Relatório apresenta ações para atendimento de pessoas em situação de rua
Aprovada em setembro, a Resolução CNJ n. 425/2021 instituiu a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades
Com o aumento da desigualdade social, que acarreta diretamente na maior dificuldade para se ter acesso a direitos constitucionais básicos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou um trabalho inédito que incluiu desde entrevistas presenciais com pessoas em situação de rua para identificar suas demandas e necessidades até a promoção de cursos e mutirões de capacitação para o atendimento especializado desse público.
Aprovada em setembro, a Resolução CNJ n. 425/2021 instituiu a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades. Entre outros aspectos, o ato normativo prevê que os tribunais devem observar as medidas administrativas de inclusão, como, por exemplo, a manutenção de equipe especializada de atendimento – preferencialmente multidisciplinar – em suas unidades.
A Resolução também estabelece medidas para assegurar o acesso à Justiça; o direito à identificação civil; medidas em procedimentos criminais; medidas protetivas das crianças e dos adolescentes em situação de rua; a gestão, governança e parcerias, ressaltando a possibilidade de realizar a capacitação de magistrados e servidores para disseminar os princípios definidos pela política. O objetivo é assegurar o amplo acesso às pessoas em situação de rua, de forma célere e simplificada, a fim de contribuir para superação das barreiras decorrentes das múltiplas vulnerabilidades econômica e social.
Em pesquisa do Banco Mundial, o Brasil figura em segundo lugar no ranking da desigualdade. No país, o 1% dos mais ricos concentra 28,3% da renda total do país, perdendo apenas para o Catar (29%), sendo campeão latino-americano, segundo relatório de Desenvolvimento Humano de 2019, intitulado Além da renda, além das médias, além de hoje: desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Além disso, conforme estudo da FGV, “desde o fim de 2014 até o 2º trimestre de 2019, a renda dos 50% mais pobres da população caiu 17% e a dos 1% mais ricos cresceu 10%”. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que em março de 2020 havia 221.869 pessoas submetidas a esta condição no país, um aumento expressivo de 140% de setembro de 2012 a março de 2020.
“Esse tema é de relevante interesse do CNJ, que lança a Política Pública Judicial focada na população em situação de rua. Um grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular”, destacou a conselheira Flavia Pessoa, que também foi coordenadora dos trabalhos. “Nosso objetivo foi de não apenas lançar um documento, mas também promover ações que permitissem a imediata implementação da Política”, completou. O material foi apresentado na 344º Sessão Ordinária do CNJ, realizada em 8 de fevereiro.
Acesse a íntegra do relatório de atividades do grupo de trabalho
Pesquisa
Na pesquisa coordenada pelo grupo de trabalho do CNJ, foi detectado que, entre os principais problemas das pessoas em situação de rua, estão a ausência de documentos de identificação pessoal, o não recebimento de benefícios governamentais, a falta de estrutura para atendimento em pequenas cidades e a falta de interesse nos albergues e abrigos públicos. “Buscamos então boas práticas em políticas governamentais para buscar referências a serem consideradas na política judicial”, contou a conselheira Flávia Pessoa. Foram identificados os projetos Vidas no Centro (SP), Banho do Bem (DF), “Rua de Direitos” (MG) e outros, inclusive com interface com tribunais estaduais e federais.
O grupo realizou ainda diversos encontros de trabalho, cursos de capacitação, oficinas de ideias com atores interinstitucionais, webinários e um mutirão em Brasília e previsão de mais um em São Paulo em 2022. O mutirão de Brasília foi considerado um “projeto piloto” e as pessoas em situação de rua tiveram acesso facilitado ao atendimento de todas as instituições participantes. Além disso, foi possível realizar as perícias médicas no próprio local de atendimento.
Para realização da atividade em São Paulo, está sendo formado um grupo de trabalho entre o Tribunal de Justiça do de São Paulo, Tribunal Regional Federal da 3ª Região e Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região para operacionalização do atendimento em rede. “A largada foi dada. Esse é só o começo de uma longa caminhada a ser trilhada de braços dados, com olhar cúmplice e empático, não para atuar de forma caridosa, mas para assegurar direitos expressos na nossa Constituição Federal, que traz a dignidade da pessoa humana como princípio fundante, garantindo a igualdade a todas as pessoas em solo nacional”, descreveu a conselheira.
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