Por que homenagear Lenin é “elogiar genocida” e idolatrar Churchill não?
"Uma “esquerda” que ataca a própria esquerda com argumentos falaciosos da direita é que municia a direita. E uma esquerda que municia os inimigos não me parece nada estratégica. O foco hoje deveria ser tirar o país das mãos dos fascistas, e não colaborar com a tentativa de criminalizar os comunistas", diz a colunista Cynara Menezes, do Jornalistas pela Democracia, sobre a demonização recíproca de ícones políticos
Uma semana depois de o secretário de Cultura do governo Jair Bolsonaro cair por simpatizar com o nazismo, dois jornalistas do site The Intercept Brasil resolveram se unir à extrema direita para acusar a esquerda de “defender ditadores e genocidas”. No artigo, publicado nesta quarta-feira, o alvo principal era a deputada federal do PSOL Taliria Petrone, que “ousou” homenagear no twitter o líder da revolução russa Vladimir Lenin pela passagem dos 96 anos de sua morte.
Há 96 anos perdíamos Lênin, o principal líder da revolução russa de outubro de 1917. O cara que ousou substituir o poder do Czar, o Rei, pelo de Conselhos de Operários, Soldados e Camponeses – os Soviets. A revolução foi traída, mas Lênin, pelo exemplo e pelos escritos, é eterno. pic.twitter.com/Noa9vUlF5v
— Talíria Petrone (@taliriapetrone) January 21, 2020
Outro criticado pela dupla do Intercept foi o historiador marxista pernambucano Jones Manoel, que, afirma o texto, “não corou em falar publicamente que matar pessoas em uma revolução ‘é uma contingência que acontece’. Fuzilar uma família aqui, matar outros tantos milhões de fome ali, torturar e assassinar indiscriminadamente e promover o terror entre os dissidentes. Assim mesmo. É normal, efeito colateral”. Como se Jones não estivesse falando o óbvio: é óbvio que revoluções armadas resultam em mortes.
Igualando Lenin a Josef Stalin, sobre quem pesa inclusive a suspeita de ter envenenado o antecessor para tomar o poder, os autores do artigo defendem que homenagear o líder soviético é elogiar “ditadores”. Fazem o mesmo com Nicolás Maduro, da Venezuela: para eles, a esquerda não deve defender Maduro da sabotagem, da tentativa de intervenção e do bloqueio dos EUA ao país, porque isso seria idêntico a “apoiar ditadura”, uma atitude pouco “estratégica” no momento.
Stalin tem todas as características de um psicopata: paranoia, complexo de perseguição; era sanguinário, vingativo e cruel. Um genocida. Mas não consigo entender por que os "grandes líderes" do capitalismo, afagados e homenageados pela direita, também não são chamados assim
Eu sou de esquerda e abomino a figura de Stalin. Concordo inteiramente com o escritor cubano Leonardo Padura, para quem Koba era “um psicopata”. Stalin tem todas as características de um: paranoia, complexo de perseguição; era sanguinário, vingativo e cruel. Um genocida. Mas não consigo entender por que os “grandes líderes” do capitalismo na História, afagados e homenageados pela direita, também não são chamados assim.
Tomemos como exemplo Winston Churchill, o primeiro-ministro ídolo do conservadorismo, que “nunca escondeu sua crença na ‘supremacia branca'”, que “considerava os indianos uma ‘raça inferior'” e que “tinha visões antissemitas”, segundo matéria, vejam só, da BBC, a televisão estatal britânica. Churchill “defendeu o uso de ‘gás venenoso’ contra curdos, afegãos e ‘tribos não civilizadas’ –seus defensores dizem que ele se referia ao gás lacrimogêneo. Mas também defendeu o uso de gás mostarda contra tropas otomanas”, lembra a reportagem.
Em janeiro de 2019, Ross Greer, um membro nacionalista do Parlamento da Escócia, causou rebuliço no Reino Unido ao acusar Churchill de ser um “assassino em massa” cujas decisões políticas contribuíram para a “grande fome” que matou cerca de 3 milhões de pessoas na província de Bengala, na Índia, quando o território ainda era colônia britânica, em 1943. A Índia pertenceu à Inglaterra entre 1858 e 1947.
A “grande fome” de Holodomor, na Ucrânia, é reconhecida como “genocídio” por 16 países. Já a “grande fome” de Bengala, na Índia, que levou a um número similar de mortes, não. Stalin é chamado de “genocida”, mas Churchill é louvado como “estadista”
“De acordo com o autor do livro A Guerra Secreta de Churchill, Madhusree Mukerjee, o primeiro-ministro se recusou a atender aos pedidos da Índia por trigo e continuou a insistir para que a colônia fornecesse arroz e combustível para o esforço de guerra”, continua a reportagem da BBC, citando que Churchill disse: “Odeio indianos. São pessoas horríveis com uma religião horrível”. Ele teria culpado os próprios indianos pela fome, acusando-os de “se reproduzir como coelhos”, e questionado por que Gandhi continuava vivo se a situação era tão ruim.
A “grande fome” de Holodomor, na Ucrânia, em 1933, frequentemente utilizada pela extrema direita para equiparar nazismo e comunismo, é reconhecida como “genocídio” por 16 países. Já a “grande fome” de Bengala, que levou a um número similar de mortes, não. Embora tenham estado lado a lado na guerra contra os nazistas, Stalin é chamado de “genocida” pela direita. Mas Churchill é louvado como “estadista”.
Quantos milhões de vítimas o imperialismo britânico fez no total? A União Soviética pós-Stalin apoiou fortemente o Congresso Nacional Africano na oposição ao apartheid na África do Sul. Em 1990, pouco antes de a URSS acabar, Nelson Mandela foi condecorado com o Prêmio Lenin Internacional da Paz.
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E agora, excelência?
Não sou juiz. Só há um. Deus, o justo. Não me cabe julgá-lo. Essa tarefa compete somente ao Todo Poderoso. Prefiro esperar o desenrolar dos acontecimentos, pois, como já disse alguém, o tempo é o senhor da razão, mas não posso esconder a minha decepção
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