STJ acolhe recurso do MPF e decide que estupro de vulnerável em ambiente doméstico deve ser julgado por vara especializada
Quando não houver Vara da Criança e do Adolescente, ações devem tramitar na especializada em violência doméstica. Apenas na ausência dessas vão para Vara Criminal comum
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e definiu que, nas localidades onde não há Vara da Criança e do Adolescente, ações penais que tratam de estupro de vulnerável cometido pelo pai (padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico devem tramitar na vara especializada em violência doméstica. Apenas na ausência dessas, o caso ficará a cargo das varas criminais comuns.
A decisão, tomada na quarta-feira (26), pacifica a interpretação na Corte Superior. Até então, a Quinta Turma do colegiado entendia que esse tipo de delito era de competência da Vara Criminal comum, pois, embora praticado em ambiente doméstico, não se observava motivação de gênero, nem que a vítima estava em situação de vulnerabilidade por ser do sexo feminino, mas sim, em razão da sua pouca idade. Por outro lado, recentes decisões da Sexta Turma eram no sentido de que o estupro de vulnerável no ambiente familiar deveria ser da competência da vara especializada em violência doméstica, nos termos da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Nesse caso, o fator meramente etário não afastaria a competência da vara especializada, importando na verdade a violência praticada contra a mulher (de qualquer idade), no âmbito doméstico, da família ou em qualquer relação íntima de afeto.
Nos embargos de declaração apresentados à Terceira Seção, a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge defendeu a necessidade de haver uniformização da interpretação, com prevalência da posição adotada pela Sexta Turma. Em sua avaliação, a definição do STJ dará segurança jurídica e prevenirá futuras nulidades por incompetência do Juízo. Dodge lembra que recentes alterações trazidas pela Lei 13.431/2017 estabelecem que, se não houver vara especializada em crimes contra criança e adolescente, competirá à vara especializada em violência doméstica processar e julgar os casos envolvendo crianças e adolescentes. Essas inovações somam-se às normas já existentes, instituindo mecanismos mais eficazes para atuação do poder público a fim de assegurar atendimento mais célere, qualificado e humanizado para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
A Lei Maria da Penha, por exemplo, reconhece a elevada vulnerabilidade social e individual das mulheres, o que se revela ainda mais frágil em relação a meninas, em decorrência do mau uso de relações de afeto e confiança e da deturpação da privacidade. “A idade da vítima de violência doméstica não afasta a incidência da Lei Maria da Penha. Ao contrário, a atrai”, afirma a subprocuradora-geral. Raquel Dodge cita ainda três deveres constitucionais que fundamentam a incidência da Lei Maria da Penha no caso de estupro de meninas pelo pai: o dever de assegurar à criança o direito à vida e à saúde e o de colocar a criança a salvo de toda a forma de violência, crueldade e opressão (art. 227); o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (art. 229); e o dever judicial de punição severa pelo abuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente (art. 227, parágrafo 4º).
“Não obstante a Lei Maria da Penha dispense um foco específico no atendimento de mulheres (de qualquer idade) [...], a Lei 13.431/2017, por sua vez, tem uma abrangência muito maior, pois sua incidência independe do gênero da vítima, com incidência sobre os mais diversos tipos de violência praticados contra criança e adolescente, de qualquer orientação sexual ou identidade de gênero”, complementa a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge.
Modulação – A Terceira Seção do STJ modulou os efeitos da decisão no sentido de que, nas comarcas onde não houver juizado ou vara especializada em criança e adolescente, as ações penais envolvendo estupro de vulnerável contra criança e adolescente, distribuídas até a data da publicação do acórdão do julgamento, tramitarão nas varas às quais foram distribuídas originalmente ou após determinação definitiva do Tribunal local ou superior, sejam elas juizados ou varas de violência doméstica sejam varas criminais comuns. Já nos casos de localidades em que não houver juizado ou vara especializada, os processos distribuídos após a data da publicação do acórdão deverão ser obrigatoriamente processados nas varas de violência doméstica e, somente na ausência dessas, nas varas criminais comuns.
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