Onda mudancista abala sistema político

Mas, sem dúvida, desde 2013 vem se constituindo uma extrema-direita política, que se fortaleceu no golpe e, agora, chega ao poder.

Aldo Fornazieri
Publicada em 29 de outubro de 2018 às 12:09
Onda mudancista abala sistema político

A principal característica das eleições de 2018 foi a onda mudancista de natureza antissistêmica ou contrária ao sistema político-partidário vigente estabelecido no início da década de 1990. Na maior parte do tempo, esse sistema arruinado pelas eleições tinha a marca da polarização PT-PSDB. Essa marca se desfez no plano nacional mas, ao menos nesse nível, o PT permaneceu nela como antagonista do pólo de extrema-direita. A onda mudancista levou o Brasil para a direita, não porque a maioria dos eleitores são de direita, mas porque os candidatos de direita representavam melhor a ideia de uma oposição antissistêmica, a ideia de uma varredura dos partidos e dos políticos tradicionais. Mas, sem dúvida, desde 2013 vem se constituindo uma extrema-direita política, que se fortaleceu no golpe e, agora, chega ao poder.

A onda mudancista de natureza antissistêmica foi consequência da profunda crise política, econômica, social moral que atingiu o sistema político e os partidos que dele faziam parte como protagonistas desde a Constituição de 1988. O PT, mesmo tendo sido tirado do poder por um golpe, fazia parte desse sistema, tendo governando o país por 13 anos e alguns meses. Em boa medida, tanto no primeiro quanto no segundo turno, foi apontado como o principal responsável pela crise do sistema. 

Em que pese ter sofrido uma dura derrota, o PT, contudo, não saiu destruído. Duas razões foram determinantes para que isto não ocorresse: a herança positiva dos governos Lula e o fracasso retumbante do governo golpista de Michel Temer. Como o governo sempre é o ponto de referência principal numa disputa eleitoral, o PT também se apresentou como força de mudança das eleições, mas como, em boa medida, o contexto político do presente tem também determinações dos governos petistas, a candidatura petista não incorporava uma ideia de mudança tão forte como aquela agregada por Bolsonaro e a direita, aos olhos do eleitorado. E como a conjuntura era extraordinariamente mudancista, as forças que mais representavam essa aspiração protagonizaram a polarização final. Em suma: o fracasso do governo Temer manteve o PT no jogo, destruiu as chances do centro político e viabilizou Bolsonaro.

Além disso, o PT elegeu quatro governadores no Nordeste e conta com mais cinco governadores aliados na região. O Nordeste poderá ser o bastião da defesa da democracia se Bolsonaro descambar para o autoritatismo. Mesmo com a redução do número de deputados, o PT conseguiu eleger a maior bancada e obteve 47 milhões de votos no segundo turno, o que lhe dá uma enorme força de oposição. Fernando Haddad saiu fortalecido como liderança nacional. Mas terá que consolidá-la e, para isto, terá que enfrentar problemas internos ao PT e definir que tipo de relação estabelecerá com Ciro Gomes, que saiu vivo das eleições e disposto a ser um polo de oposição ao governo Bolsonaro. Tanto Haddad, quanto Ciro terão que encontrar maneiras de ter uma presença política nacional permanente para não sofrerem o efeito Marina Silva que aparecia apenas de quatro em quatro anos, minguando seu capital político. Ainda no campo da esquerda, o PSol, que aumentou sua bancada parlamentar, precisa avaliar o seu insucesso na eleição presidencial.

Dentre todos os partidos do sistema, o mais atingido foi o PSDB, mesmo contando as vitórias em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. No Rio Grande manteve-se a maldição de Borges de Medeiros: até hoje, nenhum governador conseguiu se reeleger depois que este instituto foi implantado. Mas o PSDB amargou o quarto lugar na eleição presidencial e foi o partido que mais perdeu deputados - 20 ao todo. Terá também enormes problemas internos para enfrentar, principalmente com João Dória, que traiu Alckmin e aspira tornar-se dono do partido. 

O PSL de Jair Bolsonaro, sem dúvida, conseguiu um feito inédito ao constituir-se em partido nacional saindo praticamente do nada. Além do presidente, elegeu 52 deputados federais (a segunda maior bancada). quatro senadores e três governadores. A sua bancada na Câmara deverá tornar-se a maior, com novas adesões. A vitória de aliados de direita nos governos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais também fortalecem o presidente-eleito. Se o PSL se consolidará como um partido forte de forma permanente ou se apenas é um epifenômeno que surfou na onda mudancista é algo que terá que se ver no futuro. Bolsonaro e o PSL ou reformarão o sistema ou capitularão a ele. Tudo indica que a segunda alternativa é a mais provável.

Como será o governo Bolsonaro é uma grande incógnita. Mas o que é óbvio é o risco que ele representa para a democracia. Risco que pode se traduzir em violência dos seus partidários, em censura, em perseguição à oposição, e ataque aos direitos sociais e no reforço dos preconceitos contra os negros, mulheres, LGBTs e pobres em geral. A oposição terá que ser intransigente na defesa das liberdades, dos direitos e da democracia. Duas instituições poderão ter um papel relevante na contenção dos arroubos ditatoriais de Bolsonaro e dos bolsonaristas: o Judiciário e a cúpula das Forças Armadas. 

O Judiciário teve uma atuação desastrada em vários episódios no passado recente e violou a Constituição e as leis. Alguns generais fizeram pressões e manifestações indevidas no que tange às decisões judiciais envolvendo o ex-presidente Lula. Mas agora, momento em que os riscos são grandes, o que se espera e se exige é que o Judiciário defenda a Constituição e que as Forças Armadas se mantenham dentro de uma linha legalista e que impeçam Bolsonaro de agredir a Constituição e as liberdades. 

O PT perdeu a eleição presidencial no primeiro turno. Os erros foram vários: a definição tardoa de Haddad como vice e como substituto de Lula; a campanha errou a mão em como apresentar Haddad ao eleitorado como um mero reflexo de Lula; o programa trazia propostas confusas, principalmente na economia; não havia uma estratégia de combate às mentiras e fake news e Bolsonaro foi subestimando, sendo que o PT veio a atacá-lo praticamente na última semana do primeiro turno. Alguns desses erros não havia como consertar e outros foram superados na campanha do segundo turno, com ataques mais duros e diretos a Bolsonaro e com a definição de três propostas que tocavam na vida das pessoas: reajuste do Bolsa Família em 20%, gás de cozinha a R$ 49 e reajuste do salário mínimo acima da inflação. Haddad, por sua vez, apareceu com mais energia, vigor  autoridade.

Mas a campanha do PT enfrentou  e não resolveu um problema que vem se arrastando nos últimos anos: o antipetismo fincado na questão da corrupção e dos erros do governo Dilma. Se o PT não enfrentar estas questões de forma clara e resoluta elas continuarão a contaminar as futuras campanhas até que as gerações que vivem hoje desapareçam. O PT precisa examinar, sem fugir de suas responsabilidades, as razões que, após 13 anos de governos seus, levaram a direita ao poder no Brasil. Em resumo: o PT precisa despir-se das veste do triunfalismo e da arrogância. 

Ademais, o PT precisa renovar-se. A sua bancada parlamentar é constituída por parlamentares das antigas, analógicos, acomodados em seus esquemas de poder, com baixa combatividade e caminhando para o ocaso. Se o PT não se renovar com urgência, apoiando jovens e empoderando-os dentro do partido, o Tempo erodirá o seu poder. Na última eleição, por exemplo, os candidatos jovens e de primeira candidatura receberam migalhas do fundo eleitoral, enquanto que os deputados antigos receberam os maiores nacos, numa clara política de manutenção de uma aristocracia gerontocrática.

Por fim, o PT precisa tirar duras lições das sucessivas derrotas que vem sofrendo desde 2015. Não é mais possível que o partido continue anunciando triunfos vindouros e colhendo derrotas. O partido precisa olhar mais para as dificuldades e as advertências para, prudentemente, prevenir-se, preparar-se e planejar estratégias. Precisa perceber que sem força organizada poderá até ter vitórias eleitorais, mas serão efêmeras, e, nos momentos de  crises e confrontos decisivos, sem forças organizadas, principalmente nas periferias, será derrotado. As forças progressistas serão derrotadas. É preciso saber que sem a virtude da organização, do comando e do combate, o Tempo, a Fortuna e os inimigos arruínam todas as coisas do poder político.

Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

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