RONDÔNIA: A GRAMÁTICA, A DIASTRÁTICA, E A IDIOSSINCRASIA...
A aludida norma certamente faz parte desse pacote negacionista trazido à baila pela onagrocracia vigente no Brasil
A Assembleia Legislativa de Rondônia e o governo do Coronel Pé Quebrado já protagonizaram diversas lambanças contra a educação no estado e parecem não dar nenhum sinal de que vão parar tão cedo. Se considerarmos a recente sanção da Lei 5.123/21, aprovada pelos deputados estaduais, constataremos uma demonstração cristalina de que falta aos nossos legisladores, além de compromisso com as futuras gerações, o necessário preparo para exercer o mandato. A aludida norma certamente faz parte desse pacote negacionista trazido à baila pela onagrocracia vigente no Brasil. Assim, torna-se necessária uma breve análise acerca do tema, sob os aspectos jurídico, político, social e pedagógico, vertentes do debate totalmente ignoradas pelo deputado Eyder Brasil, autor desse excremento legislativo...
A Lei 5.123/21 determina que a única versão da Língua Portuguesa permitida nas escolas de Rondônia e nos editais de concursos, a partir de sua vigência, é a Norma Culta. O texto diz, ainda, que a matéria estaria de acordo com a legislação do estado e do Brasil. É justamente neste ponto que começam as contradições. O embuste jurídico proposto por Eyder Brasil e sua turma não possui nenhuma relação com o que estabelece o Art. 206 da Constituição Federal, dispositivo que garante a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Uma lei que impõe aos professores e estudantes apenas a norma Culta fere totalmente tal determinação constitucional, embora o deputado não tenha nenhuma obrigação de conhecer a Carta Magna. Aliás, a inconstitucionalidade da lei também está prevista no inciso XXIV do Art.22 da mesma Constituição Federal, onde consta que “Compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional”. Na frágil “justificativa” apresentada pelo deputado Eyder Brasil, no texto original do projeto, ele argumenta que “40% das pessoas que concluem o ensino superior saem da faculdade sem entender o que leem”. Neste caso, se ele tiver lido a Constituição Federal, está entre as vítimas...
A “justificativa” que o deputado apresentou sobre a proposição é prova clara de que ele desconhece completamente o assunto. Vale registrar que o texto da “justificativa” está muito longe de representar a Norma Culta, defendida por ele, porque a quantidade de erros gramaticais grosseiros é algo lamentável. Entre os argumentos da tal “justificativa”, Eyder Brasil afirma que uma academia da França já se pronunciou sobre o assunto. Como o texto é muito mal redigido, não é possível identificar se foi uma academia de ginástica, de caratê, judô... E se fosse uma instituição científica da França, o que o sistema de ensino do nosso país tem a ver com isso? A França fala francês!!! Se Eyder Brasil tivesse mesmo interesse em copiar ideias da França, talvez fosse melhor ele defender que os professores de Rondônia recebam os mesmos valores que recebem os professores franceses, cerca de 12 mil reais por mês. Mas esse debate ele não tem coragem de fazer. A discussão jurídica sobre a educação brasileira definitivamente não é o forte do nobre deputado. E nem poderia ser! O projeto mais importante que ele apresentou até hoje na Casa de Leis foi para mudar o nome de uma ponte sobre o rio Barão de Melgaço, em Pimenta Bueno...
Os textos das matérias de autoria do deputado Eyder Brasil deixam claro sua dificuldade para ler e interpretar, porém não posso deixar de sugerir a ele a leitura da obra “A Língua de Eulália”, do autor Marcos Bagno. Obviamente que ele não sabe quem é Marcos Bagno, e muito menos Ferdinand de Saussure, mas deveria procurar saber... Igualmente importante seria o eminente legislador fazer uma pesquisa para descobrir quantos tipos de gramáticas existem. E nenhuma escola pode tentar impor apenas a Gramática Normativa. Existem, também, a Gramática Gerativa, Histórica, Comparativa. Somente a estupidez de um legislador muito desinformado pode justificar o fato de abrir um debate sobre o idioma, ignorando a sincronia e diacronia, numa tentativa descabida de impor seu idioleto. Eyder Brasil talvez não saiba, mas esse governo que ele defende determinou a queima de milhares de livros das bibliotecas de escolas públicas de Rondônia. O deputado deveria pedir ao governo que, antes de destruir os livros, separe aqueles escritos por Monteiro Lobato e Oswald de Andrade, para descobrir a forma inteligente como eles defenderam nosso idioma e a diastrática...
Outra sugestão pertinente ao autor desse excremento jurídico é uma leitura atenta das provas das últimas dez edições do ENEM. Certamente ele verá quantas questões aparecem relacionadas com as variantes linguísticas de nosso idioma. O Departamento de Letras da UNIR também possui excelentes profissionais do ramo de Linguística. Em vez de ficar tentando comparar o Brasil com a França, Eyder Brasil precisa agendar uma conversa com a professora Nair Gurgel. Tenho plena convicção de que ela pode ajudar muito. Todavia, caso ele queira permanecer entre os 40% citados por ele na “justificativa” de seu projeto, será apenas mais uma vítima da idiossincrasia e do idioleto da estupidez...
FRANCISCO XAVIER GOMES
Professor da Rede Estadual e Jornalista
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