À espera da ararinha azul no sertão da Bahia

Moradores de Curaçá, no sertão da Bahia, reforçam projeto de reintrodução e já vislumbram a ave de volta à natureza.

ICMBio 
Publicada em 02 de agosto de 2018 às 14:34
À espera da ararinha azul no sertão da Bahia

O meu desejo é te ver voando/O meu desejo é te ver voltar/Minha esperança é te ver voando/Da Serra da Borracha até a Serra do Juá... O semiárido está por ti em festa/O xique-xique sorri pro mandacaru/A sua volta é cada vez mais perto/seja bem-vinda ararinha-azul”.

Os versos da canção Esperança Azul, dos cantores e compositores Fernandindo, Demis Santana e Januário Ferreira, que embalam há anos o sonho dos moradores de Curaçá, no sertão da Bahia, de ver de volta a ararinha-azul, ave exclusiva da região e extinta na natureza, ecoaram mais uma vez em meio à Caatinga.

Nessa terça-feira (31), Fernandinho e amigos cantaram a música, ao som de violão, zabumba e triângulo, para os cerca de 300 moradores da região que acompanharam a visita de comitiva do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e parceiros ao Projeto Ararinha na Natureza, na sede da Associação dos Moradores da Comunidade de Melancia, na zona rural de Curaçá.

O projeto, que une esforços dos governos federal e estadual, organizações não-governamentais (ONGs) e empresas privadas e tem apoio de centros de pesquisa e criatórios no Catar, Alemanha e Bélgica, busca reintroduzir nos próximos anos a ave no seu habitat histórico, a região do Raso da Catarina, no nordeste baiano.

Atualmente, existem em torno de 150 exemplares da espécie em cativeiros no Brasil e exterior. Em março do próximo ano, 50 deles, vindos da Alemanha, desembarcarão no aeroporto de Petrolina, município pernambucano vizinho a Juazeiro, de onde seguirão para o Centro de Reprodução e Reintrodução, que está sendo construído em Curaçá. Lá, as aves serão preparadas para a soltura no ambiente natural.

“Não vejo a hora disso acontecer”, diz, com sotaque carregado, o vaqueiro Adonário Martins Leite, 71 anos, que botou sua melhor vestimenta, incluindo o chapéu de couro, para assistir ao evento em Melancia. Adonário é um dos moradores da região que conviveram com a ararinha-azul voando livre nos céus e entre as matas secas da Caatinga. “Elas voavam em bando. Eram uma beleza só. Naquela época, não sabíamos o valor que elas tinham. Aos poucos, foram sumindo, por causa dos caçadores, até desaparecerem de vez. Ainda hoje guardo o seu canto na memória”, relembra o vaqueiro, analfabeto, pai de 13 filhos e “não sei quantos” netos, apaixonado pela Caatinga.

Voz firme e gestos expressivos, ele garante que, com o retorno da ararinha à natureza, a história será outra. “Não vai ter caçador nenhum nessas matas. Se aparecer, a gente vai botar pra correr”, avisa Adonário, expressando um sentimento que invade corações e mentes de moradores da região.

Professor de Artes da rede municipal de ensino, Demis Santana, 52 anos, um dos compositores da canção que animou a visita da comitiva do MMA, confirma essa disposição. “Não é só os mais velhos, os adultos. Os jovens e adolescentes, que nunca viram uma ararinha-azul na vida, também começam a adquirir essa consciência”.

Nos últimos anos, Demis virou uma das vozes comunitárias mais ativas em defesa do projeto. Sempre que pode, fala sobre a importância da participação das pessoas na volta das ararinhas à natureza. Para isso, não escolhe hora e local. Pode ser de manhã, à tarde ou à noite, na sala de aula, em palestras para as comunidades ou durante performances artísticas nas ruas e praças de Curaçá.

“Acreditamos que só com o envolvimento de toda a comunidade esse projeto pode dar certo. Há muita gente envolvida. Governos, empresas, ONGs, pesquisadores... Mas, depois que as aves forem soltas, os maiores parceiros serão os moradores. São eles que vão se tornar os guardiães das ararinhas”, ensina o professor.

Mercia Millena, 20 anos, moradora da Fazenda Palmares, perto da Comunidade Melancia, já faz parte desse time. Com o segundo grau completo, ela inscreveu-se e foi selecionada para o Programa de Voluntariado do Projeto Ararinha na Natureza. Desde então, auxilia os gestores e pesquisadores em tarefas que vão de apoio a atividades burocráticas a ações de pesquisa em campo.

“É uma coisa que vem da nossa alma. Quando tomei conhecimento do projeto, me identifiquei imediatamente. Estou muito feliz em estar dando minha contribuição para uma iniciativa tão importante como essa”, diz Millena, que integra o voluntariado com mais 14 jovens escolhidos entre estudantes das comunidades da zona rural de Curaçá.

Centro

Após o evento na Comunidade de Melancia, a comitiva do MMA e parceiros seguiu até a Fazenda Concódia, onde está sendo erguido o Centro de Reprodução e Reintrodução das Ararinhas-Azuis. O local vai funcionar como uma espécie de “casa provisória” para as ararinhas que chegarem da Alemanha no início do próximo ano.

No centro, elas serão preparadas para se adaptar às condições climáticas e ecológicas da Caatinga, identificar alimentos e se defender dos predadores naturais, antes de serem soltas na natureza. As obras ainda estão em fase inicial, mas devem ser concluídas até o fim do ano.

Quando estiver pronto, o centro terá espaços para atividades administrativas, alojamento para pesquisadores e dois grandes viveiros, um para pareamento (formação de casais para reprodução) e outro para as aves que estiverem mais preparadas para a soltura. O projeto de engenharia prevê área coberta de 2.400 m².

Junto com o funcionamento do Centro, o MMA e parceiros vão desenvolver políticas públicas associadas ao projeto Ararinha na Natureza que impactem de forma positiva no habitat das aves e contribua para a inclusão social e econômica das comunidades locais.


Recuperação

Um das iniciativas são as Unidades de Recuperação de Áreas Degradadas (Urad). No caso específico de Curaçá e arredores, as Urads vão se concentrar, entre outras coisas, na revitalização de matas ciliares que abrigam as palmeiras do licuri, um dos principais alimentos das ararinhas-azuis.

A Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, por sua vez, articula a inclusão de produtos locais no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e na Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM). A ideia é oferecer opções de emprego e renda para os moradores, de modo que eles não se envolvam com atividades não-sustentáveis.

Mas o grande desafio é viabilizar a implementação da Área de Proteção Ambiental (APA) e o Refúgio de Vida Silvestre (RVS) da Ararinha-Azul. As duas unidades de conservação (UCs) federais, que são geridas pelo Insituito Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foram criadas este ano, principalmente, para servir de “lar permanente” para as ararinhas.

O RVS tem 29 mil hectares e a APA, 90 mil hectares, nos municípios de Juazeiro e Curaçá. Juntamente com três outras unidades de conservação, que estão prontas para serem criadas na região pelo Governo do Estado da Bahia (só falta a assinatura dos decretos), elas vão compor um grande mosaico de UCs para proteger as aves.

Com essa movimentação toda, não só os representantes dos órgãos e empresas envolvidos no projeto Ararinha na Natureza, mas, principalmente, os moradores de Curaçá sentem que está cada vez mais próximo o dia em que as pessoas poderão assistir às ararinhas voando, livres, nos céus da Caatinga, da Serra da Borracha até a Serra do Juá, como diz a canção.

Sobre as ararinhas

Descoberta no início do século 19 pelo naturalista alemão Johann Baptist von Spix, e exclusiva da Caatinga brasileira, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) teve sua população dizimada pela captura e tráfico de animais silvestres. O último exemplar conhecido na natureza desapareceu em outubro de 2000, e até hoje não se sabe se morreu ou foi capturado por alguém. Desde então, os poucos exemplares que restaram em coleções particulares vêm sendo usados para reproduzir a espécie em cativeiro. Quase todos no exterior. A ararinha é endêmica da Caatinga e considerada uma das espécies de aves mais ameaçadas do mundo. Em 2000, a espécie é classificada como Criticamente em Perigo (CR) possivelmente Extinta na Natureza (EW), restando apenas indivíduos em cativeiro.

Naturalmente rara, a ararinha só existia originalmente numa pequena região do interior de Juazeiro e Curaçá, no norte da Bahia, onde o governo federal criou no início deste mês duas unidades de conservação: o Refúgio de Vida Silvestre (com 29,2 mil hectares) e a Área de Proteção Ambiental da Ararinha-Azul (com 90,6 mil hectares), destinadas à reintrodução e proteção da espécie e para conservar o bioma da caatinga. Originária da região de Curaçá, na Bahia, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) teve sua população dizimada, sobretudo devido ao tráfico de animais, e hoje é considerada extinta na natureza. Existem, atualmente, quase 160 exemplares da espécie, todos em cativeiro. 

O ICMBio publicou em 2012 o Plano de Ação Nacional a Conservação da Ararinha-azul (PAN Ararinha-azul), cujos objetivos são o aumento da população manejada em cativeiro e a recuperação do habitat de ocorrência histórica da espécie, visando à sua reintrodução na natureza. Coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave/ICMBio), o PAN Ararinha-azul teve como desdobramento a criação do Projeto Ararinha na Natureza, iniciativa que conta com a parceria da Vale e de organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, como o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e a Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil (SAVE Brasil), além de mantenedores da ararinha-azul dentro e fora do país, que trabalham para viabilizar a reprodução da espécie: a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), na Alemanha; a Al-Wabra Wildlife Preservation, no Catar; os criadouros Fazenda Cachoeira, Nest e a Fundação Lymington, no Brasil.

Conheça o vídeo da ararinha 

Com informações da Ascom do MMA.

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