Rito de impeachment de governador deve obedecer regra para impedimento de presidente da República, diz PGR
Afastamento do chefe do Executivo estadual só pode ocorrer por até 180 dias, a partir da admissão do processo por Tribunal Especial Misto
Ao se manifestar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 740, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende a tese segundo a qual o rito de impeachment para governador deve obedecer, por simetria, o mesmo trâmite fixado para impedimento de presidente da República. Aras ressalta que, como a lei que disciplina o impeachment em nível federal (Lei 1.079/1950) é anterior à Constituição, deve ser feita a chamada filtragem constitucional dos seus artigos conjuntamente com a observância da jurisprudência do Supremo relativa ao tema.
Moisés e sua vice, Daniela Reinehr (sem partido), são alvo de processo de impeachment, autorizado este ano pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina, por suposto cometimento de crime de responsabilidade. O pedido constante da ADPF, no entanto, não se restringe ao caso concreto, sendo mais abrangente, questionando diversos artigos da referida norma. E a decisão a ser proferida pelo Supremo terá maior alcance e efeitos, valendo não apenas para Santa Catarina, mas para todos os estados.
No documento, Augusto Aras reconhece o cabimento da ADPF e salienta que vários trechos da Lei 1.079/1950 – aqueles que vinculam o processo de impeachment de governador à disciplina de leis estaduais, em detrimento do estabelecido em lei federal específica – não foram recepcionados pela Constituição. Por essa razão, opina pela rejeição da maioria dos pedidos, dando parecer pelo parcial provimento em apenas três pontos.
Em primeiro lugar, no sentido da suspensão dos efeitos da expressão “pela forma que determinar a Constituição do Estado”, constante do caput do art. 78 da Lei 1.079/1950; e da expressão “onde as constituições não determinarem o processo nos crimes de responsabilidade dos governadores” constante do § 3º do art. 78 da Lei 1.079/1950. E ainda pela fixação de interpretação segundo a qual, na hipótese de afastamento do governador do estado, seja aplicado o prazo máximo de 180 dias de afastamento temporário do cargo.
Rito – Para o PGR, grande parte dos questionamentos feitos pelo governador catarinense já foi analisada minuciosamente pelo Supremo por ocasião do julgamento de outra ADPF, a 378. Nela, o colegiado entendeu pela validade formal da Lei 1.079/1950 como ato normativo disciplinador do processo de impeachment de presidente da República, além da validade material daqueles preceitos da norma não conflitantes com o modelo constitucional. Também definiu o rito do processo de impeachment, que no entendimento do procurador-geral, por paralelismo, deve ser aplicado no âmbito dos estados.
Naquela ocasião, a Corte afirmou caber à Câmara dos Deputados autorizar a instauração do processo de impeachment contra presidente da República, por dois terços dos membros, em “juízo eminentemente político sobre os fatos narrados, que constitui condição para o prosseguimento da denúncia”. E ao Senado, entendeu caber processar e julgar o presidente. O mesmo quórum de dois terços é previsto para o julgamento final do processo pelo Senado. No entanto, para fase de instauração do processo por essa Casa (juízo de admissibilidade da acusação, como fase inicial no Senado), a votação se dá por maioria simples dos seus membros.
Fazendo uma transposição para o processo de impedimento de governadores de estado, observa Augusto Aras, às Assembleias Legislativas caberia o desenvolvimento da fase inicial do procedimento, para autorizar ou não a instauração do processo de impeachment, por votação com quórum de dois terços. Assim, por simetria, incumbiria ao Tribunal Especial Misto, composto por desembargadores do Tribunal de Justiça estadual e por deputados estaduais, a função julgadora atribuída ao Senado – confirmação da admissibilidade da denúncia, por maioria simples, e julgamento final, exigido o quórum de dois terços de seus membros.
“Em relação ao direito de defesa do denunciado, importa prevalecer a conclusão de que haverá de ter o seu exercício garantido na etapa de julgamento, no Tribunal Misto, não sendo indispensável previamente ao juízo de admissibilidade realizado na Assembleia Legislativa”, pondera o procurador-geral. Já o afastamento provisório do chefe do Executivo estadual, por sua vez, assim como corre na esfera federal, deve estar condicionado ao juízo positivo de admissibilidade da denúncia realizado pelo órgão julgador (Tribunal Especial Misto).
Quanto ao critério de escolha dos membros da Assembleia Legislativa que comporão o Tribunal Especial Misto e a pretensão do governo catarinense sobre a forma de votação específica (uninominal), Augusto Aras considera o pedido insuscetível de acolhimento, por exigir positivação pelo STF, em atuação incompatível com a função jurisdicional. “Parece questão que, indefinida na lei federal, e, sem simetria possível com o modelo federal delineado, compõe o espectro de atribuições da Casa Legislativa”.
Vice-governadora – No parecer, o procurador-geral refuta ainda a argumentação relacionada à ilegitimidade da vice-governadora para responder por crime de responsabilidade e ao impedimento do presidente da Assembleia Legislativa para a condução do processo de impeachment quando voltado também contra a vice.
Segundo ele, a Constituição prevê expressamente a possibilidade de instauração de processo por crime de responsabilidade do vice-presidente, nos mesmos termos previstos para o presidente da República, razão pela qual também incide paralelismo nesse quesito. “Não se trata de admitir a responsabilização sem lei anterior que a defina, como quer fazer crer o requerente fazendo paralelo com a tipificação na esfera penal. A sujeição objetiva de vice-governador (e de vice-presidente) às hipóteses definidoras do crime de responsabilidade está atrelada à natureza do cargo (e não à pessoa que o ocupa)”.
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