Representantes dos três Poderes, do MPF e da advocacia expõem pontos de vista diversos sobre juiz das garantias
Os favoráveis alegam que a medida assegura a imparcialidade do julgador, enquanto os contrários criticam os gastos e a violação à autonomia dos tribunais
No primeiro bloco da audiência pública para discutir a implementação da figura do juiz das garantias e outros pontos previstos no Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), na manhã desta segunda-feira (25), representantes de órgãos do Executivo, do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da advocacia e entidades da sociedade civil expuseram suas posições sobre o tema, objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305, todas de relatoria do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux.
Arquivamento
O primeiro expositor, Allan Maia, assessor especial do Ministério da Justiça e Segurança Pública, defendeu a inconstitucionalidade do artigo 28 do Código de Processo Penal (CPP), incluído pelo Pacote Anticrime. O dispositivo prevê que, ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público (MP) comunicará o fato à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação.
Na avaliação de Maia, a medida viola o princípio constitucional do acesso à Justiça (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). “O Judiciário foi completamente alijado do processamento do arquivamento de investigações criminais”, afirmou. A seu ver, a mudança também afronta os princípios da coisa julgada e da segurança jurídica.
Autonomia dos tribunais
O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Mário Augusto Figueiredo de Lacerda Guerreiro avaliou que a criação do juiz das garantias viola a organização judiciária e a autonomia financeira e administrativa dos tribunais, previstas na Constituição. “Uma lei federal não pode decidir quais juízes vão julgar aquilo que é cabível”, salientou. Ele também questionou os gastos com a medida e a sua aplicação em varas únicas.
Regionalização
O desembargador Nino Toldo, do Conselho da Justiça Federal (CJF), recomendou algumas medidas para a implementação do juiz das garantias, como a não concentração desse magistrado e do juiz de instrução e julgamento na mesma vara. Ele também defendeu a prevalência do local do fato para a definição do juiz de instrução e julgamento.
Como representante, também, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), ele citou o grande número de inquéritos em tramitação na Justiça e a necessidade de respeito à autonomia dos Tribunais Regionais para a implantação do novo sistema. Como alternativa, sugeriu a regionalização da função do juiz das garantias, a digitalização dos processos e a realização de audiências por videoconferência, inclusive para tomada de depoimentos.
Aperfeiçoamentos
O subprocurador-geral da República Alcides Martins observou que várias democracias ocidentais adotam o juiz das garantias, como Alemanha, Itália, Portugal e Reino Unido, mas sugeriu aperfeiçoamentos para sua implantação. Entre as sugestões estão a não aplicação em comarcas ou seções judiciárias com apenas uma vara criminal.
Imparcialidade
Representando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Gustavo Badaró sustentou que a criação do juiz das garantias é a mais importante mudança do processo penal brasileiro desde a Constituição de 1988, pois se trata de condição essencial para assegurar a imparcialidade do julgador. Na sua avaliação, a mudança não é norma de organização judiciária, mas de direito processual penal, tema de competência privativa da União.
Impactos regionais
As diferenças das realidades regionais entre estados e até mesmo cidades de uma mesma unidade da federação dificultam a implementação da figura do juiz das garantias. Desembargadores de tribunais regionais e juízes de tribunais estaduais enfatizaram, na audiência, que a adoção da medida implica custos, com aumento de pessoal, de instalações físicas e de uso da tecnologia.
Para o desembargador federal Fernando Braga, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), a mudança fragiliza a repartição de funções que a Constituição Federal estabelece entre a polícia, que investiga, o Ministério Público, que realiza o controle externo, e o Judiciário, que faz o controle jurisdicional.
Representando o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ-CE), o juiz Antônio Edilberto Oliveira Lima disse que a mudança causou grande apreensão entre os magistrados estaduais. Embora o objetivo seja aumentar a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, a medida, a seu ver, encontra dificuldade em sua implementação, e o momento escolhido é mais uma opção política do que jurídica.
No caso de São Paulo, o juiz Felipe Esmanhoto Mateo disse que a medida é uma reestruturação que interfere em todo o orçamento do Tribunal de Justiça estadual, onde tramitam 552 mil inquéritos, dos quais 160 mil ainda são processos físicos. Na sua avaliação, o ideal seria a criação de novas varas, a contratação de mais juízes e mais investimentos. Por isso, propôs que a eventual implantação se dê em etapas.
O juiz André Vorraber Costa, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), também destacou o impacto da medida no sistema de justiça local, com 165 comarcas em 497 municípios. A maioria das comarcas tem apenas um juiz, e a sua sugestão para contornar essa dificuldade seria a criação de núcleos regionais das garantias para dar suporte ao juiz local, uma vez que a implantação da medida no interior é muito mais complexa do que nas regiões metropolitanas.
Marco civilizatório
Ao representar o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), o defensor público do Estado da Bahia Rafson Saraiva Ximenes afirmou que o juiz das garantias é um marco civilizatório e um avanço necessário no estado de coisas do povo brasileiro. A seu ver, o instituto garante a imparcialidade da justiça até o fim do processo.
Onerosidade
Pela Frente Parlamentar Mista Ética Contra a Corrupção, o senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) manifestou-se pela inconstitucionalidade do juiz das garantias. Ele salientou que, cada vez mais, a tecnologia é importante para uma justiça célere, transparente e próxima do cidadão. Ainda conforme o parlamentar, a medida gera onerosidade ao sistema judiciário e, sob o ponto de vista formal, há vício de iniciativa.
Legitimidade
Em nome do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Marina Pinhão Coelho Araújo afirmou que a norma foi produzida regularmente pelo processo legislativo e não representa impunidade. Segundo ela, a medida trará um incremento na qualidade da justiça e garantirá a legitimidade do Estado no exercício do dever de punir.
Garantias processuais
Barbara Prado Simão falou pela InternetLab, associação sem fins lucrativos que se dedica à pesquisa independente na área de Direito e tecnologia. Na sua avaliação, o instituto fortalece as garantias processuais e a imparcialidade do magistrado, diante dos desafios gerados por novas formas de investigação e meios de provas desenvolvidos pela evolução tecnológica.
Consolidação do sistema acusatório
A Associação Juízes para a Democracia (AJD), representada pela desembargadora federal Simone Schreiber, defendeu a constitucionalidade do juiz das garantias por entender que o novo instituto representa um importante passo na consolidação do sistema acusatório. Ao retirar o juiz da causa da fase de investigação, a medida estabelece uma regra de impedimento e preserva a imparcialidade do juiz que vai julgar a ação penal.
Fora da realidade
Última expositora do período da manhã, a juíza de direito Larissa Pinho de Alencar Lima, do Fórum Nacional dos Juízes Criminais, sustentou que o projeto de lei foi aprovado sem debate jurídico e social e criou uma figura completamente fora da realidade brasileira. Ela também avalia que a norma trará problemas orçamentários, com o deslocamento de juízes para outras comarcas.
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