Cármen Lúcia: precisamos superar o estado patrimonialista brasileiro

Para a ministra Cármen Lúcia, a situação reforça que o estado patrimonialista brasileiro ainda não foi superado. “Realço a impossibilidade de um juiz permanecer na magistratura com esse tipo de conduta a ensejar que não se tenha a superação de um estado de pouca civilidade”, diz a ministra.

Agência CNJ de Notícias
Publicada em 29 de março de 2017 às 09:27
Cármen Lúcia: precisamos superar o estado patrimonialista brasileiro

36ª Sessão Extraordinária. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), realçou a necessidade de o Brasil superar seu estado patrimonialista, durante o julgamento em sessão plenária do CNJ que culminou com a aplicação da pena de aposentadoria compulsória ao juiz Vitor Manoel Sabino Xavier Bezerra. O magistrado, que já se encontra afastado há três anos, foi acusado de se valer de sua função à frente da comarca de Sento Sé, no interior da Bahia, para defender interesse pessoal relativo a questões fundiárias envolvendo terras de sua propriedade.

Para a ministra Cármen Lúcia, a situação reforça que o estado patrimonialista brasileiro ainda não foi superado. “Realço a impossibilidade de um juiz permanecer na magistratura com esse tipo de conduta a ensejar que não se tenha a superação de um estado de pouca civilidade”, diz a ministra.

Apesar de a pena de aposentadoria compulsória acarretar a continuidade do recebimento de salário proporcional pelo magistrado, em sua decisão, o CNJ encaminha os autos ao Ministério Público da Bahia para que seja apurada a conduta de improbidade administrativa na esfera judicial. Isso porque, por meio de uma decisão judicial, a permanência vitalícia do magistrado no cargo poderia ser derrubada, o que geraria cassação da aposentadoria.

Disputa de terras – Conforme o Processo Administrativo Disciplinar 0005930-09.2012.1.00.0000, de relatoria do conselheiro do CNJ Carlos Levenhagen, o juiz Vítor Bezerra teria se valido de seu cargo para atuar em conflito agrário em uma área com alto potencial de geração de energia elétrica, com obtenção de informações privilegiadas e uso de aparato policial em seu favor. 

Além disso, de acordo com o conselheiro Levenhagen, ficou constatado desvio de finalidade, já que o magistrado solicitou ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) a sua transferência para a Comarca de Sento Sé, em agosto de 2012, omitindo do tribunal que seu intuito era defender seu interesse patrimonial como proprietário de terras em conflito na região, que envolvia a empresa de energia eólica Biobrax S/A Energias Renováveis. “Não restam dúvidas de que o magistrado tinha conhecimento da situação conflitante de suas terras e que todo o contexto foi omitido da Presidência do TJBA, induzindo a corte a entender que a mudança de comarca estaria apenas atendendo ao interesse público de carência de magistrado na região”, diz o conselheiro Levenhagen.

Conforme as provas apresentadas no processo, o magistrado teria mandado pessoas que residiam próximo ao terreno da empresa derrubarem uma torre de medição de energia eólica e um imóvel. Outra acusação é a de ter utilizado força policial para invasão da terra com base na suposta existência de uma milícia armada a serviço da empresa, que nunca foi encontrada.

De acordo com o relator do processo, conselheiro Levenhagen, o juiz Vitor Bezerra também não procurou colaborar com a instrução do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) no CNJ. “Foram três tentativas de intimação até que ele foi encontrado no Rio de Janeiro, a partir de informações de outras pessoas”, diz.

Pena máxima – O conselheiro Levenhagen votou pela aplicação da pena de disponibilidade por dois anos, mas a maioria dos conselheiros do CNJ decidiu pela ampliação da pena, resultando na punição máxima, de aposentadoria compulsória.

Para a ministra Cármen Lúcia, os fatos são gravíssimos e podem levar ao cidadão da localidade de Sento Sé a comprometer a confiança que tem no Judiciário. O município se refaz após ter sido alagado com a construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho nos anos 70. "Esta é uma questão fundiária ainda mais grave, já que não há possibilidade de termos uma ancestralidade de títulos, o que poderia evitar essa situação, mas que, pelo contrário, facilita comportamentos ilícitos como os que foram aqui apresentados. Compete ao Poder Judiciário não permitir que façam isso”, diz a ministra Cármen Lúcia.

Para a conselheira Daldice Santana, a conduta do juiz causou grave lesão à prestação jurisdicional da Bahia e o magistrado tentou exercer a Justiça “com as próprias mãos” em defesa do próprio direito. “Todo magistrado, como qualquer cidadão, tem direitos e deveres, mas, na condição de juiz, ele não pode defender o próprio direito”, diz a conselheira Daldice.

Irregularidades na adoção de crianças – A conduta do juiz Vitor Bezerra já havia sido analisada pelo CNJ em um caso envolvendo a adoção de crianças em Monte Santo/BA. Em 2015, o Conselho concluiu pela comprovação de falhas processuais cometidas em ações de concessão de guarda provisória de menores e em medida de proteção, o que resultariam pena de advertência. No entanto, como o processo foi instaurado na sessão plenária ocorrida em 23/9/2013 e julgado no dia 15/12/2015, quando a pena já havia vencido, o Plenário do órgão reconheceu, por unanimidade, a prescrição da penalidade.    

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