Até os manés da Faria Lima sonham com Michelle
"Michelle é, talvez como delírio, a alternativa para a extrema direita e direita abrigada pelo bolsonarismo, incluindo o mercado financeiro", diz Moisés Mendes
Michelle Bolsonaro (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)
Uma pesquisa básica, com apenas uma pergunta, transformaria a vida de Bolsonaro e Michelle num inferno.
Esta seria a pergunta, que o Datafolha pode fazer sem levantar da cadeira:
Hoje, quem teria mais condições de disputar a eleição de 2026 com chances reais de vitória? Bolsonaro ou Michelle?
Mesmo que não viesse a ser a primeira opção, Michelle poderia ameaçar Bolsonaro seriamente. Seria mais do que uma sombra.
O eleitor de Bolsonaro, por mais desinformado que seja, sabe que ele ficará inelegível ou seriamente avariado pelo caso das joias do contrabando das arábias e pelo conjunto de crimes.
Numa situação normal, Bolsonaro poderia ver a mulher como a sua provável sucessora. Mas tudo sempre foi anormal na vida de Bolsonaro.
O acampando de Orlando não admitirá, sob hipótese alguma, ter sua popularidade confrontada com a da mulher que até ontem se definia como uma simples ajudadora do esposo.
Mas talvez ela não queira mais. Bolsonaro poderá até, mais adiante, ser convencido pela realidade de que Michelle é a única chance de manter o bolsonarismo vivo.
Mas não agora. Hoje, se alguém o colocasse diante da realidade de que Michelle pode ser a sua salvação, Bolsonaro, o imbrochável, seria um macho destruído.
Não há na programação mental de Bolsonaro a possibilidade de vir a ser substituído pela ajudadora, quando o papel de Michelle sempre foi auxiliar e secundário.
Para que Michelle não o atropele, Bolsonaro deve voltar logo e enfrentar o desfecho e os desdobramentos de uma situação irreversível que o tornará inelegível.
Bolsonaro sabe que escapou das ações no TSE, em outubro de 2021, porque as circunstâncias políticas eram outras.
Mas sabe que agora não escapa, ou todos os que cometeram ilícitos eleitorais poderão pedir clemência aos tribunais. Não há como escapar.
A negociação possível hoje aponta numa direção: entrega os anéis ao TSE, submetendo-se à aceitação dos crimes eleitorais, e sinaliza com um pedido de perdão na área criminal para não ser preso.
Vai funcionar? A engrenagem da clemência funciona nas situações mais inusitadas. A política produz reviravoltas inimagináveis, com a ajuda do sistema de Justiça.
A realidade hoje é esta. Bolsonaro ainda está solto, mesmo com uma denúncia diária de desmandos, em todas as áreas, do contrabando à espionagem.
Os filhos estão livres e faceiros. Os grandes cúmplices escaparam até agora. Os manezões continuam impunes. Só manezinhos e manezinhas enfrentam a cadeia ou o desconforto das tornozeleiras.
Michelle, que pode escapar de todas as suspeitas e acusações, é o problema de Bolsonaro, antes de configurar uma solução. É pop nas redes sociais, gostou do palco e tem a pegada religiosa e moralista.
E as joias do contrabando? E as compras na loja da Prada em Orlando? E tudo o que voltará a debate numa campanha para valer, dos cheques de Fabrício Queiroz ao uso do cartão da amiga laranja?
O bolsonarismo não está preocupado com os deslizes morais dos seus, mas só com o moralismo aplicado aos outros, ou Bolsonaro não teria sido quase eleito apesar de sentir desejo por uma criança venezuelana.
Só é preciso saber se, diante da perspectiva de se libertar e ter poder como líder das mulheres do PL e ser uma aposta mais ambiciosa, Michelle deseja continuar sendo uma ajudadora. E se tem condições de deixar de ser quem apenas ajuda.
Michelle é hoje, talvez como delírio, a alternativa para extrema direita e toda a direita abrigada pelo bolsonarismo, incluindo o mercado financeiro.
Grandes empresários, manés da Faria Lima que choraram na pesquisa Genial/Quaest diante da perspectiva de queda nos juros, a vasta ala golpista da Fiesp, os escravistas gaúchos, pequenos e médios empresários, o agro, os grileiros, todos querem Michelle.
Ninguém quer saber de Simone Tebet ou Eduardo Leite ou Romeu Zema. O eleitorado de direita provou do liberalismo fascista e gostou, porque já era bolsonarista antes de Bolsonaro.
Michelle talvez não avance, pela combinação de coisas ruins que irão desabar sobre ela, mas hoje é o desejo secreto e explícito da base que sustentou o marido.
E Tarcísio de Freitas? Tarcísio não é ainda um nome nacional e não sabe nem quebrar direito o martelo de um leilão fajuto.
Será a opção da direita, mais adiante, quando conseguir se livrar de Bolsonaro e o jogo for para valer.
Hoje, a hipnose é com Michelle, que tem uma base, como o marido também tinha e era subestimado, e a partir dessa base pode alargar seus alcances.
Irá mais longe do que se pensa, se a própria extrema direita, Bolsonaro e os filhos deixarem.
O esposo ajudado é a prova de que, se um Deus fascista quiser e o diabo estiver distraído, tudo é possível.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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