O desamparo do bolsonarista sem poder, sem chão e sem futuro
"Qual é o sentimento em relação a Bolsonaro e ao bolsonarismo sem o componente da questão eleitoral?", indaga o jornalista Moisés Mendes
(Foto: Reprodução/Twitter/@GeorgMarques)
Os brasileiros não querem saber de armas nem de ditadura. Sempre quiseram a vacina contra a Covid. Para 69% deles, há corrupção no governo Bolsonaro.
A grande maioria não confia nunca no que Bolsonaro diz e 55% não votariam de jeito nenhum no sujeito. Mulheres, nordestinos, negros e pobres desprezam Bolsonaro.
Mas Bolsonaro está no poder. É uma excrescência política e humana, mas foi eleito. A maioria não concorda com o que o sujeito é e representa, mas ele governa o país.
Esse Bolsonaro teve a chance de caminhar para o centro, depois de eleito, alargando alcances, mas caminhou ainda mais para a sua faixa fundamentalista.
Quase dois terços dos brasileiros sabem o que ele significa como monstruosidade. E o outro terço também percebe o que ele é, mas aceita ou tolera ou compreende que seja assim.
Estão confusos os que, sob o ponto de vista eleitoral, não sendo Lula nem Bolsonaro, também não têm muita certeza do que possam ser, diante da evaporação de Sergio Moro e da fragilidade de Ciro Gomes e Simone Tebet.
Todos esses dados e muitos outros – que podem ser agregados ao respaldo ou à rejeição ao que Bolsonaro é, faz e pensa – terão significados diversos depois da eleição.
É o que os institutos e cientistas terão de procurar desvendar e interpretar. Qual é o sentimento em relação a Bolsonaro e ao bolsonarismo sem o componente da questão eleitoral?
De que forma os que ainda se agarram a ele, como possiblidade de projeto duradouro da direita, continuarão ligados ao projeto Bolsonaro como referência de conduta e como proteção?
Não é uma questão qualquer. Passada a eleição e com Bolsonaro derrotado, o bolsonarismo será algo abatido e disforme, mas ainda com ingerências no cotidiano de todos nós.
Os bolsonaristas se sentirão sem poder, sem estrutura de imposição do medo e sem a autoestima das bandeiras nas janelas e sacadas. Mas estarão por aí.
Quem se agarrou a Bolsonaro por antipetismo, por medo de ver mais pobres e negros com diploma, ou por questões ditas morais, por fundamentalismos religiosos, ou por tudo isso misturado estará desamparado depois de outubro.
O brasileiro armamentista, militarista, negacionista, racista, machista e homófobo pode não ser homogêneo, mas é muito disso tudo numa só pessoa.
Ele vê gays e diferentes como ameaças à família, enxerga índios como estorvos e defende desenvolvimento a qualquer custo, com a ajuda de grileiros e garimpeiros.
A maioria que pensa o contrário terá de enfrentar a barra de conviver com gente que os examinadores do comportamento humano não conseguiram enquadrar com alguma precisão.
O bolsonarista pós-bolsonarismo será um ente coletivo com imagem ainda mais borrada em busca de algum sentido para o que sobrou das suas certezas, inclusive a que faz com que negue vacinas aos próprios filhos.
Famílias, colegas de trabalho, vizinhos, amigos terão de conviver com essa figura minoritária, que não terá o mesmo ímpeto dos bons tempos do bolsonarismo, porque estará derrotada e sem chão.
Mas ela estará, inquieta e perturbadora, diante de todos nós.
Muitos bolsonaristas desamparados pedirão ajuda, quando o mundo que imaginavam existir finalmente desabar, com suas armas, seus militares, pastores e milicianos. E tudo o que era certo, forte e lindo perderá sentido.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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