O golpe ainda lateja e passa a ser permanente
"O golpismo passa a ser a Covid da política brasileira. Aparentemente sob controle, mas ainda mortal", escreve Moisés Mendes
Militares do Exército e terroristas bolsonaristas (Foto: ABR | REUTERS/Adriano Machado)
O Brasil, como caso especial, e o Peru sempre em convulsão são apenas na aparência dois cenários à parte nesse momento na América do Sul.
Nos demais países, parece não existir ameaça visível de golpe. Parece. Mas há um golpe permanente em quase toda a região, muitas vezes invisível para os países vizinhos.
É bem provável que o Brasil esteja sendo contagiado, pós-8 de janeiro, por esse modelo de golpe latejante e incessante.
Nicolás Maduro só agora começa a se livrar do golpe permanente de Juan Guaidó, porque o golpista está fragilizado, mas não a sua base.
Há na Bolívia o golpe permanente do fascista Luis Fernando Camacho, preso no mês passado, depois de conspirar sem parar nos últimos cinco anos.
No Peru, Pedro Castillo foi golpeado permanentemente desde que assumiu e tentou reagir com outro golpe, até ser golpeado, e agora sua vice no poder também pode cair.
Luiz Alberto Fernández enfrenta o golpismo permanente de Mauricio Macri, o mafioso que se acomodou ao lado da extrema direita, depois de aparelhar o Judiciário para caçar Cristina Kirchner e o peronismo.
Haverá estado permanente de golpe, com menor ou maior tensão e estruturação, sempre que a esquerda chegar ao poder na Colômbia, como acontece com Gustavo Petro.
Paraguai, Chile, Uruguai e Equador são hoje as exceções na região, cada um com suas particularidades. No resto, o golpe é uma ameaça sempre presente.
É mais do que uma oposição ativa o tempo todo e não só em períodos eleitorais. É o golpismo mesmo.
Não necessariamente para derrubar, mas para atordoar, ameaçar e, quando possível, tomar o poder.
É o que o bolsonarismo deve tentar fazer no Brasil, com uma ‘base social’ permanente, que sustente o ativismo político dos militares.
Sem essa base civil organizada e tensionada, não há golpe militar em moto contínuo, sempre pronto a dar o bote.
São situações banalizadas como guerra híbrida, mas que podem ser mesmo parte da eterna guerra arcaica.
O caso brasileiro é particular. Bolsonaro evoluiu de deputado miliciano para político do primeiro time, foi eleito, ofereceu sua base ampliada aos generais e deles teve o resguardo da tutela fardada por quatro anos.
O golpe permanente, em quase todos os países, combina base orgânica organizada, agressiva, como Bolsonaro conseguiu no Brasil. O lastro militar desfruta dessa base e a inspira.
Não há mais golpes como os ocorridos no Brasil e em toda a América Latina, nos anos 60 e 70, em que a imposição se dava apenas pela força armada dos generais.
O golpismo permanente tem sustentação política civil de base, nas camadas que Guaidó manteve na Venezuela, Camacho na Bolívia e Bolsonaro no Brasil.
O golpismo é estratégia política para sempre, e não um recurso ocasional.
Um golpe deixa de ser uma arma eventual a ser usada em momentos de fragilização de governos de esquerda, e passa a ser incorporado à ação política de direita e extrema direita.
Por isso a repressão aos terroristas visíveis de 8 de janeiro não basta. Conter manés que emitem ou recebem PIX, mesmo que seja necessário e urgente, é chegar à estrutura primária e intermediária do bolsonarismo de guerra.
Sem conter os militares e o manezão que não usa PIX, nada terá resultado no combate ao golpe permanente.
O manezão se recolheu depois das medidas de contenção de Alexandre de Moraes. Foi substituído pelo operador do varejo, que contrata ônibus e paga a mortadela e o hotel de terroristas.
Mas o manezão encoberto, com muito dinheiro, continua atuando, em várias frentes, com seu poder econômico e político.
O manezão é quem mantém ativas as bases do bolsonarismo, mesmo depois da derrota sofrida em Brasília.
É uma base reforçada em 2022 pelo orçamento secreto. Bolsonaro tem o manezão e tem a base com representação em Assembleias e no Congresso (e até o governador do maior Estado).
A dinheirama negociada com o centrão deu à extrema direita, pelo voto, o que o fascismo não teve nem na ditadura dos senadores biônicos.
Há extremistas eleitos como nunca antes, porque a base eleitoral funcionou, mesmo que não a ponto de reeleger Bolsonaro.
O golpe permanente, com a classe média ressentida que não se entrega, os ricos e os pobres a eles misturados, vai tentar esculhambar com o governo de Lula.
Com militares ainda articulados, a remontagem do gabinete do ódio e das engrenagens das milícias digitais e mais a representação no Congresso, o golpe permanente estará sempre engatilhado.
Para abalar, tumultuar, confundir, agredir, disseminar o medo, derrubar torres de energia e fazer com que o governo de Lula esteja sempre se defendendo.
O golpismo passa a ser a Covid da política brasileira. Aparentemente sob controle, mas ainda mortal, produzindo novas variantes e sempre subestimado.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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