A Doença Mental no Divã

Sou exagerado? Eu? Bom, vamos aos fatos e, ao final, me diga se não sou mais invisível que um vírus

Humberto Müller
Publicada em 10 de dezembro de 2020 às 15:04
A Doença Mental no Divã

Humberto Müller

Médico e Professor universitário

Confessar ciúmes é algo honesto. Baixo aqui quaisquer mecanismos de defesas residuais para expor toda minha fragilidade, insegurança e inveja. Espero que os leitores me compreendam, não quero fazer julgamento de valores, muito menos fazer uma competição macabra. Mas algo é fato, nunca tive importância, nunca me olharam com o cuidado que merecia e sempre fui deixado de lado.

Sou exagerado? Eu? Bom, vamos aos fatos e, ao final, me diga se não sou mais invisível que um vírus. Antes de seguir meu desabafo, quero me apresentar, alguns me chamam de “Doença mental’, outros me conhecem por “Transtorno psiquiátrico”, mas a verdade mesmo é que quase todos me tratam mal, me colocam apelidos como: “Frescura”, “Bobagem”, “Falta de vergonha na cara” ou, o que mais me incomoda, “falta de fé”.

Bom, agora que sabem quem está falando, seguirei com meu propósito. Cerca de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem com depressão, 60 milhões com transtorno bipolar, 23 milhões com esquizofrenia, 50 milhões com demências e, pasmem, são quase 900 mil mortes por suicídio a cada ano. Isso não sou eu quem digo, trago aqui informações da Organização Mundial de Saúde (OMS), aquela mesmo que todos levam em consideração, exceto quando se trata ao meu respeito.

Alguns dizem que sou “jovem” e que “na época deles isso não existia”. Aos que usam esse argumento, trago novidades (não tão novas assim). No Velho Testamento já apareço quando se retrata o quadro depressivo do Rei Saul. O termo Melancolia, que retrata uma manifestação depressiva de humor, foi criado por Hipócrates, há 400 anos a.C.

Acompanho (e compartilho) as preocupações de todos com a COVID-19, vejo hospitais sendo construídos às pressas, centenas de leitos de UTI sendo financiados, campanhas gerando engajamento global. Essa sim é uma doença nova, e está sendo tratada como se deve, com preocupação e de forma ativa. Agora eu? Me diga, sou bem tratado? Recebi reconhecimento científico quando se elaborou a Classificação Internacional de Doenças, em 1893, porém, até hoje sigo na marginalidade, invisível (exceto aos olhos e sentimentos de quem comigo vivem).

Nos últimos 11 anos o SUS perdeu quase 40% dos leitos de internação psiquiátricas, ou seja, a proposta é um lockdown as inversas (me perdoem o infame trocadilho). Eu não queria muito, mas também não mereço menos que os outros. Me tratem, me respeitem, ajudem aos que comigo vivem, tenham empatia, cuidem dos seus e, por favor, não lavem as mãos.

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