Artigo: “Direitos fundamentais”, por Andrey Cavalcante

...a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, que considerou inconstitucional a condução coercitiva de investigados para interrogatório, foi considerada nos meios jurídicos como mais uma vitória da OAB em benefício da cidadania.

Andrey Cavalcante
Publicada em 21 de dezembro de 2017 às 14:32

Apesar de execrada pelas representações classistas de juízes, procuradores e policiais federais, a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, que considerou inconstitucional a condução coercitiva de investigados para interrogatório, foi considerada nos meios jurídicos como mais uma vitória da OAB em benefício da cidadania. A liminar estabelece, por seu descumprimento, pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. A decisão foi proferida em ADPF do Conselho Federal da OAB, para o qual o direito a não autoincriminação é direito fundamental, que nasce da dignidade da pessoa humana. E observa que o artigo 260 do CPP, que dá à autoridade o poder de mandar conduzir o acusado à sua presença para ser interrogado, não foi recepcionado pela Constituição Federal, por incompatível com a presunção de inocência e com o direito de não se autoincriminar. A liminar ainda será levada a julgamento pelo pleno do STF, mas a expectativa é por sua aprovação, considerada o forte embasamento técnico do documento da OAB, pautado exclusivamente na defesa do cumprimento da lei. Nada, além disso.

Gilmar Mendes observou, na análise da ação, que o ordenamento jurídico de inúmeros países confere algum poder às autoridades policiais para restringirem a liberdade de suspeitos de crimes graves, ainda que temporariamente. A constituição, porém, enfatiza o direito à liberdade, no deliberado intuito de romper com práticas autoritárias, como as prisões para averiguação. Assim, salvo as exceções nela incorporadas, exige-se a ordem judicial escrita e fundamentada para a prisão, de acordo como que estabelece o artigo 5º, LXI. “Logo – registra – tendo em vista que a legislação consagra o direito de ausência ao interrogatório, a condução coercitiva para tal ato viola os preceitos fundamentais previstos no art. 5º, caput, LIV e LVII. Em consequência disso, deve ser declarada a incompatibilidade da condução coercitiva de investigado ou de réu para ato de interrogatório com a Constituição Federal. Ademais, ainda que se vislumbrasse espaço para a condução coercitiva para interrogatório, tal fato seria uma excepcional restrição da liberdade do acusado”. Ele acrescenta que “Nesse contexto, não vejo como, mesmo quem considere a condução possível, se possa deixar de exigir a rigorosa observância da integralidade do art. 260 do CPP, ou seja, intimação prévia para comparecimento não atendida”.

O instrumento da condução coercitiva é apontado pelos órgãos de investigação como um dos principais recursos para a coleta de provas durante operações policiais. O instrumento é considerado “menos gravoso” que a prisão temporária. Seus defensores desprezam, deliberadamente, o que estabelece a legislação, que exige prévia intimação não atendida para sua efetivação. Isso acontece porque, intimado a comparecer, o investigado ou testemunha poderá se fazer acompanhar de seu advogado, o que fragiliza o poder de coerção do procedimento. Mas é o que preconiza o estado democrático de direito, no qual a presunção de inocência é fundamental. Ninguém é contra o combate à corrupção ou a aplicação dos rigores da lei contra os criminosos. O que a OAB não admite – e contra isso haverá de continuar lutando em todas as instâncias – é que a lei seja desprezada a pretexto de punir quem a despreze. Ademais, considerar pouco “gravoso” o uso indiscriminado da condução coercitiva é a tal monta absurdo que não há como dissociar o raciocínio dos regimes totalitários, nos quais a liberdade e os direitos dos cidadãos são secundários.

Para quem se vale da condução coercitiva como medida cautelar autônoma com a finalidade de obtenção de depoimentos de suspeitos, indiciados ou acusados em qualquer investigação de natureza criminal, a decisão liminar do ministro deixa bastante claro que seu descumprimento poderá ensejar responsabilidade disciplinar, civil e criminal do agente. E representa uma significativa reação ao estado policial e à sanha punitivista que espíritos totalitários insistem em incorporar à realidade jurídica brasileira. Especialmente quando tal instrumento se fazia rotineiramente acompanhar do vazamento de informações sigilosas de inquéritos policiais como forma de impor a meros suspeitos todo o rigor da execração pública igualmente criminosa. Sempre foi o recurso a caminhos mais fáceis para a investigação, nos quais o direito à plena defesa era preliminarmente fragilizado a ponto de criminalizar o trabalho do advogado e jogar para as calendas a presunção de inocência.

Há que se perguntar, portanto, quantas vidas já terão sido destroçadas por acusações frágeis e indiscriminadas nessa estratégia perversa de apontar culpa a todos os investigados até que sua inocência seja provada? Quantos cidadãos de bem já não foram publicamente torturados, maculados em sua honra, emasculados publicamente, execrados, desalojados e literalmente escorraçados do convívio social sem nem mesmo processo formal? É de se perguntar se pode ser esse o preço a que sujeitam pagar todos os cidadãos na luta contra a corrupção? Quantos ainda terão que ser levados ao suicídio pela humilhação sofrida? Será que o arcabouço legal brasileiro é assim frágil a ponto de justificar tamanha prática de desvios na persecução penal? A resposta é obviamente não! E a OAB vai permanecer atenta e vigilante, tanto para apoiar e colaborar integralmente no combate à corrupção como para exigir que a constituição, o processo legal e a ampla defesa sejam resguardados. Porque é isso que espera das instituições o estado democrático de direito.

FONTE: Andrey Cavalcante, presidente da OAB Rondônia

Winz

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Comentários

  • 1
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    Edmar 21/12/2017

    Mais uma vez esta entidade de classe chamada OAB, se posiciona do lado do lucro fácil acobertado por um tal de Gilmar Mendes. Aborreço-me em ver mais uma vez isto acontecendo. Quando os senhores terão coragem de tomar um pouco de brasilidade e civismo? Defender o acobertamento do imoral em nome do legal é de fato o que vocês da OAB tem feito ao longo dos anos. Quanta bravata e despropósito este argumento feito pelo presidente da  OAB. O Brasil e os brasileiros estão cansados desta postura anti patriota dos senhores. O mínimo que se espera de vocês seria uma defesa intransigente do que é correto do que é justo do que é honesto. Ops acho que pedi muito para esta classe de anti patriotas. BOLSONARO EM VOCÊS!!!

  • 2
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    Tito 21/12/2017

    Kkkkkkkkkkk.... Nesse nosso país formado por uma imensa massa de barnabés subletrados, governados por verdadeiros vampiros capitalistas sedentos insaciáveis por verbas públicas, chega causar asco termos que aturar conselhos de classes que prostituem-se com a classe política pútrida em busca de estatus e enriquecimento fácil. Se o coitado do povão sequer imaginasse do que são feitas as entranhas desses conselhos de classes, já teria mandado fechar os seus "clubes" há muito tempo e mandado todo mundo caçar uma lavagem de roupas ou um quintalzinho para capinar. Meus parabéns ao comentário do Sr. Edgard Alves Feitosa.

  • 3
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    edgard alves feitosa 21/12/2017

    Sob a falaciosa e mefistofélica "presunção de inocência" os políticos corruptos que assaltam os cofres públicos comemoram a decisão do ministro do STF, sob os auspícios da OAB; como sempre continuarão a roubar o dinheiro da saúde, da educação, em que milhões de brasileiros vão morrer nos hospitais públicos e milhares de crianças continuarão sob o signo do analfabetismo, mas os corruptos sempre estarão sob o "manto sagrado" da "presunção da inocência", defendidos por pobres ricos advogados que recebem milhões provenientes dos próprios roubos e corruções dos políticos "inocentes"; milhares de cidadãos comuns mofam nas cadeias (não que sejam inocentes), mas nenhum desses ricos advogados movem uma letra para defende-los, pois não tem os milhões necessários para pagar; qual a "presunção de inocência" de um MIchel Temer; de um Renan Calheiro; de um Padilha, etc., etc., de todos os envolvidos na corrupção que sem pudor nenhum possam de "otoridade"????? Não há pecado abaixo da linha do equador!!!

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    j paulo 21/12/2017

    Não podemos comemorar qualquer ato que proteja criminosos. Advocacia tem que faturar em cima desses bandidos, mas defendendo o mérito e nao querer liberdade de vagabundo a qualquer preço

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