Além do Agro, empresas e empresários do garimpo ilegal apoiaram o 8 de janeiro

Atitude de tolerância para com o desmatamento, danos ambientais e contrabando de ouro rendeu frutos a Bolsonaro, que teve apoio incondicional de garimpeiros

Denise Assis
Publicada em 05 de janeiro de 2024 às 16:19
Além do Agro, empresas e empresários do garimpo ilegal apoiaram o 8 de janeiro

Jair Bolsonaro e operação do Ibama contra garimpeiros (Foto: Reuters | Ibama/Divulgação)

No dia 24 de novembro de 2021, o país assistiu estarrecido a um desfile de mais de uma centena de balsas do garimpo ilegal, deslizando afrontosamente pelo Rio Madeira. Todas juntas, como num comboio rio acima, desafiavam os órgãos de fiscalização. Na época, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), era o presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. A PF e o Ibama mapearam 350 balsas usadas na extração ilegal de ouro, mas muitos conseguiram fugir antes da ação policial. O Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação, pedindo a adoção emergencial de ações para retirada de garimpeiros ilegais que se instalaram no rio Madeira, no Amazonas. A força-tarefa que atua na região destruiu mais de 100 balsas usadas na extração ilegal de ouro.

No dia 29 de novembro, uma segunda-feira, em Brasília, o vice-presidente Hamilton Mourão, na condição de também presidente do Conselho da Amazônia, disse que a operação não eliminou o problema: “O garimpo já foi devidamente dispersado, vamos dizer assim, mas tem que manter uma vigilância constante porque tem ouro lá. Se não houver a vigilância, o pessoal volta”. A declaração, nesse tom evasivo, dava a entender que tal vigilância não era uma atividade afeita ao seu trabalho.

Em três dias de operação, a Polícia Federal apreendeu e destruiu 131 balsas. A maior parte foi incendiada. A operação se concentrou em Nova Olinda do Norte e Autazes, município onde os paredões de balsas se aglomeraram, distantes 113 quilômetros de Manaus, para exploração ilegal de ouro.  

As embarcações começaram a chegar no local cerca de 15 dias antes e formaram uma verdadeira "vila flutuante". Era uma espécie de recado do desmando e do quanto aquele governo dava de ombros para esse tipo de operação. A atitude de tolerância para com o desmatamento, os danos ambientais e o contrabando de ouro rendeu frutos. Um apoio incondicional dos garimpeiros ao então presidente Jair Bolsonaro, que no ano seguinte se candidataria à reeleição.

Desde 2018 o grupo vinha realizando reuniões com parlamentares e ministros em Brasília, inclusive com a participação do ex-Presidente Jair Bolsonaro, para liberação do garimpo em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Por influência dessa comissão, foi proposto o Projeto de Lei (PL) n º 191/2020, que visa regulamentar o garimpo em áreas de proteção ambiental.  

Essas conexões levaram os investigadores dos atos de terror do dia 8 de janeiro, a perseguir o vínculo entre a prática de ilícitos ambientais e a atuação de grupos extremistas contrários à eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para a presidência da República em 2022. Tiveram, ainda, o condão de permitirem identificar redes de práticas delituosas abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da exploração ilegal de recursos naturais.

A tarefa que procurou juntar essas pontas, terminou em março de 2023. Segundo consta no relatório dos investigadores, “a análise de maquinário identificado na prática de garimpo ilegal em áreas de proteção ambiental no Pará os levou a rastrear a rede de empresas e empresários envolvidos não apenas com atividades ambientais ilegais, mas também com o financiamento de manifestações antidemocráticas”. Nesta busca, eles concluíram que:

  • Os empresários Roberto Katsuda e Enric Lauriano estão diretamente associados à prática de garimpo ilegal e mantêm vínculos com políticos da região. Enric Lauriano financiou manifestações no Pará e em Brasília contra o resultado das eleições de 2022 e esteve presente nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
  • Katsuda, além de ser diretor de uma das principais associações garimpeiras do Tapajós, a Cooperalto, faz parte de uma comissão paraense pró-garimpo que, nos últimos anos teve acesso a diversas autoridades políticas. Foi ele quem levou a proposta do Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, a fim de regulamentar o garimpo em terras indígenas.  

“Parte da exploração de ouro no Pará, é realizada por meio de retroescavadeiras modelo PC. Por serem equipamentos de alto custo, sua comercialização e sua utilização costumam ser controladas por grupos criminosos com intrincadas redes de transporte e de relações políticas. Embora as operações e fiscalização de órgãos federais resultem na apreensão ou na inutilização desse tipo ele maquinário, os empresários, conseguem repor facilmente as máquinas com o lucro obtido no garimpo ilegal”, descrevem.

“Com base no registro formal da cadeia dominial, identifica-se que alguns maquinários não são vendidos formalmente para pessoas físicas ou jurídicas, permanecendo registrados em nome da empresa revendedora de máquinas agrícolas, o que dificulta os esforços de fiscalização para apontar os verdadeiros donos dessas PCs.

Oito retroescavadeiras identificadas costumavam ser utilizadas em atividades ilegais dentro das Terras Indígenas Kayapó e Trincheira-Bacajá, no sudeste paraense. Três delas apresentavam, como última proprietária, a empresa BMC Máquinas, Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações Ltda. (CNPJ: 14. 168.536/0001-25), administrada por Felipe Sica Soares Cavalieri (CPF: 263.618.048-60). Outras quatro chegaram a pertencer à mesma empresa, mas foram posteriormente vendidas”, esclarecem.

A identificação dessa rede pode levar à adoção de medidas por parte das forças de segurança e do Poder Público para coibir o ilícito na sua origem. (Entenda pelo gráfico abaixo, como funciona a movimentação das máquinas para fugir à fiscalização).

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Conforme consta do relatório das investigações, “a em presa BMC tem sede em ltatiaia/RJ e iniciou suas atividades nos anos 2000 com um contrato entre seu administrador, Felipe Cavalieri e a empresa sul-coreana Hyundai, para a abertura de concessionárias da marca no Brasil, especificamente para comércio de maquinário agrícola e de obras de engenharia. Atualmente, a BMC conta com 22 filiais no Brasil, três delas em municípios paraenses, com prática disseminada de ilícitos ambientais: ltaituba, Vitória do Xingu e Marabá”.

A BMC faz parte de um conglomerado de empreendimentos de maquinarias pesadas, serviços de engenharia, seguradoras e consultorias, a BMC Partners Participações S.A (CNPJ: 17.343.798/000 1-77), é presidida por Felipe Cavalieri e dirigida por Felipe Ciotola Bruno (CPF: 277.793. 188-77). A filial da BMC em ltaituba, principal ponto logístico para o garimpo na bacia do Rio Tapajós, apresenta o mesmo endereço (Rua Antão Ferreira Do Vale, nº 3564, Bela Vista) da empresa BMC Comér-cio De Máquinas Eireli, (CNPJ: 26.00 1. 755/0007-90), de propriedade de Roberto Carlos Katsuda (CPF: 063. 155. 208- 12). A BMG é administrada pela filha de Roberto, Brunna Maria Gravena Katsuda (CPF: 352.796.988-8 1). Na página dessa empresa na internet, consta que é representante da BMC no Pará.

Defensor do garimpo em áreas protegidas - Segundo as investigações, “Roberto Katsuda é notório defensor de garimpos em áreas protegidas e visto como um dos maiores articuladores políticos da temática”. Consta na descrição que “ele financia a estrutura do lobby garimpeiro do vereador Wescley Tomaz, alcunha de Wescley Silva Aguiar (CPF: 827.620.582-87), defensor da pauta nos meios políticos. Katsuda e Tomaz fazem parte de comissão pró-garimpo, juntamente com Fernando Brandão, dono do maior escritório de advocacia de ltaituba, e Guilherme Aggens, engenheiro florestal da Goconsult Pará, empresa responsável por requerer lavras garimpeiras no estado”.

Katsuda também seria responsável “pelo financiamento de cooperativas garimpeiras na região. Segundo ele, é a Hyundai quem financia os maquinários agrícolas, especificamente das PCs, em ltaituba. Em 2018, o montante de maquinários agrícolas, financiado foi em torno de R$ 220 milhões”.

Apesar de a BMC e a BMG apresentarem como endereço em ltaituba a Rua Antão Ferreira do Vale, n º 35 64, nenhuma delas funciona fisicamente no local, que é ocupado pela empresa P. Ribeiro Silva Comercio Eireli, cujo nome de fantasia é Ideal Peças e Motores (CNPJ: 23.379.227 /000 1-95). A Ideal tem como slogan "a loja ideal para você garimpeiro" e não tem licença para a venda de máquinas agrícolas, como PCs. Os proprietários da Ideal (Patrícia Ribeiro Silva - CPF: 923.236.422-00) e da BMG (Roberto Katsuda) apresentam conexões em prol do garimpo e dividem a diretoria da Cooperativa Mista de Mineradores do Alto Tapajós (CNPJ: 44.054.425/000 1-59), conhecida como Cooperalto.

As apurações descrevem as intrincadas relações da região do garimpo: “a Cooperalto é uma das principais associações de garimpeiros do eixo ltaituba - Jacareacanga/PA e, além de Patrícia e Roberto, também tem como diretor, Vilela Inácio de Oliveira (CPF: 262.783.16 1-53), conhecido como Vilela. Em 2022, Vilela expôs seu rompimento com o prefeito de ltaituba e passou a questionar as licenças para garimpo emitidas pela prefeitura. Vilela é um dos grandes articuladores da região, atuando tanto na gestão de áreas garimpeiras quanto em lobby em prol da descriminalização da atividade. Ele costuma apoiar, financeiramente e por meio da contratação de advogados, movimentos garimpeiros que bloqueiam rodovias”, registrou a apuração.

 As manobras para burlar o controle da compra e venda de máquinas são uma verdadeira “engenharia”. A descrição que segue dá bem a dimensão disto: “os grandes conglomerados que representam comercialmente as marcas internacionais das retroescavadeiras no Brasil e as lojas que realizam a compra e venda desses maquinários, vinculadas ou não às fabricantes, não registram corretamente a cadeia dominial dos equipamentos através do número de chassi. Nesse sentido, é provável que maquinários que ainda figuram em nome da revendedora BMC estejam sendo operados por outras pessoas. Na possibilidade de cessão de uso dos equipamentos, através de contratos de leasing, aluguel, financiamento ou alienação fiduciária, as revendedoras também carecem de mecanismo de controle”.

O trabalho de apuração dos dados desce a detalhes do tipo comparar os chassis das máquinas: “Dentre as escavadeiras associadas a um proprietário final, chama atenção aquela identificada pelo chassi HBRR140CTF0000099, vendida pela BMC a Enric Juvenal da Costa Lauriano e apreendida em 2022 dentro da Terra Indígena (TI) Kayapó”.

De acordo com a descrição contida no relatório, Lauriano “foi candidato a prefeito de Xinguara/PA em 2020 pelo PSL e candidato a 1 º suplente de Senador na chapa encabeçada por Flexa Ribeiro (PP/PA) em 2022 (derrotado), um dos principais articuladores do PL n º 191/2020 e consultor da Associação Nacional do Ouro (Anoro), que faz lobby pró-garimpo em Brasília. Enric Lauriano é filho de Onício Lauriano (CPF: 042. 999.061-87), pecuarista com fazendas em pelo menos três municípios do sul do Pará e investigado por desmatamento ilegal, inclusive em áreas de proteção ambiental”.

 Eric, membro do lobby, pró-garimpo, tentou concorrer a vice-governador do Pará e a deputado estadual em 2022, mas teve as candidaturas indeferidas pela Justiça Eleitoral. Os investigadores não revelam maiores detalhes sobre o motivo do indeferimento. Dizem apenas que “ele é apoiador do ex-presidente Bolsonaro e participou dos atos antidemocráticos de janeiro de 2023 ao invadir o Congresso Nacional, além de ter sido membro de acampamento dos movimentos extremistas em Brasília”.  

Consta, ainda, que ele “atuou também ativamente na divulgação da rede de financiamento do movimento a partir de Marabá/PA, na qual foi utilizada uma empresa terceira interposta para arrecadação de fundos: R. P. Cunha I nformática (CNPJ: 7.104.231/0001-94), de propriedade de Ricardo Pereira Cunha (CPF: 368.413.822-34), esse também proprietário de empresa de mineração (Mineração Carajás Limitada - CNPJ: 09.288. 166/0001-20”.

Ricardo é conhecido na região como Ricardo da USA Brasil e foi citado por George Washington de Oliveira Souza, o autor da tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro de 2022. Ele foi apontado como o organizador do financiamento dos movimentos antidemocráticos, através da chave pix de sua empresa, tanto em Brasília quanto em Marabá. Além disso, Ricardo, Franklin, Enric e Onício, fazem parte do grupo Direita Xinguara, movimento conhecido por fazer campanha midiática pela região em prol o ex-presidente Bolsonaro.

Essas conexões, de acordo com o grupo que mergulhou nas investigações, “evidenciam o vínculo entre a prática de ilícitos ambientais e a atuação de grupos extremistas contrários à eleição de Lula para a presidência da República em 2022, além de permitirem identificar redes de práticas delituosas abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da exploração ilegal de recursos naturais”.

Essas apurações foram distribuídas para os seguintes órgãos: FUNAI - IBAMA - ICMBio - DPF - MPF - SE/MMA - SENASP/MJSP. Espera-se que além do que trouxeram à tona, as ações ilegais resultem em algum tipo de punição para os, de fato, envolvidos com os atos ilegais, tanto no garimpo quanto na invasão dos prédios públicos depredados em Brasília.  Nos quadros abaixo os equipamentos vistoriados:

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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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