TSE decide que receber doação de partido não coligado, por si só, não pode gerar cassação automática de parlamentar

A maioria dos ministros entenderam ainda que nas eleições de 2018, houve uma dúvida razoável, de ordem jurídica, sobre se esse tipo de repasse entre dois partidos não coligados poderia ocorrer

Juacy dos Santos Loura Júnior
Publicada em 14 de março de 2021 às 11:52
TSE decide que receber doação de partido não coligado, por si só, não pode gerar cassação automática de parlamentar

Na noite de terça-feira (09.03), quando da sessão ordinária de julgamento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por maioria de seus integrantes, negou provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) que tinha como objetivo a cassação do diploma da deputada estadual eleita em 2018, Delegada Marília Brito Xavier Góes (PDT).

Com seis votos favoráveis e apenas um voto contrário (min. Edson Fachin), o Plenário da Corte Superior Eleitoral, entendeu que apesar dela ter recebido nas eleições de 2018, doação de recursos financeiros de partido político (PR), que não era coligado com o seu (PDT), não existiu para o caso, indícios de má-fé da candidata ou de ocultação de valores. A maioria dos ministros entenderam ainda que nas eleições de 2018, houve uma dúvida razoável, de ordem jurídica, sobre se esse tipo de repasse entre dois partidos não coligados poderia ocorrer. Vamos explicar esse leading case.

O Caso analisado no TRE do Amapá

Quando da representação protocolada junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) dentro do prazo e ainda em 2018, o MPE acusou a deputada Marília Góes de ter recebido doação eleitoral em dinheiro, no valor de R$ 200 mil do Diretório Nacional do Partido da República (PR), grei essa que não integrava a coligação do partido de Marília (PDT/MDB/DC/PRB).

De acordo com a acusação, a doação acorrida no mês de setembro daquele ano eleitoral, tratavam-se de valores provenientes do Fundo Partidário, daí porque na representação baseada no artigo 30-A[1] da Lei n. 9.504/97, o parquet Eleitoral, alegou que houve arrecadação e gastos ilícitos de recursos em campanha eleitoral e pelo fato, de na prestação de contas da candidata ela ter sido condenada a devolução desse valor recebido de doação (R$ 200.000,00), tal irregularidade já seria suficiente para a procedência e acolhimento das alegações pelo art. 30-A.

Todavia, o Regional Eleitoral do Amapá ao analisar a questão, não acolheu as alegações do MPE e houve por bem julgar totalmente improcedente a representação. Segundo a Corte Regional, a doação teria respeitado os interesses jurídicos e políticos do partido doador, embora este não estivesse coligado ao bloco das legendas que apoiava a candidatura de Marília Góes.

Julgamento no TSE

Não se conformando com a decisão do TRE do Amapá, o Ministério Público apresentou Recurso Ordinário nº 0601544-54, que subiu para julgamento pelo TSE. Assim, em agosto de 2020, de forma monocrática o então Ministro Relator Og Fernandes, manteve as razões da improcedência da representação, com os seguintes argumentos:

“(...)

A partir do exame dos autos do processo eletrônico e conforme a fundamentação exposta, no meu entender, não ficou demonstrada, no caso, a relevância jurídica compatível com a aplicação da gravosa penalidade de perda de mandato.

Ante todo o exposto, com base no art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, nego seguimento ao recurso ordinário interposto. Publique-se. Intimem-se.”.

Da decisão do Min Og Fernandes, o MPE interpôs Agravo Interno, o qual foi levado a julgamento no plenário do TSE nesta terça-feira (09.03). A maioria esmagadora dos ministros do TSE, seis no total, seguiram o voto condutor do atual relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, ou seja, entenderam pela denegação do agravo interno no recurso ordinário do Ministério Público.

Na sessão do dia 09.03, a análise do feito foi retomada a partir do voto-vista do ministro Edson Fachin, haja vista que dezembro de 2020 o ministro Mauro Campbell Marques tinha apresentado voto para negar provimento também ao agravo interno do MP, assim, recordou que o TSE já havia desaprovado as contas de campanha de Marília Góes, ao julgar recurso dentro da prestação contas em junho de 2020. Naquele julgamento, foi mantida a compreensão do TSE de que a doação realizada por partido não aliado com recursos do Fundo Partidário para candidato(a) de um partido político com sigla diversa não coligada é irregularidade grave e caracteriza o recebimento de verba de fonte vedada, mas para por aí.

Ademais, existe uma curiosidade sobre essa nova modalidade de proibição de arrecadação (doação) ocorreu quando do julgamento dos recursos pelo TSE, quando apelidadas/adjetivadas pelos Ministros do TSE no REspe 0605091-26/MG, onde ficou consignado pelo Min. Luís Roberto Barroso que a doação para candidato não filiado à agremiação doadora e não coligado seria uma espécie de "infidelidade partidária ao avesso", por sua vez o Min. Og Fernandes, então integrante da Corte, afirmou se tratar de "doação gol contra", adjetivações bem peculiares e cujo estudo anotamos em 2020 em trecho de nossa dissertação de mestrado[2] perante a Universidade Nove de Julho (SP).

Voltando ao caso julgado dia 09.03 pelo TSE, o ministro relator votou pela rejeição do recurso do MPE, por verificar, que deve ser aplicado o princípio da proporcionalidade, pois, nem toda rejeição de contas de campanha leva forçosa e automaticamente à cassação do diploma de candidato que recebera a doação de partido não coligado. Anotou o relator em seu voto que a conduta questionada não tinha capacidade jurídica para causar “a grave reprimenda de cassação do diploma” da deputada estadual amapaense.

Finalizando seus argumentos, para o ministro relator não há, no caso, a comprovação de Caixa 2 – pois o valor doado (R$ 200 mil) foi devidamente informado na prestação de contas da candidata –, tampouco, de elementos que demonstrassem a má-fé da candidata beneficiada, e que a doação recebida tenha afetado a igualdade política e a lisura das eleições no estado do Amapá.

Importante, anotar, que o ministro Edson Fachin em seu voto-vista, ficou isolado na divergência, trazendo argumentos de que os recursos do Fundo Partidário repassados pelo Diretório Nacional do PR para a candidata e agora deputada estadual Marília Goes, representaram quase 50% de seus gastos de campanha, o que para o magistrado é um fator que deve ser levado em conta, pois, desequilibrou a disputa para o cargo no estado, razão pela qual, considerou o procedimento da candidata como grave o suficiente, quando recebeu a doação, o que deveria, a seu ver, resultar na cassação de seu diploma.  

Os demais ministros que acompanharam o entendimento do relator foram o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e os ministros Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos, finalizando em seis votos para manter a improcedência da representação pelo artigo 30-A da Lei das Eleições.

Casos de doações por partido político não coligado nas eleições de 2018.

No fim de 2018, na mesma esteira do MPE do Amapá, as demais procuradorias de outros estados, igualmente ajuizaram representação com base no art. 30-A da lei 9.504/97, pelo mesmo motivo: contra candidatos(as) que haviam recebidos doação de greis partidárias não coligadas e que tinham tido as contas reprovadas por tal motivo, o que resultaria no pensamento do MP de forma “automática” levar ao reconhecimento da grave ocorrência do ilícito do artigo 30-A, culminando com a cassação dos diplomas dos(as) candidatos(as) eleitos e seus primeiros suplentes.

Com o mesmo argumento lançado nas prestações de contas julgadas pelo TSE, nesses casos de doação de partidos não coligados, os Tribunais Regionais Eleitorais adotaram entendimento de que bastava a reprovação das contas por doação recebida por partido não coligado para gerar o reconhecimento da ocorrência do art. 30-A, o que consequentemente gerou o acolhimento das ações do MP e várias cassações de diplomas Brasil afora.

Entretanto, a novel decisão do TSE, deixou bem evidente, que não se podia fazer o que os Regionais eleitorais, data vênia, vinham fazendo, ou seja, colocar numa régua objetiva, todos os candidatos que tinham recebido doação de partidos não coligados e consequentemente considerar o recebimento dessa doação como fundamento para acolher a representação do MPE por captação ilícita de recursos. A decisão do TSE é paradigmática nesse ponto e muito importante, porque deixa evidente a forma como a Corte Superior pensa para esses casos, dando norte para que os juízes eleitorais das instâncias inferiores se guiem e a partir de agora devam seguir, esse precedente, na atração do verbete do artigo 927, V do CPC.

A nosso sentir a partir de agora, a sorte dos processos com o mesmo objeto do julgado pelo TSE na noite do dia 09.03.21 (representação por 30-A que digam respeito recebimento de doação por partido não coligado) e, que não envolvam o reconhecimento de abuso de poder econômico e político e nem ocultação de valores pelo partido doador e pelo candidato beneficiário, devem ter o mesmo desfecho, ou seja, devem ser julgados totalmente improcedentes.

Por fim, cabe reiterar que a decisão do TSE, realça o que sempre foi o entendimento da Corte neste ponto ao longo da história, que não se aplica de pronto as sanções do art. 30-A apenas pelo resultado de reprovação de contas do candidato(a), antes deve ser verificado, caso a caso, a relevância jurídica do ilícito, o seu caráter subjetivo, bem como a sua capacidade de influenciar no pleito, restando claro que o resultado da prestação de contas não pode vincular o resultado da representação pelo artigo 30-A, observe:

“[...] a prestação de contas de campanha e a representação fundada no art. 30-A da Lei n° 9.504/97 são ações autônomas, de modo que o resultado de uma não vincula necessariamente o provimento a ser proferido na outra (AgR-REspe 1741-77/PR, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 18.4.2016)” (REspe nº 752-31/RN, rel. Min. Admar Gonzaga, julgado em 28.6.20189, DJe de 3.8.2018)

O espírito da Lei Eleitoral é a vedação da má-fé, visando punir quem efetivamente quis de alguma forma ocultar da fiscalização da Justiça aquilo que recebeu, omitindo valores, desnivelando o pleito pelo abuso de poder, o que obviamente não se aplica para aquele candidato(a) que informou de forma induvidosa em sua prestação de contas, a doação recebida e os gastos deles advindos, ainda que tenha sido reprovada, o reconhecimento do ilícito de captação ilícita de recursos não pode ser objetivo, mas ao contrário, caso a caso, com as nuances a eles vinculadas.

* Advogado, sócio do Escritório Loura Júnior e Ferreira Neto Advogados Associados. Conselheiro Federal da OAB, Especialista (EJE-TRERO) e Mestre em Direito Eleitoral (UNINOVE-SP). Ex-Juiz Titular do TRERO (2012 a 2017), Vice-presidente da Comissão Especial de Estudo da Reforma Política do CFOAB. Membro titular da Comissão Especial de Direito Eleitoral do CFOAB. Membro Titular da Comissão de Direito Eleitoral da OAB São Paulo. Membro fundador e diretor tesoureiro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP. Membro fundador e presidente do Instituto de Direito Eleitoral de Rondônia – IDERO. Membro fundador do Colégio Permanente de Juristas da Justiça Eleitoral - COPEJE. Professor convidado de pós-graduação em direito eleitoral da Damásio Educacional e Escola de Contas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo – SP.

Art. 30-A.  Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).

§ 1o Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

 Loura Júnior, Juacy dos Santos. Democracia e poder econômico: análise do financiamento eleitoral à luz do princípio da eficiência. 2020. Dissertação (Mestrado) – Universidade Nove de Julho - UNINOVE, São Paulo, 2020. Orientador: Prof. Dr. André Guilherme Lemos Jorge. Poder econômico. 2. Democracia. 3. Financiamento eleitoral. 4. ADI 4650 STF. 5. Doação empresa. Página 92.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

 

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