Bolsonaro sabe que é o próximo na fila
Bolsonaro foi eleito pelo imponderável em 2018 e tenta agora sobreviver até à maldição do cavalo dourado das arábias com três pernas quebradas
Jair Bolsonaro (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agencia Brasil)
Bolsonaro precisa voltar ao Brasil para não morrer de tédio em Orlando, onde completa no fim de março três meses de acampamento.
Ninguém com alguma relevância política o visitou nesse tempo todo. Deve ser cada vez mais difícil conviver da manhã à noite dentro e fora de casa com o mesmo grupo de seguranças.
Que sentido político explícito ou sugerido Bolsonaro daria ao seu retorno em meio às incertezas sobre o que o espera depois da fuga com as joias?
Pode tentar testar sua popularidade e percorrer o Brasil em motociatas e grandes reuniões? Ou irá apenas fechar-se em casa e recolher impressões do PL e do centrão sobre o ambiente e os humores ao redor?
Não é pouca coisa o dilema de Bolsonaro. Se voltar e agir ostensivamente, mobilizando as bases imprecisas, as ações serão percebidas como afronta ao TSE, às vésperas da provável inelegibilidade.
Se ficar em casa apenas conchavando, essa mesma base poderá considerá-lo vacilante. Foi como parte do bolsonarismo percebeu seu veraneio em Orlando, enquanto manés e terroristas eram presos.
Se for intenso, Bolsonaro provoca o Judiciário. Se for covarde, não terá como medir uma reação política que pudesse deixar o TSE inseguro.
Bolsonaro tenta ser um fenômeno político único no mundo. Perde a eleição, perde imunidades, é acossado por uma dúzia de acusações com tramitação formal na Justiça e agrega ao currículo o caso das joias das arábias.
Três meses depois da fuga, pode testar, na volta, a sua sobrevivência política. Mas sabe também que poderá fracassar até como puxador de comboio de motos.
Na Argentina, Maurício Macri tentou, mas desistiu de voltar ao jogo. Não será candidato na eleição à presidência em outubro. Aparecia em sexto lugar nas pesquisas, com 6% a 8%.
Donald Trump ainda esperneia, também tentando pôr à prova sua popularidade e a capacidade de reação dos homens com guampas, mas deve ser contido pela Justiça. Já está sendo descartado por parte da direita americana.
Em Israel, Benjamin Netanyahu retornou ao poder, mas foi longe demais, tentou amordaçar o Judiciário, enfrentou a fúria das ruas, recuou e só não cai se desistir do golpe.
Na sempre lembrada Bolívia, em estado permanente de golpe, Luís Fernando Camacho, chefe civil do motim da polícia que derrubou Evo Morales em 2019, está preso desde o final de dezembro e nada de grave aconteceu.
Líderes e ex-líderes da direita e da extrema direita, com alguma expressão, estão em sofrimento. Analistas esforçados tentam achar uma grande explicação que sirva para a maioria da desgraceira dessa gente, mas não há nada muito convincente à mão.
Até porque, no caso argentino, Macri morre politicamente, mas o deputado liberal-extremista Javier Milei, um fenômeno mais recente, lidera com folga as pesquisas à presidência.
O Brasil tem muitos Mileis prontos para ocupar o lugar do acampado da Flórida, de Sergio Moro a Michelle, de Hamilton Mourão a Tarcísio de Freitas. E tem ainda Romeu Zema, Simone Tebet e outros que podem surgir mais adiante.
Bolsonaro pode virar um Macri, mesmo que eles não sejam similares. O fascista brasileiro é um ser híbrido, uma aberração verde-amarela única num ambiente em que o imponderável é o que mais se renova.
Pois Bolsonaro foi eleito pelo imponderável em 2018 e tenta agora sobreviver até à maldição do cavalo dourado das arábias com três pernas quebradas. Mas ele sabe que é o próximo na fila.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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