Brasil não pode repetir o exemplo do Chile com reforma da Previdência, dizem debatedores na CDH

Do total de aposentadorias concedidas no Chile, 53% correspondem a meio salário mínimo, e apenas 2% são de um salário mínimo integral, após 40 anos de contribuição.

Agência Senado / Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Publicada em 19 de março de 2019 às 14:50
Brasil não pode repetir o exemplo do Chile com reforma da Previdência, dizem debatedores na CDH

A audiência pública foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), ao centro

Para os participantes de audiência pública sobre a reforma da Previdência, a despeito de o sistema ser  "insustentável", a proposta do governo é injusta com os trabalhadores e cobrará um "alto preço" no futuro. Na prática, disseram os debatedores, o sistema de capitalização proposto repete a experiência do Chile e dá fim à Previdência pública. Eles discutiram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, ontem (18), na Comissão na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). A audiência foi requerida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que preside a comissão.

Luiz Fernando Silva, representante do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (Cnasp), afirmou que em recente visita ao Chile testemunhou o drama dos aposentados chilenos, que migrou para o sistema de capitalização na década de 1980. O país registra altos níveis de suicídio de idosos, que recebem benefícios previdenciários insuficientes para a sobrevivência, disse o advogado.

Do total de aposentadorias concedidas no Chile, 53% correspondem a meio salário mínimo, e apenas 2% são de um salário mínimo integral, após 40 anos de contribuição. Há casos de pessoas que ao longo da vida somaram apenas um ano de contribuição e em janeiro de 2019 receberam o equivalente a R$ 6,29.

A situação é tão crítica que o governo chileno está voltando a criar auxílios sociais para complementar a renda dessa faixa da população, continuou Silva. Enquanto isso, a PEC 6/2019 reduz o Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido a deficientes e idosos acima de 65 anos, de um salário mínimo para R$ 400, acrescentou. Ele defendeu a Previdência pública por ser ela capaz de atenuar desigualdades sociais.

— Vamos vivendo no Brasil o caminho inverso do que os países do mundo adotaram. Essa é a questão central a ser debatida na reforma da Previdência, evidentemente que sem perder o foco sobre os as outras questões relativas aos direitos de aposentados, pensionistas, trabalhadores em atividades, servidores públicos, rurais. Todas essas questões são importantes, mas se nós perdemos o debate da capitalização, nós perderemos a Previdência pública e, ao perder a Previdência pública todos esses outros debates vão por água abaixo — alertou.

O representante da Cnasp alertou ainda para o custo de transição, que não está exposto na PEC. Caso o texto seja aprovado, todos os novos trabalhadores que ingressarem no sistema serão contribuintes obrigatórios do novo sistema de capitalização, esvaziando a receita dos que restaram no sistema de repartição. Poderá haver contribuições extras até mesmo para aposentados, opinou, e mesmo quem tem direito adquirido e já recebe aposentadoria pode ser prejudicado. Ele lembrou do caso da Grécia, cujo Judiciário autorizou o corte de parte dos pagamentos das aposentadorias porque simplesmente não havia receita.

Francisco Canindé, da Central Nacional dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Centrape), trouxe dados do Anuário Estatístico da Previdência que demonstram a queda do número de contribuintes do INSS, de 71,3 milhões de contribuintes em 2014 para 65,9 milhões em 2017, em contraste com o crescimento dos benefícios concedidos, que passaram de 1,1 milhão de aposentadorias em 2012 para mais de 1,4 milhão em 2017. Ao dizer que "a conta não fecha", corroborando a ideia geral demonstrada na audiência pública de que a reforma precisa ser aprovada, Canindé sugeriu que se assegure na proposta um montante mínimo de aposentadoria concedida pelo sistema público, algo como cinco salários mínimos, e quem quiser que complemente pelo sistema de capitalização. Ele também defendeu mais tempo de transição para quem já está no sistema.

— A reforma tem que existir, o detalhe é ver os direitos adequados, as distorções sendo corrigidas, tem muita coisa equivocada e que precisa ser revista —afirmou senador Eduardo Girão (Pode-CE).

Recuo

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou dados sobre o sistema previdenciário de 30 países que migraram para o sistema de capitalização de 1981 até 2014. De acordo com Luiz Legnãni, Secretário Geral da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), 18 deles voltaram atrás. Para ele, com o regime de capitalização, o Brasil navegará contra a correnteza.

Em 70% dos pequenos municípios brasileiros, observou Legnãni, a distribuição de benefícios previdenciários é que mantém a economia girando, superando até mesmo os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o próprio orçamento local. Seria um acinte falar em tirar privilegio de gente que já ganha o salário mínimo, afirmou o representante da OIT.

— Se você impossibilita essa aposentadoria, ou a retarda, vai aumentar a miséria do nosso país. Os agricultores vão sofrer muito. Se não tem emprego nem para o jovem, vai ter para idoso? — questionou.

O senador Styvenson Valentim (Pode-RN) lembrou que a relação da sociedade com os idosos precisa mudar, e é preciso cultivar o respeito.

— É preciso lembrar que eu sou ele amanhã — disse.

Receita

O jornalista Antônio Queiroz, representante do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), disse que mudanças já aprovadas pelo Congresso pioraram a situação da Previdência Social. Para ele, é preciso mudar o texto da PEC 6/2019. No seu entendimento, a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, congelou o Orçamento e leva a despesa previdenciária a avançar de modo tão voraz sobre as outras áreas que esses setores vão impor alterações.

Além disso, a reforma trabalhista, aliada à informatização, tem feito o número de trabalhadores formais cair, por estimular o trabalho intermitente, a “pejotização” e até o trabalho informal, o que reduz drasticamente a contribuição previdenciária e a fonte para o pagamento das aposentadorias já concedidas. No seu entendimento, haverá cada vez menos empregos, mas as pessoas continuarão a se aposentar, mesmo com a reforma. Diante disso, será preciso buscar outras fontes de receita.

— Não é sustentável a Previdência pública brasileira com fundamento na folha de salário — avaliou Queiroz, para quem as fontes de financiamento da Previdência deverão ser alteradas, passando a contribuição patronal da folha de pagamentos para o faturamento ou a receita da empresa.

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