A dificuldade de fazer valer o direito à arte e cultura aos cidadãos rondonienses
O estado de Rondônia engatinha nas políticas públicas de cultura
Relembrando Fanon, eu diria que a arte capacita um homem ou uma mulher a não ser estranho em seu meio ambiente nem estrangeiro no seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando seus lugares no mundo.
Ana Mae Barbosa – Inquietações no ensino de arte
Arte e vida estão umbilicalmente ligadas. A arte produzida em uma cidade, em um estado ou país, éconstrutora da identidade dessas realidades. Por meio da arte refletimos quem somos, ao mesmo tempo em que questionamos o que somos, isso porque arte também é conhecimento. A arte é um dos elementos fundantes da cultura de um povo e não há nenhuma sociedade desenvolvida ou dita civilizada que prescindiu do investimento nesse campo ao longo de seu desenvolvimento histórico. Por isso mesmo, desde a Constituição Federal de 1988, a cultura está assegurada como direito. Quem tem esse direito? A sociedade como um todo, homens e mulheres tem assegurados sua possibilidade de expressão, bem como o acesso aos bens culturais produzidos. Daí a importância das políticas públicas de cultura, pois são elas que asseguram esse direito constitucional.
O estado de Rondônia engatinha nas políticas públicas de cultura. Sua construção data de pouco mais de uma década e os primeiros editais a contemplarem algumas setoriais artísticas são de 2017. O custo disso é o alijamento dessa potente cadeia produtiva, que gera renda e muitos empregos diretos e indiretos. Os maiores recursos investidos em cultura no estado vieram de políticas emergenciais, uma conquista dos artistas de todo o país, que, por meio de sua luta, conseguiram fazer com que o Congresso os enxergassem em um momento tão difícil em todo o mundo. Estou me referindo à pandemia de Covidf-19. Da luta dos/as artistas em aliança com os/as parlamentares nasceram as leis federais Aldir Blanc (14.017/2020)e a Paulo Gustavo (195/2022), por meio das quais foram destinados recursos à todas unidades federativas. A última, a Lei Paulo Gustavo (LPG), ainda não foi executada em Rondônia.
Na sessão parlamentar da Assembleia Legislativa (ALE) de 23 de maio de 2024, um dos itens de pauta era a autorização dos recursos da ordem de pouco mais de 27 milhões para serem utilizados pela Secretaria de Cultura, Esporte, Juventude e Lazer (Sejucel), para, justamente, fazer com que a LPGfosse posta em prática. Na ocasião, o parlamentar Delegado Camargo (Republicanos), pediu vistas do processo, atrasando ainda mais sua execução. Conforme vídeo que circula na internet e redes sociais(https://www.instagram.com/p/C7VhF2_M4m9/), dois outros parlamentares esclareceram que os recursos não têm impactos fiscais para o estado e que o prazo está próximo de seu encerramento, isto é, se o simples ato autorizativo (é tudo que lhes cabe) da ALE não ocorrer dentro do prazo, os recursos irão retornar aos cofres federais, deixando a cadeia artística ainda mais debilitada. Cabe destacar que os recursos daí advindos não impactam apenas artistas, mas toda a economia local, afinal, na execução dos projetos culturais os recursos circulam pela rede hoteleira, restaurantes, gráficas, transportes, entre outros.
O desconhecimento do parlamentar Camargo, disfarçado de zelo pelos recursos públicos, é um escárnio aos fazedores de cultura de Rondônia, pois ao pedir vistas do processo – ainda que seja direito de todo/a parlamentar – não só atrasa a execução da LPG, mas põe em risco a perda desse importante recurso federal. Por isso, não é possível ver de outro modo, se não como um ataque direto às artes e à cultura rondoniense. Apesar disso, ouso afirmar que nem mesmo esse tipo de político é capaz de viver sem arte, pois é certo que deve escutar alguma música, assistir algum filme, série ou novela e, ainda que mais raro, deve ter lido algum livro ao longo de sua vida; e, quando tem filhos/as, esse tipo de pessoa costuma coloca-los em escolas de dança, de música, de artes plásticas etc., com o fito de melhor prepará-los para à vida. Espero que o citado parlamentar, mas não só, saiba que todos esses elementos são arte e compõem uma cadeia produtiva em nosso país. Cabe destacar ainda que é esse tipo de político que também costuma frequentar os grandes eventos culturais do estado, como Flor do Maracujá, Duelo na Fronteira, dentre outros, à caça de votos.
O saudoso Leonel Brizola afirmava que cultura “não dá votos, mas tira”. Que cada artista do estado de Rondônia conheça bem seus políticos e saibam pintá-los ao público que lhes prestigia conforme à realidade como tais políticos agem em relação à arte; quem sabe, assim, possamos arrancar do parlamento e outras instâncias de poder os inimigos da cultura.
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