O peso do gênero e da cor na próxima escolha de Lula
"É fundamental que demonstre ter boas condições políticas para realizar seu trabalho. Se essa pessoa for uma mulher negra, melhor ainda!", diz Jair de Souza
Lula e Rosa Weber (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Com a aproximação do momento em que a Ministra Rosa Weber terá de deixar seu posto no STF, o Presidente Lula já está sendo submetido a pressões oriundas de várias fontes com o objetivo de direcionar sua opção no rumo do tipo de substituto preferido por cada uma das forças engajadas na disputa.
A partir do campo progressista, muitas vozes vêm cobrando que a escolha recaia sobre uma mulher negra. Como forte sustentação para esta reivindicação, alega-se que é inconcebível que as mulheres e os negros estejam tão infimamente representados no corpo da Corte Máxima do país. Assim, ao nomear uma mulher negra para ocupar a vaga a ser aberta, Lula estaria dando um passo significativo no sentido de ir sanando tão aberrante desequilíbrio.
Entretanto, provenientes do mesmo campo progressista, outros argumentos se colocam em objeção a que os critérios determinantes neste caso se fundamentem em aspectos raciais e de gênero. Em essência, os que assumem esta postura entendem que as garantias de que um ministro/ministra do STF venha a corresponder às expectativas das maiorias populares não repousam em seu gênero e nem na cor de sua pele. A atuação reacionária e golpista do ex-ministro negro Joaquim Barbosa depois de empossado, assim como os papeis conformistas desempenhados por todas as mulheres que já estiveram, ou estão, ocupando cargos na Suprema Corte serviriam como exemplos para corroborar a validade desta argumentação.
Se analisarmos superficialmente esses posicionamentos a partir da mesma ótica, poderíamos dizer que as duas posturas dispõem de justificativas válidas, que precisariam ser levadas em conta. Porém, nenhuma delas deveria ser absolutizada com independência da conjuntura real imperante na hora de efetivar a decisão. Vamos tratar de elaborar um pouco mais em relação às variações conjunturais.
Parece evidente que a questão da visibilidade significa de fato um problema a ser considerado. Imaginemos o que ocorre na cabeça de nossas crianças naquelas fases em que os conceitos sociais básicos vão se constituindo. Mesmo que nada a respeito lhes seja dito de modo explícito, ao se depararem quase exclusivamente com cenas que mostram as mulheres, os negros e outros grupos discriminados em situações e papéis de subordinação, tais imagens tendem a ficar sedimentadas no cérebro das crianças como algo natural e permanente e, portanto, não passível de questionamentos.
Com o objetivo de pôr fim a este quadro, surgem propostas que visam romper com a inércia que a força da tradição opressora tende a preservar. É desta concepção que se derivam as iniciativas que tratam de garantir por lei um espaço maior para os grupos historicamente discriminados: quota de negros nas universidades públicas, quota de mulheres nas listas partidárias de candidatos a cargos eletivos parlamentares, entre outras medidas.
Considero de muita relevância que tenhamos permanentemente como objetivo derrubar as barreiras que impedem as mulheres de ocupar todos os espaços sociais e de poder em igualdade com os homens. Analogamente, devemos lutar com firmeza contra o racismo e a favor de medidas que possibilitem a nossos afrodescendentes e aos descendentes de nossos povos originários a recuperação dos espaços perdidos em razão de todo o processo histórico de sofrimento discriminatório a que foram submetidos.
Porém, também é muito importante ter em mente que estamos num processo político de luta de classes. E, num processo como este, nem sempre podemos dispor das forças da maneira que gostaríamos de tê-las. Portanto, às vezes, para defender os direitos das mulheres com mais eficiência, talvez tenhamos de recorrer a um homem. De igual modo, para fazer valer a causa dos afrodescendentes contra o racismo, pode ocorrer que o nome mais apropriado seja o de alguém de fora dessa comunidade. O que eu pretendo deixar claro é que estamos falando de luta política, luta de classes. Em certas circunstâncias, as pessoas que estão melhor qualificadas para comandar a luta dos grupos oprimidos podem não ser elas próprias parte integrante dos mesmos. A avaliação mais importante que devemos fazer neste caso é se as pessoas em questão estão realmente comprometidas com a causa pertinente e se estão em condições de travar a luta de modo eficaz.
Ninguém é antirracista e a favor das causas dos afrodescendentes simplesmente por ser negro. O caso do bolsonarista que foi colocado no comando da Fundação Palmares durante o governo do genocida é um bom exemplo disto. Ninguém é a favor das causas mais sentidas pelas mulheres tão somente pelo fato de ser mulher. A ilustração disso também pode ser dada com a bolsonarista que foi colocada à cabeça do Ministério das Mulheres e dos Direitos Humanos, a qual demonstrou ser uma das mais ferrenhas inimigas das causas das mulheres e dos direitos humanos.
Sendo assim, entendo que a pressão de todos os setores progressistas junto a Lula nesta questão da nomeação do próximo integrante do STF deveria ser no sentido de que ele escolha alguém profundamente comprometido com a defesa das reivindicações de nossas maiorias populares, inclusive das causas da maioria de nossas mulheres e com os interesses de nossos afrodescendentes. Além disso, é fundamental que demonstre ter boas condições políticas para realizar seu trabalho. Se essa pessoa for uma mulher negra, melhor ainda! Mas, caso quem atenda de modo mais adequado a essas exigências seja um homem, e até mesmo um homem branco, que isso não venha a se transformar num motivo para nossa oposição!
Jair de Souza
Economista formado pela UFRJ, mestre em linguística também pela UFRJ
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