Senadores veem tentativa de blindagem do Executivo em áudio apresentado à CPI
A desconfiança dos senadores aconteceu após a reprodução de um áudio do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF)
Após a reprodução de um áudio envolvendo o deputado federal Luis Miranda na compra de vacinas, os senadores desconfiaram da veracidade dos fatos relatados no depoimento de Dominguetti
O pedido de prisão em flagrante por falso testemunho do representante da Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominguetti, assim como a solicitação de oficialização de seu testemunho à Procuradoria-Geral da República, deu o tom da posição de vários senadores que viram no seu depoimento à CPI, nesta quinta-feira (1º), uma tentativa de blindar o Executivo.
A desconfiança dos senadores aconteceu após a reprodução de um áudio do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). Inicialmente, Dominguetti teria dito à CPI que o áudio “sugestionava” tratativas do parlamentar para a aquisição de compra de vacina, inclusive com citação ao seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do ministério da Saúde. Os Miranda depuseram ao colegiado no dia 25 de junho sobre irregularidades nas negociações para compra da vacina Covaxin.
Alessandro, um dos senadores que sugeriu a prisão do vendedor da Davati, afirmou que o áudio se trata na verdade de uma conversa de setembro de 2020, falando sobre venda de luvas e não de vacinas, conforme perícia policial.
— O senhor fez uma denúncia gravíssima, que não foi negada pelo governo, de que se exigiu pagamento de propina para a compra de vacinas... Mas, ao mesmo tempo em que o senhor faz essa denúncia, nesse intervalo de tempo entre a denúncia que o senhor faz ao jornal Folha de S. Paulo e o seu comparecimento a esta CPI, o senhor acrescenta muito rapidamente — e isso é instantaneamente viralizado pelas redes automatizadas que atuam para esse grupo político — a tese de que nós teríamos na verdade uma briga de gangues entre fornecedores de insumos e vacinas. Não corresponde, neste caso ao menos, à verdade.
Em resposta, Dominguetti defendeu que confiou no áudio de boa-fé e que teria acreditado se tratar de vacinas, por ter lhe sido enviado pelo CEO da Davati no Brasil, em um contexto de conversas sobre o assunto. Garantiu ainda que foi o CEO Carvalho quem o colocou em contato com a jornalista da Folha.
Na mesma linha, os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) acreditam que o depoente foi “plantado” na CPI.
— Fez a denúncia, duas denúncias e, ao mesmo tempo, tenta colocar responsabilidade em alguns setores do ministério para conter, de certa maneira, a enxurrada e tentar limitar o grau de corrupção existente no Ministério da Saúde. Mas, ao mesmo tempo, V. Sa. coloca um áudio aqui para desacreditar aquele outro que veio aqui na sexta-feira e que disse que tinha um esquema de corrupção no ministério — expôs.
Para Rogério, que sugeriu oficialização da Procuradoria-Geral da República sobre o testemunho do representante da Davati, resta no mínimo uma suspeição, “porque que esse depoente foi plantado, para desqualificar uma das linhas de investigação da CPI, apesar de confirmar que houve uma tentativa de pagamento de propina para ele”.
— Há uma tentativa de obstrução dos trabalhos de forma orquestrada e articulada pelo Executivo.
Na mesma linha seguiu Contarato:
— Esse depoente foi talvez utilizado para estar aqui nesta CPI, com esta informação, mas o ponto fundamental é a participação do diretor de Logística do Ministério da Saúde numa negociação que envolve recebimento de propina para aquisição de vacina quando 518 mil pessoas perderam suas vidas. Isso é muito grave! — ressaltou.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) pontuou que a CPI estava “diante de um bode na sala”, com áudio editado, que não condiz com os fatos apurados.
— O senhor se prestou ao papel de lobista, assim como o coronel Blanco [ex-diretor substituto do Departamento de Logística do Ministério da Saúde] — expôs a senadora, que pediu o quanto antes acareação dos envolvidos no caso.
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) contestou essas posições, ao defender que o governo tomou as medidas necessárias, já que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, exonerou o ex-diretor de Logística do ministério Roberto Ferreira Dias nesta quarta (30) e abriu investigação sobre o caso.
— Estamos diante de uma narrativa apócrifa e sem embasamento probatório. Roberto Dias sequer tinha autorização para negociar compra de vacinas. Nós, da base do governo, queremos ir a fundo nas investigações; quem não zelou pelo interesse público que seja punido, mas é preciso perceber que se trata de aventureiros sem qualificações para lidar com assuntos dessa magnitude.
Da mesma forma, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) assegurou que todas as denúncias têm de ser investigadas e que até agora “nada houve de concreto”. Ao senador, Dominguetti disse que só pode oferecer o que vivenciou e que não teria gravações do pedido de propina.
— Primeiro caso que vejo da tentativa de um suborno de uma vacina que não existia.
Presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) explicou aos senadores que não há fato concreto para solicitar a prisão do depoente, já que o coronel Blanco teria confirmado à imprensa a ocorrência do jantar com Roberto Dias.
Omar esclareceu ainda que Dominguetti “foi induzido por Cristiano Carvalho, ao lhe mandar um áudio editado, exibido na CPI” e assegurou que o CEO da Davati no Brasil será ouvido pelo colegiado.
Outras negociações
Munido de documentos, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) afirmou que Dominguetti teria oferecido vacinas a diferentes municípios e estados, não apenas dizendo representar a AstraZeneca, mas também a Johnson & Johnson. A questão também foi inquerida por Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Eduardo Girão (Podemos-CE), Jean Paul Prates (PT-RN) e Soraya Thronicke (PSL-MS).
O depoente negou representar a empresa americana, assim como garantiu que nunca houve qualquer pedido de adiantamento pelo pagamento dos imunizantes para os municípios.
Marcos Rogério afirmou ainda que ofício do Ministério da Saúde, de janeiro deste ano, encaminhado a todos os diretores e secretários do órgão, alertou que as tratativas sobre vacinas deveriam ser feitas junto ao gabinete, por meio do secretário-executivo.
— É por isso que estranho toda essa informalidade, inclusive com encontros em restaurantes, para tratar de venda de vacinas em nome de uma multinacional de notório reconhecimento com negócios com países de todo o mundo. Qualquer pessoa que tenha a mínima experiência com o poder público sabe que esse tipo de conduta foge à normalidade, ao padrão de oficialidade e de transparência dos atos administrativos.
Marcos do Val (Podemos-ES) informou que a Polícia Militar de Minas Gerais abriu, nesta quarta-feira (30), processo investigatório para apurar possíveis condutas de Dominguetti que ferem o código de ética e disciplina dos militares no estado, já que policiais não podem participar de firma comercial ou industrial de forma remunerada.
O senador disse ainda que o depoente tinha obrigação de comunicar o fato aos seus superiores. Dominguetti declarou que não deu voz de prisão no momento porque havia um “superior hierárquico” na reunião, referindo-se ao coronel Marcelo Blanco.
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