Cloroquina: operação abafa
Claro, isso é sério, pois pode até matar, tendo em vista os conhecidos efeitos colaterais de medicamentos usados sem acompanhamento médico
Há algo de muito estranho no assunto “cloroquina” e “governo Bolsonaro”. Não se trata apenas do desatino ilegal cometido pelo presidente da República ao se portar como garoto propaganda de um remédio de eficácia não comprovada. Claro, isso é sério, pois pode até matar, tendo em vista os conhecidos efeitos colaterais de medicamentos usados sem acompanhamento médico.
Mas há fortes indícios de, no mínimo, improbidade administrativa por parte de Jair Bolsonaro e sua insistência na cloroquina. Por isso é inaceitável a posição do STJ e da Procuradoria-Geral da República (PGR), que teimam na omissão. Há mais de duas semanas enviei, como parlamentar, pedido de apuração sobre a fabricação em massa de cloroquina por parte do setor público. Até o momento, sequer satisfação recebi sobre o fato.
É o próprio Jair Bolsonaro quem desperta as desconfianças. Foi ele quem informou que o Exército brasileiro produziria o medicamento, obviamente em parceria com algum laboratório (qual laboratório? E pertencente a quem?).
Mesmo Donald Trump (de quem Bolsonaro quer fazer acreditar ser “amigo”), que inaugurou mundialmente a irresponsabilidade do merchandising da cloroquina, já desistiu da empreitada. Pragmaticamente, até porque não anda bem das pernas em popularidade entre seus compatriotas, Trump prioriza agora a compra de vacinas contra a covid-19. Largou de lado a xaropada da hidroxicloroquina. Mandou o que tinha lá para o Brasil.
Técnicos que estão assessorando o Ministério da Saúde alertam para um estoque parado de mais de 4 milhões de comprimidos de cloroquina. Por que uma quantidade tão absurda? E por que o estoque está parado?
Através da Comissão Externa criada na Câmara para acompanhar as ações preventivas ao coronavírus, enviamos também documento oficial pedindo informações ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Por que o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) saiu de uma produção de até 250 mil comprimidos em dois anos (para consumo interno no combate à malária, doença esta sim comprovadamente combatida pela cloroquina) para 1 milhão por semana? Quais laboratórios estão atuando em parceria? Qual o gasto público? Como está sendo feita a distribuição?
Como já dá para imaginar, nenhuma dessas questões foi respondida, sequer em documento enviado ao Congresso.
Parece haver uma espécie de “operação abafa” sobre o assunto. Fiz duas convocações, ao ministro da Saúde e ao ministro da Defesa, para falarem sobre o assunto no Congresso. Nenhuma delas vai a votação.
Nossa representação na PGR continua também ignorada solenemente. Por que sequer a abertura de uma investigação é decidida? E o STJ, que ganhou a mídia nos últimos dias para soltar o Queiroz e livrar sua mulher? Por que também ignora nossa representação?
Tudo muito estranho. Charlatanismo é coisa séria e grave, passível de punição. Corrupção também. Omitir-se em relação a desvios, apenas para bajular o momentâneo dono do poder, é da mesma forma condenável.
A má notícia para PGR, STJ, Ministério da Saúde, governo em geral: não vamos desistir, pelo contrário. Aguardem para em breve novas medidas. Veremos até onde vai o constrangimento dessa turma...
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