Bolsonaro preso, já separei minha gelada pra comemorar
Bolsonaro já vem tendo um derretimento lento, gradual e seguro, escreve Florestan Fernandes Jr.
(Foto: Reprodução/montagem)
Desde ontem (12/02) tem circulado um vídeo em que o Inelegível convoca a população a uma manifestação que se realizará em São Paulo, nas próximas semanas. Aparentando uma sobriedade artificial e trajando a camisa da seleção brasileira, que suas hordas capturaram e transformaram no símbolo do que há de mais nefasto, o ex-presidente tenta movimentar os extremistas e usá-los como salvaguarda contra o avanço das investigações que a cada dia apontam para o seu protagonismo na trama golpista.
Embora seja uma estratégia juridicamente suicida, pois os prejuízos à sua defesa são mais do que certos, não há surpresa nesse movimento, nesse dobrar a aposta. É fato que Bolsonaro tenta a todo custo se manter ativo no cenário político, inclusive quando afirma, com base “nas vozes de sua cabeça”, que será candidato à presidência da república em 2026. É fato que a busca pelo protagonismo no xadrez político será daqui pra frente a sua obsessão e de seus filhos. Isso é questão de sobrevivência. Mais do que ser preso, o grande temor do capitão é perder a relevância política que ainda tem, mas que já vinha começando a diluir. Pesquisas recentes mostram que o ex-presidente vem tendo um derretimento lento, gradual e seguro, como diria o general presidente Ernesto Geisel. E isso, antes do estrago causado pela operação Tempus Veritatis. A partir de agora essa tendência deve avançar a galope.
Não é preciso ser um expert em análise do comportamento nas redes sociais para constatar que não houve grande movimentação nas redes bolsonaristas em defesa do “mito” durante as recentes operações da Polícia Federal. Perder poder apavora o falastrão golpista! Principalmente no momento em que mais precisa desse capital político para pressionar e tentar coagir as autoridades constituídas que estão no seu encalço. É nesse contexto de derretimento e tentativa desesperada de marcar território, que se deu a tal convocação, que tem o carimbo de participação do empresário da fé Silas Malafaia. Nessa distopia cotidiana, é uma associação religiosa que patrocina e organiza mais um ato de ataque às instituições. Ou alguém acreditou no pedido de que os extremistas não levassem cartazes e faixas contra as autoridades?
A ver no que isso dará, pois até aqui o que não faltam são provas da trama golpista, materializada no vídeo da reunião ministerial de julho de 2022. Trama esta que de há muito se falava e que, como vimos, não era mera retórica, era um plano ao qual se dedicaram por muito tempo. Bolsonaro, seus militares e colaboradores simplesmente não acordaram um dia, em pleno 2022 e decidiram: Vamos golpear a democracia! De modo algum. Houve planejamento, construção de um ambiente, mobilização dos afetos da população ao extremo com o gabinete do ódio, além da colaboração de algumas igrejas evangélicas, encantadas com o tilintar das moedas e com a perspectiva de poder.
A trama golpista foi denunciada ainda em 2019, pelo ex-aliado de primeira linha e ex-ministro de Bolsonaro, Gustavo Bebiano, em entrevista em 2019.
O general Heleno defendendo um virar de mesa golpista antes da eleição foi a materialização em vídeo de tudo o que já sabíamos. Tramaram, gastaram rios de dinheiro, esgarçaram a democracia ao ponto de quase rompê-la.
Nossa sorte é que os militares que estavam mergulhados nas estratégias golpistas, de estrategistas não tinham nada. Nem de estrategistas, nem de coerência, o que se viu foi o descolamento coletivo da realidade. Bem ao modo do que se viu durante o (des)governo passado, quando o mito da eficiência e probidade dos militares ruiu diante de todos nós, quando brotaram à exaustão escândalos que se sucediam diuturnamente. Lembro aqui da vasta cartela: desde tráfico de cocaína em aviões da FAB, até o ataque a outros Poderes.
Durante a maior crise sanitária da história, quando o Ministério da Saúde era comandado por um general estrelado, que se jactava da expertise em logística, centenas de brasileiros morreram asfixiados no Amazonas, por falta de oxigênio. Não nos esqueçamos das licitações nababescas para a compra de filé, picanha, cerveja, bacalhau e uísque, quando o brasileiro se alimentava com sopa de osso. E o ápice da dissociação e do descaso com o dinheiro público foi, sem dúvida, a da compra de 35 mil unidades de medicamento para disfunção erétil, seguida da compra milionária de 60 próteses penianas infláveis, medindo entre 10 e 25cm cada. O retrato de um governo que depois de ser chamado de genocida, passou a ser definido também como golpista.
Não poderia ser diferente. O mesmo militar que quase foi expulso do Exército por atos de indisciplina e deslealdade para com seus superiores de farda, foi escolhido pelas “altas patentes” para concorrer à presidência da república. Esses mesmos pares que não se constrangeram em ferir de morte as regras militares e abrir espaço para que o mau militar – segundo definição do próprio general Geisel - “trabalhasse” sua candidatura na AMAN, discursando para cadetes ainda em 2014. A “expertise” militar na escolha do seu candidato não andou longe do resultado da atuação dos mais de 6 mil fardados no governo anterior – uma desgraça com repercussões a se estenderem nas próximas décadas.
É urgente que aproveitemos a oportunidade para profissionalizar as nossas forças armadas e concentrar as despesas onde de fato são importantes para o país. É urgente reduzir o número de militares na ativa, principalmente de oficiais. Estima-se que o Exército Brasileiro tenha cerca de 360 mil homens. Em número de soldados, o Brasil tem um dos maiores exércitos do mundo, mas em poder bélico não conseguiríamos sequer enfrentar um confronto contra alguns dos nossos vizinhos. Em 2023 as Forças Armadas do Brasil gastaram 85% do seu orçamento com salários e benefícios de inúmeros militares e seus familiares. Apenas 5% dos recursos foram destinados a investimentos. Isso distancia ainda mais o Brasil de sua meta de modernização. É indispensável que haja um acerto de contas justo e não revanchista com as forças armadas, é indispensável o expurgo e a punição dos golpistas que ainda estão acomodados nas fardas. É indispensável que as forças armadas sejam conduzidas ao seu espaço constitucional e que nele permaneçam.
Quanto ao produto dos fardados, o inelegível, penso que vamos assistir de camarote o desmoronamento do “mito”. Já separei a minha gelada pra comemorar.
Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247
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