PGR defende que autoridade do presidente da República sobre Forças Armadas limita-se às competências previstas pela Constituição
Elizeta Ramos destaca que atribuições outorgadas pela Constituição de 1988 às Forças Armadas não compreendem a função de poder moderador em caso de conflito entre Poderes da República
A expressão “sob a autoridade suprema do presidente da República”, contida no artigo 142 da Constituição Federal, limita-se ao exercício das competências constitucionais atribuídas ao chefe do Poder Executivo. Esse é o entendimento da procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, em parecer pela procedência parcial de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A ação questiona dispositivos da Lei Complementar (LC) 97/1999, que estabelecem normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
Para Elizeta Ramos, o pedido do partido para conferir interpretação à expressão “sob autoridade suprema do presidente da República”, de modo a alcançar apenas o exercício de algumas competências privativas do chefe do Executivo estabelecidas pela Constituição Federal, deve ser acolhido. “A autoridade do presidente da República no que tange às Forças Armadas deve ser compreendida numa leitura sistêmica e orgânica da Constituição, de modo que não pode significar uma espécie de ‘poder supremo’ que desborde dos limites que a Lei Maior atribui tanto ao presidente da República quanto à própria Instituição Militar”, sustenta.
A PGR explica que, sendo o presidente da República a autoridade máxima do Executivo e, considerando que as Forças Armadas se inserem na estrutura organizacional desse Poder, a expressão em análise está relacionada ao binômio hierarquia e disciplina que pauta o funcionamento das instituições militares. Dessa forma, Elizeta Ramos assinala que o alcance do vocábulo não pode ser estendido para além das responsabilidades que a Constituição Federal expressamente atribui ao presidente da República (artigo 84, incisos II, IV, VI, alíneas a e b, e incisos IX, X, XIII, XIX, XX e XXII), “especialmente quando utilizada para permitir a interferência indevida das Forças Armadas nos demais Poderes”.
Em outro ponto do parecer, a procuradora-geral destaca que o emprego das Forças Armadas deve observar os estritos limites delineados pela Constituição. Segundo ela, as atribuições outorgadas pela Constituição de 1988 às Forças Armadas não compreendem a função de poder moderador em caso de conflito entre Poderes da República, para os quais o constituinte estabeleceu um sistema de controle de freios e contrapesos.
Nesse sentido, frisa que é vedada sua utilização em desfavor dos Poderes ou das Instituições, de modo que qualquer interpretação que confira às Forças Armadas a função de poder moderador destoa da missão constitucional da Instituição, essencialmente vocacionada à defesa da Pátria, do Estado e das próprias Instituições Democráticas.
Constitucionalidade – Por outro lado, a procuradora-geral discorda do PDT em relação aos outros pedidos apresentados na ação por acarretar “indevida e inadmissível redução das atribuições daquelas instituições militares, em evidente afronta ao artigo 142 da Lei Maior”. O primeiro pedido busca uma interpretação dos artigos 1º e 15, caput, e parágrafos 2º e 3º, da LC 97/1999, que estabeleça que a utilização das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem se restrinja às hipóteses de intervenção (CF, art. 34), de estado de defesa (CF, art. 136) e de estado de sítio (CF, art. 137).
No entanto, Elizeta Ramos aponta que o caput do artigo 142 da Constituição Federal expressamente determina que as Forças Armadas se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Segundo ela, “a defesa da Pátria diz respeito à proteção da própria República Federativa do Brasil”, como a defesa das fronteiras, da soberania, da integridade territorial, da população e das instituições, além de admitir a adoção de qualquer outra medida prevista em lei e necessária à defesa do Estado brasileiro.
Em relação à garantia dos poderes constitucionais, a PGR destaca que tal previsão “guarda estreita relação” com o enunciado do artigo 2º da Constituição Federal, que estabelece a independência e a harmonia entre os Poderes, e com o disposto no artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, também da Constituição. Esse dispositivo determina que nem mesmo por emenda constitucional pode ser abolida a separação dos Poderes. Já a atuação das Forças Armadas na hipótese de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) está regulada na própria LC 97/1999 e, segundo a procuradora-geral, não se confunde com o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal.
Por fim, a partido questiona o parágrafo 1º do artigo 15 da LC 97/1999, que estabelece a competência exclusiva do presidente da República quanto à decisão de autorizar o emprego das Forças Armadas, sob o argumento de que não há hierarquia entre os Poderes. Para a procuradora-geral, o deferimento do pedido para suspender a eficácia do referido dispositivo “implicaria desconsiderar a autoridade de chefe do Poder Executivo, de chefe da administração pública e de comandante supremo das Forças Armadas, expressamente conferida pelo texto constitucional ao presidente da República”.
Elizeta Ramos ainda acrescenta que tal decisão atribuiria indevida ascensão sobre as Forças Armadas aos chefes dos demais Poderes, sem que a Constituição o tenha feito, caracterizando flagrante contrariedade ao regramento constitucional.
ADI 6.457/DF.
Íntegra do parecer.
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