano na média destas pesquisas não nos credencia a apostar em uma campanha mais acirrada (...) Só acredito em uma radicalização maior, não do ponto de vista da guerra das fake news, das deepfakes, mas só acredito em alguma radicalização maior se Jair Bolsonaro demonstrar alguma reação nas pesquisas. Do contrário começa aquele clima de velório, o clima de já perdeu.”
Porém, ele prefere dar um tempo para que entre em cena a propaganda eleitoral gratuita nas TVs abertas para fazer suas análises sobre a probabilidade de um segundo turno, mesmo levando em conta que pesquisas como a do IPEC (antigo Ibope) mostram uma cristalização dos votos jamais vista em campanhas anteriores:
“Acho que para apostar, ou ter mais segurança, se haverá uma definição em primeiro turno ou em segundo a gente precisa de mais algum tempo, principalmente depois que estrear os programas de TV e Rádio. Eles têm uma audiência muito grande na primeira semana e tem uma audiência muito grande na ultima, já com a definição do voto. No meio há uma espécie de vácuo da audiência. A cristalização desses votos depende desse fator dos programas de TV e Rádio. Lembrando que a pesquisa do IPEC, que é o antigo Ibope, deu uma cristalização de votos de 77% que é um numero histórico, bastante impressionante. Oito em cada 10 brasileiros estão muito convencidos e com os votos muito cristalizados. A chance de alterar é baixa”.
Empresários bolsonaristas golpistas
Na entrevista ele comentou ainda a primeira reportagem de Guilherme Amado, no site Metrópoles, sobre o grupo de empresários bolsonaristas: Empresários bolsonaristas defendem golpe de Estado caso Lula seja eleito; veja zaps. Nela, o jornalista revelou a existência de um grupo de empresários bolsonaristas no WhatsApp defendendo o golpe para evitar a vitória de Lula. Diniz desconhecia a reportagem postada na tarde de quinta-feira na qual Amado relatou o envolvimento do mesmo grupo com a disseminação de falsas mentiras: Empresários bolsonaristas espalham fake news contra Dom e Bruno e atacam gays, jornalistas e TV Globo; leia zaps. Para ele, esses empresários passaram a ser alvo exponencial das investigações nos famosos inquéritos que tramitam sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da divulgação de fake news e dos atos que defendem o golpe. Eles seriam os financiadores destas campanhas:
“(...) por uma coincidência de trabalho eu tive acesso a ele (inquérito). Li detalhadamente. Ele é muito substancioso, muito detalhista... o das fake news, que se somou ao dos atos antidemocráticos (...) que agora investiga a milícia digital que atua na internet. Ele está muito avançado na perspectiva da responsabilidade dos difusores, dos mentores, dos criadores das fake news. Estava faltando uma ponta que estava mais ou menos indicada no que ele já vem investigando (...) É um inquérito sigiloso, não se dá publicidade a ele diariamente, mas estava faltando a ponta dos financiadores e esse dado revelado essa semana, de um grupo de empresários, todos eles simpáticos ao Bolsonaro, todos eles com pregações golpistas, isso ai nos equipara ao famoso “garganta profunda” de quando o Nixon caiu nos EUA por espionagem no escritório do Partido Democrata: “siga o dinheiro” (follow the Money).”
Para Diniz o grupo de empresários pode ser a “parte que estava faltando no inquérito do ministro Alexandre de Moraes”. Entende que a partir da divulgação desses diálogos surgem pistas bastante valiosas para chegar ou começar a chegar muito perto dos financiados. “Os executores são conhecidos, os difusores das fake news também são largamente publicizados: um já está fugido nos EUA, já teve gente que foi presa por aqui, faltava essa perna de quem paga”.
“Golpe do eunuco”
O jornalista, porém, afasta a possibilidade de golpe, advertindo inclusive que assim como outras instituições da República, as Forças Armadas já pressupõem o resultado da eleição. Ele alerta, inclusive, que quem trama golpes não anuncia. Desconfia, inclusive, que o presidente não tem o tão alardeado apoio dos militares, ainda que admita que isso seja algo a se conferir futuramente. O que acha que pode ocorrer é a violência por parte de alguns adeptos do bolsonarismo, aqueles que fazem desse movimento uma espécie de seita:
“Na falange bolsonarista, que a gente pode qualificar assim, nessa parte que se identifica mais como uma seita, isso (a violência) pode acontecer sim. Mas no esteio normal da política, não. (...) nas desonestidades que a gente conhece porque há muito tempo é praticada por eles, é possível sim que eles comecem a radicalizar, comecem a produzir mentiras... sigam nesses métodos nazi-fascistas de trabalhar com o pressuposto da mentira. Isso é possível sim. Mas acredito que não terá nenhum tipo de eficácia, porque não teve e não está tendo nesse momento. São poucos dias até a eleição e isso não teve efeito prático de traduzir-se em voto, até agora. Há tentativas, naturalmente. Mas vejo que não levará a mais radicalismos do que já vivemos”. Na continuidade, classifica o golpe alardeado por Bolsonaro como um “eunuco”:
“É fato, ainda sujeito a uma checagem mais pontual - isso só será possível após esse período do Bolsonaro – que ele usa o nome das Forças Armadas e não necessariamente tem esse apoio que ele verbaliza ter. (...) desde sempre, até muito antes de tudo, eu qualificava esse golpe como o golpe do eunuco, o golpe do impotente. Porque quem pode dar um golpe, dá o golpe. Não fica fazendo publicidade do golpe todos os dias (...) Um indicativo muito claro disso ai é o recuo da manifestação de 7 de setembro, em Copacabana, onde ele pretendia reagrupar aquela ala golpista em torno dele. (...) Acho que esse recuo do 7 de setembro é um indicativo disso, que as Forças Armadas, a partir de agora, tendem a ficar mais discretas porque, como todo mundo, como a Polícia Federal, como a ABIN, estas corporações têm uma vivência muito grande ao lado do poder e elas antecipam, normalmente, a alternância de poder. Reconhecem isso”.
Mudança da correlação de forças no Congresso
Para o jornalista é previsível que haverá uma mudança na correlação de forças políticas dentro do Congresso, notadamente na Câmara dos deputados, a partir do resultado da eleição:
“Normalmente o presidente da República eleito provoca uma onda – isso acontece muito notadamente na Câmara dos Deputados – ele provoca uma onda partidária. Foi com o Lula, foi com a Dilma, foi com o Bolsonaro que trouxe o PSL de um patamar de indigência partidária para um patamar de excelência, onde tem hoje o maior fundo partidário, o maior fundo eleitoral. Isso provavelmente se repetirá caso o Lula seja eleito agora. O PT terá a maior bancada (...) Não vai afetar muito o Senado (...) que agora só (renova) é um terço, somente 27 senadores. Então não altera a correlação de forças partidárias no Senado substancialmente, porque a maioria já está lá. Apenas um terço será renovado agora. Na Câmara altera profundamente”.
A partir desta perspectiva, prevê uma rearrumação da base eleitoral e lembra que até por experiências que se mostraram desastrosas, Lula saberá comandar isso:
“Vai exigir do presidente da República uma espécie de rearrumação partidária (...) Independentemente de ter uma bancada de 40/50, ele precisa se rearticular para formar uma maioria estável no Congresso, para que sinalize ao país que ele terá uma estabilidade política para prosperar com os seus projetos. É muito provável que haja uma reacomodação até na troca mesmo partidária. Mas ela geralmente é coordenada pelo presidente da República em função de uma eleição. Então eu antecipo que na hipótese de Lula ser reeleito para um terceiro mandato eu acho que ele fará um movimento muito grande no sentido de fortalecer um centro ali, via o MDB, no qual ele confia, ou via PSD, no qual ele confia também, que são partidos que hoje têm simpatizantes dos dois lados. No PSD você tem dois senadores que têm uma interlocução muito boa com o presidente Lula, que estão disputando a reeleição e estão liderando as pesquisas nos seus estados: Oto Alencar (BA) e o Omar Aziz (AM)”. Mas ele então alerta para os erros do passado:
“Esta recomposição de centro na hipótese do Lula reeleito acho que passa pelo fortalecimento do MDB e pelo fortalecimento do PSD, sem cometer alguns pecadilhos do passado de se pretender poder hegemônico, como aconteceu no caso de Arlindo Chinaglia e (Luiz Eduardo) Greenhalgh para comandar a Câmara. O Lula obviamente tem uma experiência absurda nesta questão, provavelmente não repetirá nessas insistências que levou a cicatrizes profundas no país: uma ao impeachment da presidente Dilma e outra a uma crise muito grande porque a insistência de levar o Greenhalgh a presidente da Câmara gerou um Severino Cavalcanti que gerou uma crise absurdamente grande para o país e absolutamente desnecessária”.
Voto útil é o foco
Realisticamente, Diniz prevê que o Centrão continuará existindo. Admite apenas que sofrerá mudança entre seus interlocutores e nos métodos de negociação:
“Centrão sempre existirá. Terá importância, mas certamente terá que mudar a interlocução e terá que mudar os métodos. Certamente você terá que trabalhar com essa anomalia que é chamada de orçamento secreto. Mas você pode pegar isso e transformar em emendas de bancada, pode transformar isso na prática anterior que era fazer o contingenciamento e começar a liberar para os seus aliados. Enfim, tem varias modalidades de fazer isso. O que não pode ser feito é implodir os mandamentos constitucionais da publicidade e da impessoalidade. O Orçamento não é privado, ele é público. Ele não pode estar nas mãos de um ou de outro que distribui dinheiro a seu critério, pela simpatia ou pela proximidade com seus amigos. Esta reordenação do centro será ditada pela coordenação política do presidente eleito, mas certamente que os interlocutores serão trocados”.
Para poder consolidar a vitória de Lula ainda no primeiro turno, o jornalista diz que se torna necessário focar-se no voto útil. Entende que é pouco provável que candidatos sem chance desistam de suas candidaturas. Defende, portanto, o foco nos eleitores deles:
“O voto útil é importante nesse momento agora. Você não tem como convencer o candidato X, Y ou Z a desistir da sua candidatura e carrear seus pretensos votos. Porque essa liderança também ninguém tem, só o Brizola que tinha. Ninguém transfere voto assim (...) Mais do que trabalhar com a cabeça das cúpulas partidárias é trabalhar com o eleitor na validade, na necessidade e na oportunidade do voto útil. O voto pode ser parlamentar, ideológico, pode ser antropológico, pode ser o que for, pode ser o útil. Esse útil é o mais importante de hoje porque ele pode assegurar uma definição em primeiro turno (mesmo) que eu não acho que ela seja substancialmente fundamental. O que vamos eliminar se houver um segundo turno é sobressaltos, bravatas, crise... Por que antecipar? Porque temos uma agenda a perseguir. Você sabe que se o presidente (for) eleito no primeiro turno ele é eleito com uma força muito grande e ele passa para o Congresso Nacional, nesse finalzinho de mandato, uma agenda mínima que ele gostaria de ver implementada no próximo ano. Então é um tempo estratégico, importante Porque você vai precisar ano que vem com estas irresponsabilidades populistas que estamos acompanhando, você vai precisar de dinheiro no ano que vem, seja quem for o eleito.
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