Sangrando Bolsonaro
"A estratégia é ir sangrando Jair Bolsonaro até que a opinião pública não tenha mais dúvidas sobre o acerto de uma condenação seguida de prisão", diz Chagas
Jair Bolsonaro (Foto: Tânia Rego / Agência Brasil)
À primeira vista, as bem circunstanciadas revelações da investigação sobre o desvio e a venda de presentes oficiais para enriquecimento ilícito compõem o enredo da crônica de uma prisão anunciada. Entre integrantes do governo e juristas que acompanham o caso, porém, não há grandes expectativas em relação a esse desfecho no curto prazo. Por ora, a estratégia dos investigadores da PF e do STF parece ser, com a ajuda da CPMI, ir sangrando Jair Bolsonaro até o momento em que a esmagadora maioria da opinião pública não tenha mais dúvidas sobre o acerto de uma condenação seguida de prisão.
Apesar da ansiedade de alguns — até com justa razão — em ver Bolsonaro na cadeia pelo conjunto da obra, ninguém na esfera jurídica e no governo Lula quer ser acusado de perseguição ou politização indevida das investigações contra o ex-presidente. O primeiro, aliás, a lembrar a necessidade de se seguir o devido processo legal, prevendo amplo direito de defesa ao adversário, tem sido o próprio Lula — que, dia sim, outro também, bate na herança maldita recebida, mas não faz comentários sobre os desdobramentos na esfera policial.
Mas o fato de não ser preso, ao menos no curto prazo, não vai livrar Bolsonaro de enorme desgaste político. A recente operação em cima da organização criminosa fez subir de patamar investigações de que já era alvo e que já têm dezenas se ramificações. Segundo quem acompanha o caso, essa não deve ser a última das acusações.
Mais coisa virá para demolir o discurso anticorrupção que notabilizou Jair Bolsonaro e foi utilizado por ele e seus seguidores para satanizar o PT. Nas próximas semanas e meses, o país continuará sendo exposto, via PF e CPMI, a uma quantidade de denúncias, indícios e provas que, na hora em que se chegar ao indiciamento, ao julgamento e à condenação de Bolsonaro, poucos irão se surpreender.
A questão agora, entre aliados e adversários, é tentar projetar qual será o tamanho político do personagem e do que se chama hoje de bolsonarismo quando se chegar lá.
Embora esta seja a mais forte acusação que pesou sobre ex-presidente no terreno da corrupção, amparada pelo mais completo conjunto de provas já apresentado nas investigações de que é alvo, não é a primeira. Nos casos anteriores, alguns envolvendo inclusive a pandemia que ceifou as vidas de mais de 700 mil brasileiros, Bolsonaro se desgastou, mas não acabou politicamente — e a derrota para Lula por uma diferença pequena dá a medida disso.
É possível imaginar que Bolsonaro, numa estratégia de vitimização, consiga manter o apoio de um núcleo radical de direita que está sempre com ele, cegamente, em qualquer hipótese. São aqueles que correm às redes para postar que é tudo mentira. Essa turma hoje gira em torno de 15% a 20% do eleitorado. Mesmo que passe por certa desidratação, ainda será uma fatia significativa. Tanto é que já estava sendo disputada por políticos como os governadores Tarcísio de Freitas e Romeu Zema desde que o ex-presidente ficou inelegível.
Não por acaso, nos últimos tempos Tarcisio e Zema caminharam aceleradamente para a direita, em discursos e ações. Podem, porém, ter se precipitado e feito um mau negócio, mais ainda agora depois da revelação sobre a organização criminosa de venda de jóias e presentes. Se o caso não impressiona muito a direita radical, pode provocar um estrago sem precedentes junto ao eleitorado centrista.
O tema da corrupção, ainda mais daquela flagrada num personagem que enganou a todos durante anos de mistificação, cala fundo, por exemplo, em setores da classe média conservadora. É o centro que foi responsável por sua eleição em 2018, e deu um calor em Lula em 2022, que Bolsonaro se arrisca a perder. E quem ficar com ele ou se aproximar muito de seus radicais — risco de Tarcisio e Zema — pode ter dificuldades de trazer esse eleitor centrista.
Sem a blindagem da presidência da República e em meio a um escândalo que continuará a ser alimentado midiaticamente pela exibição diária de mensagens, gravações, quebras de sigilo e outras provas, Bolsonaro não vai sair tão cedo do centro do picadeiro. As consequências disso ainda são nebulosas, mas o silêncio da esmagadora maioria de seus aliados diz muito.
Helena Chagas
Helena Chagas é jornalista, foi ministra da Secom e integra o Jornalistas pela Democracia
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