STJ absolve ex-secretária de finanças em caso de empréstimos consignados

A pretensão de demonstrar o dolo na conduta delitiva demanda incursão no acervo fático-probatório dos autos

Por Gabriela Coelho e Rafa Santos | Conjur
Publicada em 01 de novembro de 2019 às 16:46
STJ absolve ex-secretária de finanças em caso de empréstimos consignados

Muitos chefes de executivo optaram por atrasar o repasse a bancos das verbas retidas de salários de servidores 

No delito de peculato-desvio, previsto no Código Penal, o dolo é representado pela consciência e vontade de empregar a coisa para fim diverso daquele determinado. A pretensão de demonstrar o dolo na conduta delitiva demanda incursão no acervo fático-probatório dos autos.

Com tal entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou agravo em recurso especial do Itaú Unibanco, que, na condição de assistente da acusação, recorreu de decisão que absolveu a ex-secretária de Finanças de Macapá Edilena Dantas Braga dos crimes de peculato-desvio e assunção irregular de obrigação no último ano do mandato. 

Segundo a denúncia, a ex-secretária e o então prefeito, Antônio Roberto Rodrigues Góes da Silva, teriam desviado mais de R$ 8 milhões, em proveito do município, utilizando-se de convênio firmado entre o banco e a prefeitura para instituição de crédito consignado para os servidores municipais.

O relator, ministro Joel Ilan Paciornik, explicou que o banco não impugnou o fundamento sobre a necessidade de dolo específico para a configuração do peculato, o que torna o recurso inadmissível, conforme a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal, aplicada por analogia no STJ.

"O banco se limitou a dizer que a alteração da destinação de recurso privado em favor da própria administração pública configuraria o delito do artigo 312 do CP, independentemente da efetiva aquisição de vantagem", disse. 

O relator afirmou ainda que há precedente do STJ no mesmo sentido do acórdão recorrido, de que a aplicação incorreta de verba pública, porém visando o interesse público, constitui hipótese apenas de irregularidade administrativa.

"Além disso, o delito previsto no artigo 359-C é próprio ou especial, só podendo ser cometido por agentes públicos titulares de mandato ou legislatura. No caso analisado, como a acusada desempenhava apenas o papel de gestora na administração municipal, não se configura o crime", afirmou. 

Quanto à plausibilidade da participação criminosa, o ministro verificou que o tema não foi objeto de discussão no acórdão recorrido, e nem mesmo quando do julgamento dos embargos declaratórios. "Carece a matéria, portanto, do adequado e indispensável prequestionamento, motivo pelo qual incidentes, por analogia, as Súmulas 282 e 356/STF", afirmou.

Caso
De acordo com os autos, os valores descontados dos servidores não eram repassados ao banco, mas usados para manter o regular pagamento dos salários do funcionalismo municipal.

A sentença absolveu a ex-secretária das acusações. O Tribunal de Justiça do Amapá confirmou a decisão, observando que a incorreta aplicação de verba pública, quando não há alteração do seu fim — interesse público —, constitui hipótese de irregularidade administrativa, não da conduta criminosa de peculato.

Para o TJ-AP, as provas demonstraram não ter havido o dolo específico indispensável para a caracterização do crime de peculato, pois os valores foram utilizados em prol da administração, e não em proveito próprio ou de terceiros.

No recurso ao STJ, a instituição financeira alegou que o desvio de recursos dos quais o funcionário público tem a posse provisória em razão do cargo — ainda que em proveito da administração — caracteriza o delito de peculato-desvio, independentemente da efetiva aquisição de vantagem pessoal.

Sustentou também que o crime de assunção irregular de obrigação no final do mandato admitiria como autor não só o titular de mandato, mas outros funcionários públicos que tenham poder de disposição sobre os recursos, ao menos a título de participação no delito.

Outros julgamentos
O caso de Edilena Dantas Braga está relacionado com uma problemática que tem ganhado espaço nos tribunais. Muitos governadores de estados em crise que optaram por atrasar o repasse a bancos das verbas retidas de salário de servidores relacionadas a empréstimos consignados estão sendo julgados pelo país. 

O expediente foi utilizado por chefes do Poder Executivo de estados em crise financeira como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, por exemplo. Dois ex-governadores do Tocantins também respondem a processos.

O Ministério Público daquele estado ajuizou ação em que acusa Marcelo Miranda (MDB) e Sandoval Lobo (SD), além de quatro ex-secretários da Fazenda por improbidade administrativa.

Na quase maioria dos casos, o fator motivador das ações do MP é a negativação de servidores em serviços de proteção ao crédito.

Um dos próximos julgamentos sobre o tema vai envolver o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT). Ele é acusado de reter na folha de pagamento dos servidores públicos os valores da taxa bancária nos empréstimos consignados e, ao invés de repassá-los às instituições financeiras conveniadas, usar o dinheiro para pagar outras dívidas públicas. O julgamento deve ser pautado ainda neste mês de novembro pela Corte Especial do STJ.

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