Capacitação e qualidade de vida: tribunais investem em gestão de pessoas

Pelo Judiciário, última porta para se resolver conflitos no país, passaram mais de 77 milhões de processos em 2019, segundo o relatório Justiça em Números divulgado pelo CNJ

Regina Bandeira Agência CNJ de Notícias/Foto: Arquivo
Publicada em 14 de setembro de 2021 às 16:24
Capacitação e qualidade de vida: tribunais investem em gestão de pessoas

A Covid-19 deixou em luto as famílias de, pelo menos, 580 mil brasileiros e brasileiras que morreram de complicações da doença. Entre essas pessoas, estão servidores, servidoras e profissionais que colaboram com a Justiça, que continuaram trabalhando remotamente, apesar do trauma. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o sofrimento invisível do impacto da pandemia em uma equipe – particularmente abalada pela dor – foi amenizado por um trabalho desenvolvido por profissionais de psicologia e assistência social, que apostaram no suporte coletivo para as dores individuais.

O projeto, nascido no final de 2020, se adequa às ações que visam concretizar o aprimoramento da gestão de pessoas do Poder Judiciário, impulsionando esse macrodesafio estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com os tribunais brasileiros, para cada ramo de Justiça.  Instituída para o período 2021-2026, a Estratégia Nacional do Poder Judiciário possui 12 macrodesafios voltados ao aperfeiçoamento dos serviços da Justiça.

Pelo Judiciário, última porta para se resolver conflitos no país, passaram mais de 77 milhões de processos em 2019, segundo o relatório Justiça em Números divulgado pelo CNJ. Por trás desses números, estão aproximadamente 18 mil magistrados e magistradas e 400 mil profissionais que prestam atendimento diário e promovem ações e atividades em unidades judiciárias, fóruns, salas de aulas, assim como em outros locais do país e que precisam de um bom estado de saúde para evitar que doenças os afastem do serviço.

Pesquisa encomendada pelo CNJ em 2019 revelou que os transtornos mentais e comportamentais foram o quarto grupo de doenças mais expressivo nas ausências ao trabalho no ano anterior. Houve registro de 18.8716 ocorrências e a ansiedade e a depressão foram as principais relatadas pelas equipes nesse quesito. O percentual de ausência causado por motivo de doença, verificado pelas faltas ao trabalho por atestado ou licença-saúde, é um dos índices de verificação que possibilita medir os avanços dos tribunais em relação ao aperfeiçoamento da gestão de pessoas.

Esse é uma missão de longo prazo estabelecida pelo CNJ em parceria com os tribunais brasileiros que está presente em todos os ramos de Justiça: Estadual, Federal, Trabalhista, Militar, Eleitoral e Superior. Há quatro índices que possibilitam medir os avanços dos tribunais em relação à gestão de pessoas: o índice de absenteísmo-doença; o índice de capacitação de magistrado; o índice de capacitação de servidores e o percentual de participantes de ações de qualidade de vida no trabalho (PRQV). A fim de monitorar o cumprimento dessas ações, os tribunais devem estabelecer programas, projetos ou ações com esses focos em suas unidades.

Encontros emocionais

Com foco na saúde mental da Justiça, o programa Diálogos Emocionais do TSE é conduzido por uma psicóloga e uma assistente social, de maneira virtual e remota. Os encontros mensais tratam de temas considerados fontes de sofrimento para muitas pessoas, como a ansiedade e a depressão. Em setembro, mês em que as instituições públicas abordam o suicídio (Setembro Amarelo), o tema central da roda é o significado da vida. Em agosto, quando se comemora o Dia dos Pais, a conversa gerou em torno da ressignificação da paternidade. E, em outubro, será direcionada ao tema energia criativa para lidar com o luto.

“A ideia é que depois de ouvir o que cada um tem a dizer, possamos oferecer ferramentas para ajudar as pessoas a lidar com essas questões. Percebemos que havia temas recorrentes e resolvemos levar isso para rede de apoio. É uma forma de democratizar o acesso à terapia e, muitas vezes, as pessoas precisam apenas de uma palavra. E isso já ajuda”, conta Ana Cláudia Mendonça, secretária de Gestão de Pessoas do TSE, e uma das mentoras do trabalho, que começa com uma palestra sobre o tema, depois abre a sessão de escuta e é finalizado com a prática de desenvolvimento do autocuidado.

Ana Cláudia explica que o projeto nasceu no ano passado com a percepção das queixas que os trabalhadores e funcionários faziam, com frequência, em várias situações. Psicóloga, a servidora começou então a pensar em criar uma forma de ajudar coletivamente o grupo, focando na escuta acolhedora e no desenvolvimento de ferramentas para o autocuidado, como meditações e ioga.

O calendário dos encontros é divulgado em vários canais de comunicação interna, como Intranet, e-mails corporativos ou por meio das contas do Telegram e do WhatsApp institucional. Outras ações voltadas ao conforto psíquico, emocional e até mesmo físico marcam a gestão de pessoas do TSE. Entre os projetos, há o que visa a reintegração por meio do trabalho (realocação de servidores e servidoras em áreas de maior interesse) e o projeto de psicoterapia breve (de até cinco sessões).

Educação

Outras ações voltadas para o aprimoramento da gestão de pessoas no Poder Judiciário dizem respeito a cursos e palestras. Cumprindo essa missão, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) elaborou tutoriais voltados a quem trabalha diretamente com os processos judiciais. O passo a passo, explicado por meio de palestras virtuais, está ajudando esses profissionais na digitalização, migração e inserção dos documentos na plataforma do Processo Judicial eletrônico (PJe).

Os tutoriais são abertos e compartilhados por meio do canal do TJMT no YouTube. E, como mais de 227 mil processos ainda seguem em estoque físico no estado, os cursos que promovem uma digitalização correta e padronizada ainda contribuem para melhorar um outro índice fundamental: o acesso à Justiça no Brasil.

Já no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), a meta é assegurar condições efetivas para a formação inicial e o aperfeiçoamento contínuo nas mais diversas áreas de atuação judicial e administrativa. Estão na fila para serem criados, cursos relacionados ao funcionamento do Judiciário, à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, à Gestão de Riscos, à Sustentabilidade, à mediação e conciliação, entre outros.

Enfrentamento ao assédio

Além de melhorar o treinamento e a capacitação das equipes e de ampliar o ensino a distância e o trabalho remoto e a gestão por competência, a adoção de programas de qualidade de vida no trabalho e o enfrentamento ao assédio moral, sexual e à discriminação também são exemplos de ações voltadas ao aperfeiçoamento da gestão de pessoas nas unidades de Justiça.

No final do ano passado, o CNJ instituiu um comitê para monitorar, avaliar e fiscalizar a adoção, pelos órgãos do Judiciário, da Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação. Na Justiça do Trabalho, ramo em que milhares de pessoas recorrem quando têm seus direitos trabalhistas desrespeitados, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) elaboraram uma série de ações – entre elas, uma cartilha – para conscientizar as equipes em relação ao assédio moral no trabalho.

Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) também publicou uma cartilha com esse mesmo tema, a fim de evitar que essas formas de violência sigam afetando a vida dos seus trabalhadores. A Comissão de Prevenção e Combate do Assédio Moral, do Assédio Sexual e de todas as formas de Discriminação do TJBA disponibilizou a publicação para todos os profissionais do órgão, com as orientações do que se pode fazer para combater a prática.

“O assédio moral no trabalho é uma das principais causas de sofrimento mental”, afirmou a professora da Universidade de Brasília (UnB) Ana Magnólia, durante o 2º Seminário Nacional realizado pelo CNJ sobre a saúde de servidores e servidoras do Poder Judiciário, em 2019. Segundo ela, o medo é o principal sintoma apresentado pelos trabalhadores: medo de errar, de ser excluído porque errou, de ser chamado de incompetente e de ser punido. “O assédio moral é um dos principais causadores desse quadro.”

Esta matéria faz parte de uma série que apresenta a Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2021-2026, desde sua elaboração, passando pelo detalhamento dos 12 macrodesafios até a fase de monitoramento e avaliação.

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