O nazista arrependido da Argentina e os fascistas enrustidos do Brasil
"A Argentina começa a experimentar o que aconteceu no Brasil, com a proteção dos jornalões à elite que sustentou a extrema direita", escreve Moisés Mendes
Rodolfo Barra (Foto: Osvaldo Fanton/Telam)
Apresenta-se hoje como nazista arrependido o ex-juiz da Corte Suprema, ex-ministro da Justiça e advogado Rodolfo Barra, escolhido por Javier Milei como futuro procurador do Tesouro argentino.
Barra será na verdade o responsável por dar base jurídica às decisões do novo governo. Ele vai legalizar desvarios. Foi militante nazista ativo e essa informação está nas capas da imprensa mundial, menos nos jornalões de Buenos Aires.
Esconder a história do nazista tem coerência com o plano de reacomodação da elite que assimila Milei. É a concessão cúmplice, não só da grande imprensa, mas do poder econômico ao sujeito que assume dia 10.
Os dois principais jornalões do país protegeram o nazista ao anunciarem a escolha. O La Nación publicou esta manchete:
“Rodolfo Barra, o regresso do arquiteto jurídico do menemismo para focar na reforma do Estado”.
E esta foi a manchete do El Clarín:
“Quem é Rodolfo Barra, ex-juiz e funcionário menemista escolhido por Milei para procurador do Tesouro e que gera resistência”.
O menemismo é uma referência a Carlos Menem, o presidente dos 10 anos de dolarização. Os dois jornais procuram mostrar que o nazista arrependido tinha vínculos com o peronismo de direita como ministro da Justiça de Menem.
Prestem atenção nesse detalhe do texto do La Nación: “Barra irá suceder no cargo estratégico ao maoísta kirchnerista Carlos Zannini e uma de suas funções principais será dar base jurídica à ambiciosa reforma do Estado”.
Zannini, o antecessor do nazista, é apontado como maoísta, mas o nazista não é citado como nazista. Por quê? Porque os jornalões podem dizer que Barra se declarou um ex-nazista.
O arrependimento é o que poderá salvá-lo, mesmo que a indicação pareça absurda num país em que a elite com origem judaica é poderosa.
A imprensa argentina pode se esforçar para proteger o nazista tanto quanto a grande imprensa brasileira se dedica, sem escrúpulos, à proteção do fascismo endinheirado que por quatro anos cortejou o poder e continua vivo.
Milei tenta ressuscitar um nazista, com o apoio dos jornalões, que farão lá o que aconteceu aqui com as corporações de mídia diante da ascensão da extrema direita.
A concessão de habeas corpus da imprensa ao bolsonarismo foi incondicional, com algumas estocadas de vez em quando, que funcionaram apenas como álibi de que a adesão não era absoluta.
Os argentinos irão entender como funciona o fenômeno que a estrutura bolsonarista produziu no Brasil. Aqui, a elite não explicitou adesão formal à extrema direita, mas ofereceu ao fascismo a sua condescendência.
Foi o que aconteceu até a eleição de Lula. A elite empresarial deixou que Bolsonaro terceirizasse e se mantivesse distante da gestão da economia, com Paulo Guedes, e foi omissa diante de todos os crimes do sujeito.
O poder bolsonarista passou a boiada, assassinou indígenas, aliou-se a grileiros e garimpeiros, patrocinou o negacionismo, desprezou a morte de milhares na pandemia.
Disseminou mentiras, corrompeu, perseguiu inimigos, contrabandeou muambas árabes, atacou o Supremo e tentou o golpe tabajara com os militares. Tudo sob o olhar complacente dos poderosos de áreas diversas, principalmente a empresarial.
Questões essenciais de qualquer abordagem sobre o que possa ser ético ou moralmente aceitável foram desprezadas, porque Bolsonaro cumpriria o serviço sujo de inviabilizar Lula e as esquerdas.
Não deu certo, e essas elites, com algumas parcelas assumidamente fascistas, são hoje protegidas aqui pelo silêncio dos jornalões, assim como a grande imprensa argentina protege agora o nazista que dará o arcabouço jurídico às ações de Javier Milei. Porque também lá a elite deu sinal de que pode ser assim.
Bolsonaro, amigo de parlamentares nazistas da Europa – e com assessores investigados por simpatia com o nazismo – e ao mesmo tempo autoproclamado amigão de Israel e dos judeus, tem em Milei um parceiro que já anunciou estar pronto para se converter ao judaísmo, enquanto escolhe um nazista para transformar seus desmandos em lei.
Rodolfo Barra ficou mais de 20 anos quieto, desde que foi denunciado como nazista e teve de deixar o governo de Menem. É como se comportam hoje no Brasil muitos fascistas agora silenciosos derrotados no ano passado e no 8 de janeiro.
Barra se sentiu à vontade para retomar o ativismo político durante a campanha de Milei e, voltando a mostrar as unhas, é apresentado hoje pelos jornalões como um gênio do mundo jurídico.
Um gênio com histórico de militância nazista testa os limites da autorização que os eleitores deram a Milei para que, na sua farsa, enfrente o sistema.
O Brasil tem gente semelhante, sob a mesma proteção das corporações golpistas. Temos fascistas e nazistas enrustidos e na moita prontos para voltar a rugir, como ocorre na Argentina.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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