Um Giro pelo Cirismo

"A democracia sempre aplaudirá aqueles que juntam forças contra tiranos. Ciro golpeia até mesmo os que estendem a mão para tirá-lo do chão", diz Weiller Diniz

Weiller Diniz
Publicada em 06 de setembro de 2022 às 11:12
Um Giro pelo Cirismo

Candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes (Foto: REUTERS/Carla Carniel)

(Publicado originalmente em Os Divergentes)

Ciro Gomes se comporta como um galo de briga em um vale tudo às vésperas do gongo final soar. Seu gingado é, no mínimo, contraditório e, no máximo, dissimulado. Na ciclotimia da carreira trocou de corner político/partidário com uma recorrência que desautoriza sua retórica purista. Os primeiros treinamentos foram na academia tenebrosa do PDS (1982), sucessor da Arena, que era apenas o punho político da ditadura militar que matou, baixou a porrada e deixou hematomas e traumas hemorrágicos. A instabilidade emocional que marca o pugilato afetado de Ciro Gomes o acompanha na volatilidade partidária. A inconstância o levou a se filiar ao longo da carreira a 7 legendas com visões ideológicas que brigam entre si. Depois de debutar no PDS (ex-Arena, depois PFL, DEM e hoje União Brasil, impregnado dos golpes de Bolsonaro), migrou para o PMDB (1983). A inquietude o transferiu para o PSDB (1990), quando o tucanato dominava os ringues políticos. Foi ministro da Fazenda por 4 meses no governo Itamar Franco após o ex-ministro Rubens Ricúpero cair em desgraça pelas inconfidências da parabólica. Esgrime uma paternidade do plano Real com uma insistência deselegante. Com a vitória e a posse de Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes foi trocado no tablado da Fazenda pelo economista Pedro Malan, um clássico nos acidentados ringues econômicos. Nos rounds seguintes passou pelo PPS (ex-PCB) em 1997, PSB (2005), PROS (2013) e agora está no PDT desde 2015.O camaleônico Ciro Gomes cambaleou em tantas lonas ideológicas que é difícil identificar seu estilo real: direita, centro, esquerda, comunista, trabalhista ou nada disso. Por onde transitou acumulou inimizades e deixou dissabores em função da egolatria convulsiva e da agressividade desleal.

Suas atuações são sempre instáveis, inclusive com o box atual, o PDT, escola trabalhista fundada por Leonel Brizola. Em um rompante, digno de um peso pena estreante, balançou e ameaçou romper com a academia partidária depois do partido golpeá-lo no Congresso Nacional. Previsível, dado que Ciro Gomes é um forasteiro, não treina junto e, por isso, não tem ascendência sobre o PDT, cujo “coach” supremo é Carlos Lupi. Em novembro de 2021, no contragolpe, suspendeu a pré-candidatura e ameaçou pendurar as luvas após 15, dos 24 deputados federais do PDT (62% da bancada), votarem a favor da PEC dos Precatórios. Uma das maiores joelhadas da desonestidade da história brasileira patrocinada por Jair Bolsonaro para começar bancar a bolsa de apostas da campanha da reeleição. “A mim só me resta um caminho: deixar a minha pré-candidatura em suspenso até que a bancada do meu partido reavalie sua posição”, declarou. Pura simulação. Em 21 de janeiro de 2022 sua pré-candidatura foi confirmada. Os votos do PDT, com apenas 4 votos a mais que o mínimo necessário para aprovação, foram decisivos para garantir o estelionato. O recuo, no round seguinte, onde 11 deputados do PDT se arrependeram, foi tardio e o calote no queixo dos credores mantido. Não foi a única parceria com o Bolsonarismo. O alinhamento do PDT ao capitão, entre 2019 e 2022, segundo a atenta arbitragem do “Congresso em Foco”, foi de 42%, um dos maiores da oposição.

A campanha de 2018, quando Ciro tentava pela terceira vez se eleger presidente, foi marcada por uma sequência de brigas. No calor do embate ele sempre pesa a mão, mas as bordoadas, nem de longe, guardam relação com a Nação e seus problemas socioeconômicos mais prementes. Frustrado com a decisão de Lula em apoiar Fernando Haddad, após a prisão ilegal do ex-presidente, Ciro passou a fazer ataques cada vez mais virulentos ao PT e suas lideranças na expectativa de angariar a plateia antipetista, no auge da crise de imagem de Lula. Após um desempenho eleitoral pífio, jogou a tolha a foi relaxar em Paris, em um pleito de forte simbologia para democracia brasileira. Após o nocaute eleitoral de 2018, Ciro incorporou um ódio visceral contra o ex-presidente Lula. Em 2019, já com Bolsonaro mandando na rinha do cercadinho, foi hostilizado por alguns participantes de um evento da UNE e reproduziu a agressividade do irmão Cid: “Lula está preso, babaca”. Lula é um inocente, vítima do espancamento da mais vergonhosa farsa jurídico/política que redundou na entrega do cinturão a um fascista. A equivalência que Ciro Gomes insiste em fazer entre Lula e Bolsonaro é totalmente desonesta e improcedente. As cotoveladas ilegais da Lava Jato para nocautear o ex-presidente e retirá-lo do tablado presidencial, além de repulsivas, foram anuladas pelo STF. Apenas o olhar atordoado de Ciro Gomes insiste em poupar o maior escândalo jurídico mundial com propósitos exclusivamente pessoais. A estratégia de adotar Lula como “sparing partner” desidratou Ciro Gomes. As pesquisas indicam que o cearense está zonzo e, na contagem regressiva para eleição de 2022, conta com menos torcedores do que em 2018. É um dos poucos que ainda persevera na contagem da escolha difícil.

No primeiro confronto entre os candidatos à presidência, em um desafio transmitido através do pool de veículos de imprensa coordenado pela TV Bandeirantes, Ciro Gomes tropeçou em uma temerária dobradinha com Jair Bolsonaro. Desferiu cruzados característicos da direita e gargalhou dos jabs machistas do capitão mirando a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura. Inevitável a memória de quando estava num relacionamento estável com a atriz Patrícia Pillar. Ao responder uma pergunta sobre o papel da então companheira na campanha daquele ano, Ciro respondeu: “A minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo. Dormir comigo é um papel fundamental”, declarou. Depois pediu desculpas. Ela o perdoou, mas o sopapo machista se eternizou como uma sequela irreversível. Insatisfeito com o comportamento linha auxiliar de Bolsonaro desferiu um dos golpes mais baixos da carreira em uma publicação em suas redes sociais no dia seguinte ao debate: “Será que não entendem que Lula está cada dia mais fraco – fisicamente, psicologicamente e teoricamente – para enfrentar a direita sanguinária?”. A postagem foi apagada, mas a crueldade e vileza moral ao explorar a saúde de Lula, têm potencial para tirar pontos do pedetista e encorpar sua cartela de golpes sujos, assim como o machismo e ofensas contra todos aqueles que o desafiaram no ringue político. Assim como Bolsonaro, exercita-se do ódio e alimenta-se da agressividade. Possui os mesmos defeitos que aponta no valentão do cercadinho. Um dos seus desafiantes, Eunício Oliveira, desferiu pesados ganchos éticos contra Ciro. Mencionou “mala de dinheiro” e chamou-o de “decadente” e “mentiroso”. Ele  só gosta de revidar Lula.

O destemperado e contraditório Ciro Gomes gingou na estratégica sabatina do “Jornal Nacional” como pacifista e até pregou acabar com uma tal “polarização odienta”. Ciro exibia-se como o único pugilista capaz, treinado e com programa de governo. Tropeçou sem conseguir, sequer, comunicar o que pensa. No horário nobre da TV desperdiçou tempo e ouvidos com pedantismo, anglicismos, vocábulos de difícil compreensão e desfiou um anuário estatístico que ninguém se recorda. O mesmo elitismo visto no debate da Firjan onde disse: “Um comício para gente preparada. Imagine explicar isso na favela. É um serviço pesado”. Perto de 14% dos votos deles estão entre quem recebe até 2 salários-mínimos. Na mesma entrevista do Jornal Nacional, na audiência superlativa da TV, o “conciliador” Ciro Gomes partiu para cima de Lula 13 vezes em um pugilato com a duração de 40 minutos. O seu maior saco de pancadas é o democrata e não o golpista, genocida, obscurantista, armamentista e miliciano que nocauteou o Brasil e esmurrou a democracia. O cartel de ofensas é tão antigo quanto farto. Quando foi ministro da Fazenda do governo do ex-presidente Itamar Franco já ostentava o pavio curto dos brigões. Chamou de “otários” consumidores que pagavam ágio para comprar carros, de “ladrões” e “canalhas” os empresários que cobravam sobretaxas. “Fernando Henrique não rouba, mas deixa roubar”, espancou. Já se referiu a Bolsonaro, com quem se agarra em um clinche mortal, como “canalha”, “ladrão”, “covarde”, “picareta”, “frouxo”, “bandido”, “incompetente”, “despreparado”, “corrupto”, “jumento” e vários outros xingamentos.

O alvo mais recorrente da fúria psicótica, entretanto, é Lula, de quem foi ministro da Integração Nacional entre 2003 e 2006. Em maio de 2021, em entrevista ao jornal Valor Econômico, socou: “Lula é parte central da corrupção. Lula é o maior corruptor da história moderna brasileira. E não aprendeu nada. Fica na lambança, prometendo a volta de um passado idílico que é mentira”. Em outra entrevista chutou: “O ego do Lula agora não tem reparo, não tem contradição, despirocou geral. Não mudou nem uma ideia sobre nada. E agora tá piorado, porque ele considera, vamos dizer, que o crime compensa”. Ao ser questionado, recentemente, sobre quem apoiaria num eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro em 2022, mais agressões: “Nunca mais farei campanha para bandido, por isso que eu tenho que estar no segundo turno”. Bons tempos em que o PDT, nos embates decisivos, se aliava aos democratas para nocautear a direita. Leonel Brizola, o maior e único transferidor de votos do país, foi humilde na sua grandeza política e topou, com a abnegação de um lutador patriota, ser o vice na chapa de Lula em 1998. A democracia sempre aplaudirá aqueles que juntam forças contra os tiranos e não os que beijam a lona com eles. Ciro Gomes, com sua índole traiçoeira, golpeia até mesmo os que estendem a mão para tirá-lo do chão, como fez com Lula no debate. Ciro está grogue, nas cordas e alheio a contagem regressiva. O risco maior do cirismo é se aposentar dos ringues como a pior expressão do cinismo.

Weiller Diniz

Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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