Artigo: “A quem incomoda a OAB?”, por Andrey Cavalcante

Apesar de meramente retórica, a pergunta torna-se oportuna no momento em que o TCU determinou a elaboração de um estudo para fundamentar a necessidade de fiscalizar as contas da OAB.

Andrey Cavalcante
Publicada em 11 de junho de 2018 às 10:50
Artigo: “A quem incomoda a OAB?”, por Andrey Cavalcante

Apesar de meramente retórica, a pergunta torna-se oportuna no momento em que o Tribunal de Contas da União determinou a elaboração de um estudo para fundamentar a necessidade de fiscalizar as contas da OAB. A iniciativa embute, na verdade, a insatisfação de setores inconformados com a atuação da Ordem até dentro do próprio MPF. Vale lembrar a atuação da OAB no Legislativo contra diversos itens inconstitucionais embutidos nas tais “dez medidas contra a corrupção”. Ou, quem sabe, pelo projeto que criminaliza a violação às prerrogativas dos advogados, já aprovado no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara – à espera de votação em plenário. É importante salientar que o próprio TCU já julgou iniciativa semelhante na década passada. A proposta foi rejeitada em plenário, especialmente por tratar-se de coisa julgada, conforme decisão do Tribunal Federal de Recursos nos autos do Mandado de Segurança nº 797.

A indagação do título foi objeto de contundente e esclarecedor artigo assinado pelo presidente Cláudio Lamachia na Folha/SP. Ele observa: “sempre que setores políticos se sentem ameaçados pela atuação crítica e independente da Ordem dos Advogados do Brasil é tirada do armário a proposta de vincular a instituição à administração pública federal, por meio do Tribunal de Contas da União”. Mais apropriado, porém, seria substituir o termo “vincular” por “submeter”, já que, claramente, o que se espera com isso é exatamente “submissão”. Lamachia lembra ser antiga a tentativa de estabelecer relação de dependência da OAB em relação ao poder político. Já em 1952 o Tribunal Federal de Recursos – rebatizado como Superior Tribunal de Justiça pela constituição de 1988 – discutiu a questão e sentenciou que a Ordem não é órgão público e, portanto, não pode se submeter ao TCU.

Em 2003, numa outra provocação, o plenário do próprio Tribunal de Contas da União decidiu exatamente pelo respeito à coisa julgada e estabeleceu que não lhe compete analisar as contas da OAB. Semelhante posição foi adotada em 2006 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Está claro que esta nova investida é juridicamente inviável, por afrontar a coisa julgada. Cabe então a indagação do presidente da Ordem: “Quem ganharia com a submissão da OAB – que é transparente, tem natureza privada e possui mecanismos eficientes de fiscalização e controle – a um órgão da administração pública federal?”.

– A Ordem – continua ele – é uma voz crítica da sociedade. Foi assim quando fez oposição à ditadura militar e quando pediu o impeachment de Fernando Collor, de Dilma Rousseff e, mais recentemente, de Michel Temer. A Ordem se levanta contra os abusos das autoridades – como as decisões ilegais que mandaram quebrar o sigilo de conversas entre jornalistas e suas fontes ou entre advogados e clientes. A atuação da OAB inclui a cobrança permanente pelo fim dos privilégios desfrutados por alguns agentes públicos, como férias de 60 dias, salários acima do teto e auxílios ilegais. A mesma posição incisiva foi adotada quando pediu a saída do então todo-poderoso da república, Eduardo Cunha, o que, mais tarde, quando já destruído, estimulou diversos atores políticos a dizer o óbvio.

Lamachia elenca ainda a denúncia da OAB contra a transformação do MEC em balcão de negócios, de agências reguladoras em moeda de troca política, contra os interesses da população, o encarecimento da banda larga gestado dentro da Anatel e os abusos da ANAC e companhias aéreas, contra os quais recorreu à justiça. Não é, portanto, apenas a advocacia que perde se submetida às amarras do TCU. Perde também toda a população com o fim da autonomia e da independência crítica da maior entidade civil brasileira.

Vale lembrar que toda a argumentação que, de novo, defende a submissão da OAB aos ditames do poder político – o TCU é, em última análise, um organismo eminentemente político – já foi sobejamente desmontada, em dezembro de 2016, pelo parecer do notório advogado constitucionalista, professor livre-docente de direito constitucional da USP, escritor e referência inclusive no STF, José Afonso Florêncio, que literalmente desmontou a argumentação do então procurador geral da República, Rodrigo Janot, em mais uma tentativa de “domesticar” a OAB.

Ele demonstrou a impossibilidade de impor revisão à coisa julgada ao esclarecer que “A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. Por quê? Porque às considerações pertinentes a todas as profissões regulamentadas, acrescem-se outras atinentes exclusivamente à profissão do advogado”. Cabe então, ainda uma vez, a pergunta: a quem interessa a submissão da OAB? Ao país, certamente que não. Ao cidadão, muito menos. E tampouco ao próprio TCU que, mantido com dinheiro público, não pode empregá-lo na fiscalização de atividades privadas.

FONTE: Andrey Cavalcante, presidente da OAB/RO

Comentários

  • 1
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    j paulo 11/06/2018

    Esses conselhos e ordem devem existir para proteger o cidadão dos profissionais mal carater, mas ao contrario, so pensam em reserva de mercado, pois não fiscalizam os cursos superiores comandados por politicos e depois que o academico investe tempo e dinheiro querem fazer uma prova como se fosse suficiente para medir a capacidade e o desenvolvimento profissional de alguem, nesses testes muitos dos profissionais já famosos no mercado seriam reprovados, como no caso do revalida na medicina. O cara que se diz profissional tem que responder pelo seu cpf, digo pela sua carteira do conselho, e ai que entra o corporativismo, pois tais conselhos funcionam como verdadeiros sindicatos para proteger seus filiados, so ta faltando se filiarem na cut.

  • 2
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    edgard alves feitosa 11/06/2018

    Existe alguma incompatibilidade entre as ações constitucionais e todas as demais prerrogativas legais da OAB, e a fiscalização de suas contas??? Significa que caso o TCU fiscalize as contas da OAB, esta ficará de “pés e mãos atadas”, tolhendo, assim, todas as ações realizadas, e principalmente, as “vir a ser”, que serão realizadas pela OAB em prol da Sociedade e da Democracia??? Onde está o busílis??? Claro que podemos argumentar: e quem vai fiscalizar o TCU??? Como os Ministros do TCU são meras indicações políticas, fica sujeito às mazelas da politicagem e do compadrio. Urge que se busque formas transparentes em todos os órgãos, públicos ou privados; sejam entidades de representação classista profissional (OAB; CRM; CREA, Sindicatos, etc.), sejam as representações empresariais ou patronais (SESI; SENAI; FIESP; FIERO, etc.); com relação a OAB não acontecerá o asfixiamento econômico que a reforma trabalhista de Temer perpetrou contra os sindicatos; é certo que havia milhares de sindicatos de pura “lambança”, faziam a maior farra com o imposto sindical, mas a grande maioria dos sindicatos utilizavam corretamente para a estruturação da entidade no embate capital versus trabalho; muitos sindicatos irão sucumbir sem capital para enfrentar o capital; mas a OAB tem sua própria sustentação financeira, e, portanto, sem a conotação de submissão ao TCU, nada impede de ter suas contas abertas, assim como os sindicatos, federações, FIERO, FIESP;

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