Abate e Maus Tratos aos Animais

Um boi, um porco ou uma galinha a caminho do seu abate estariam fora da regra mater de não submissão de animais a crueldade inscrita no Art. 225, §1º, VII, da Constituição Federal de 1988?

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral*
Publicada em 15 de julho de 2017 às 09:42

Noutras palavras, o abate ou a sua iminência, se constituiria em hipótese justificadora da prática de ato de crueldade, de qualquer natureza –, contra o animal antes de seu abatimento?

A cada dia multiplicam-se nas redes sociais vídeos amadores que revelam o grande flagelo e crueldade impingidos a diversas espécies de animais a caminho do abate, notadamente quando do transporte desses animais ao abatedouro.

Nesses vídeos pode-se ver que animais são acondicionados, não raras vezes, em ambientes apertados, com pouca ou nenhuma ventilação, sujeitos a temperaturas quase insuportáveis, algumas vezes empilhados uns contra os outros ou acomodados em pequenas jaulas, sem água e comida, entre outras sujeições que podem ser classificadas, sim, como cruéis para qualquer ser vivo.

Acontece que a Constituição Federal de 1988, como não poderia deixar de ser, veda expressamente toda e qualquer submissão de animais à crueldade, sem fazer qualquer distinção espacial, temporal ou de espécie.

Não permite, assim, o Art. 225, §1º, VII, da Constituição, que por motivo relacionado à exploração de atividade econômica possa o animal ser submetido a qualquer ato de crueldade mesmo antes de seu abate.

Do pasto, do chiqueiro, do galinheiro ao abatedouro, não poderá o animal ser submetido a crueldade, sob pena de violação da regra constitucional. O próprio abate em si deverá ser isento de causação de sofrimento ao animal.

O Congresso Nacional brasileiro deve criar mecanismos legais para efetiva e integral aplicação do Art. 225, §1º, VII, da Constituição, para tutela e proteção dos animais sujeitos a abate, em qualquer etapa da atividade econômica, contra ato de crueldade dentro do território nacional.

A sociedade em geral clama pelo fim da crueldade praticada contra animais a caminho do abate. Cenas lamentáveis de torturas, suplícios e tormentos devem ter um fim.

O que a Constituição Federal vigente tolera é o abate sem submissão do animal a quaisquer atos de crueldade. As Comissões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, com a participação popular e de entidades ambientais e empresariais, devem discutir a elaboração de lei que garanta a vida e o desenvolvimento do animal criado para abate livre de crueldade, em qualquer etapa do processo produtivo. A morte indolor, imperceptível e serena do animal é uma determinação constitucional, que merece regramento legal mínimo para garantia de sua aplicabilidade prática.

O mesmo raciocínio deve se aplicar à indústria de laticínio aonde não praticado o abate. O animal serviente à indústria do leite também se circunscreve ao comando protetivo do Art. 225, §1º, VII, da Constituição, não podendo ser alvo de qualquer ato de crueldade.

A Lei Federal nº 9.605, de 1998, ao tipificar o crime de maus tratos aos animais, refere-se expressamente a animais “silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, o que parece deixar de fora da proteção legal incriminadora os animais utilizados em larga escala em muitas atividades como a produção de carne e de leite, diante da imprecisão de seu Art. 32.

Bom seria se o Art. 32 da Lei nº 9.605/98 empregasse apenas a expressão “animais”, deixando de lado qualquer classificação ou distinção entre os seres sencientes.

Sempre oportuno assegurar que, dentro da regra da hierarquia das normas, a sugerida omissão da Lei nº 9.605/98 não possui evidentemente o condão de sustar a eficácia do Art. 225, §1º, VII, da Constituição.

A Instrução Normativa nº 12, de 11 de Maio de 2017, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estabelece normas para o credenciamento de entidades para realizar o treinamento em manejo pré-abate e abate de animais com fins de capacitar e emitir o certificado de aptidão dos responsáveis pelo abate humanitário nos estabelecimentos de abate para fins comerciais.

No que interessa, preconiza a Instrução Normativa nº 12/2017:

“Art. 2º Para efeito desta Instrução Normativa, entende-se por:

I – procedimento de abate humanitário: o conjunto de diretrizes técnicas e científicas que garantem o bem-estar do animal desde o embarque na propriedade de origem até a sua morte;

Art. 3º Toda entidade interessada em ministrar treinamento em manejo pré-abate e abate de animais para fins de emissão de certificado de aptidão dos responsáveis pelo abate humanitário nos estabelecimentos de abate registrado em serviço veterinário oficial deve ser credenciada junto ao MAPA.

Parágrafo único. Não pode ser credenciada junto ao MAPA entidades cujas atividades comerciais envolvam o abate de animais.

Art. 8º As entidades interessadas no credenciamento devem dispor de uma equipe multidisciplinar composta por coordenador técnico graduado em Medicina Veterinária, Zootecnia, ou Biologia, com 5 (cinco) anos de experiência prática, ou, por coordenador técnico com formação acadêmica nas referidas áreas, pós-graduado em BemEstar Animal e com 2 (dois) anos de experiência prática.

Parágrafo único. O treinamento pode ser ministrado por uma equipe multidisciplinar capacitada em curso de bem-estar animal e com experiência prática mínima comprovada de 2 (dois) anos no manejo pré-abate e abate para a espécie animal, sob a orientação de um coordenador técnico, na forma prevista no caput deste artigo”.

A Instrução Normativa nº 12/2017 ao criar regras para o credenciamento de entidades para realizar o treinamento em manejo pré-abate e abate de animais para emissão de certificados de aptidão para abate humanitário é um bom começo, mas não substitui a segurança jurídica e o completo disciplinamento da matéria que só se dará com a edição de lei ordinária federal.

Lei federal deverá criar um microssistema de proteção dos animais contra ato de crueldade em qualquer etapa da atividade produtiva, de modo a criar normas de proteção e defesa dos animais, de ordem pública e interesse social.

Em sede processual, deve-se criar mecanismos legais para a tutela cautelar e de urgência em favor de animais submetidos a ato de crueldade em qualquer etapa da atividade produtiva, possibilitando ao juiz que a requerimento de qualquer interessado cesse os maus tratos praticados, responsabilizando-se todos os envolvidos no ilícito.

Como se vê, urge que o Congresso Nacional se posicione sobre o tema, editando lei que faça cessar qualquer ato de crueldade contra o animal utilizado na produção de carne e leite no território nacional, legitimando o indivíduo, associações, entidades e instituições públicas e privadas para a promoção da supremacia da Constituição em defesa da causa animal.

*Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo.

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