Constelação pacifica conflitos de família no Judiciário

Mais do que isso, permite que o conflito seja devolvido aos seus donos, para que eles próprios possam entendê-lo e buscar a pacificação.

Luciana Otoni e Luiza Fariello | Agência CNJ de Notícias
Publicada em 02 de maio de 2018 às 10:13
Constelação pacifica conflitos de família no Judiciário

As Varas de Família estão conseguindo aumentar, nas audiências, seus índices de conciliação em processos judiciais com o uso da constelação familiar.

A técnica psicoterapêutica criada pelo alemão Bert Hellinger, usada no Poder Judiciário de pelo menos 16 estados,  mostra-se eficaz quando o assunto é disputa de guarda de crianças, alienação parental, inventários e pensão alimentícia. Para os juízes, que têm se capacitado para aplicá-la, permite que a Justiça ofereça outras soluções ao litígio que não somente a sentença. Mais do que isso, permite que o conflito seja devolvido aos seus donos, para que eles próprios possam entendê-lo e buscar a pacificação.

“Uma Justiça que preza pelo humanismo”: é assim que o juiz Yulli Roter, da Vara Cível de Família e Sucessões da comarca de União dos Palmares, que fica a cerca de uma hora e meia de Maceió, define o uso da constelação familiar no Poder Judiciário. O juiz começou a aplicar a constelação familiar em 2014, em um caso grave de ato infracional cometido por um adolescente: um estupro de uma criança de quatro anos.

No decorrer do processo, foi revelado que o adolescente que cometeu o ato de abuso também havia sido vítima do mesmo crime quando criança. “Me dei conta da complexidade do caso; passei a buscar outros métodos que não oferecessem apenas a sentença como solução dos conflitos”, diz Roter.

Depois de fazer uma formação em constelação estrutural em uma instituição de Caxias do Sul/RS, o juiz passou a aplicar técnicas que define como “pequenos movimentos sistêmicos”, sem alterar muito a rotina da audiência judicial. Ele faz perguntas que levam às partes a refletirem qual o sentido daquele processo em sua vida e se aquele conflito não é uma repetição do que ocorreu com seus pais.

“A intenção não é fazer terapia, mas conciliação”, ressalta Roter. Assim, espera descobrir apenas algumas “camadas” sobre a origem do conflito para conseguir o acordo no processo. “Se a pessoa quiser pesquisar mais a fundo a respeito, aí precisa fazer uma terapia”, diz.  

Com a técnica, o juiz passou a obter alto índice de conciliação: somente no último trimestre de 2017 foram realizadas 31 audiências em processos envolvendo disputas familiares e apenas em um deles não foi possível a conciliação. Em uma delas, a ação era uma cobrança de dívida entre irmãos e, durante a constelação, veio à tona que o problema não era o dinheiro, mas que o irmão mais novo não respeitava o mais velho.

Esse fato fere o princípio da hierarquia que, de acordo com a teoria da constelação familiar, é necessário para estabelecer a harmonia da família. Ao final da audiência, o irmão mais velho decidiu retirar a ação de cobrança e o processo foi extinto.

“A raiva e a mágoa impedem a conciliação. Com a constelação, o conflito passa a não ser mais visto como um vilão, mas uma oportunidade de autocompreensão: a audiência transcorre mais leve e sem brigas”, diz o magistrado.

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Processo de 13 anos resolvido de uma vez

Também em Pernambuco, o método psicoterapêutico vem sendo cada vez mais empregado por juízes na busca de acordos em processos com alta litigiosidade. Na visão da juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), Wilka Vilela, a “constelação familiar” é uma ferramenta que contribuiu com o trabalho dos magistrados. 

“As pessoas vão ao Judiciário achando que nós, juízes, somos salvadores da pátria. E não somos salvadores da pátria porque o conflito que gerou aquela demanda está lá, no sistema familiar deles, e com essa técnica temos conseguido ajudar essas pessoas”, disse a magistrada durante apresentação da experiência pernambucana com constelação familiar no Workshop Inovações na Justiça, realizado pelo Conselho da Justiça Federal.

Wilka Vilela citou o caso de interdição de uma mulher em coma, cujo o processo com 15 volumes estava 13 anos em tramitação devido ao conflito envolvendo seus oito filhos. “Fiz a constelação nessa família e, na segunda audiência, houve um entendimento e, antes de essa senhora falecer, conseguimos uma conciliação total”, comentou a juíza.

As sessões, em Pernambuco, têm sido feitas com familiares em processos de alta litigiosidade sobre divórcio, alienação parental, pensão alimentícia, questões de guarda e casos de interdição. Após a primeira sessão de constelação, é marcada uma segunda audiência, 30 dias depois, para que haja a conciliação. Segundo a magistrada, em 2016, a  constelação familiar foi feita em 33 processos com obtenção de acordo em 75% dos casos na justiça pernambucana. “O papel do juiz não é só fazer sentença. Temos de buscar a paz social ”, defendeu.

A importância da não exclusão

Reconhecer a importância de um membro na família, ainda que seja o caso de uma mãe ou pai totalmente ausentes na vida do filho, é um dos passos fundamentais para a pacificação de conflitos. A constatação é do juiz Sami Storch, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), pioneiro no uso do método no Judiciário, que começou a ser utilizado em 2012, no município de Castro Alves, a 191 quilômetros de Salvador. “Reconhecer a legitimidade do outro abre o caminho para a conciliação”, diz.

Na comarca de Valença/BA, na qual hoje é titular, o juiz Storch costuma convidar partes de processos com temas semelhantes, como disputas de guarda ou inventários, para participarem de sessões de constelação. Primeiro, é feita uma meditação e, depois, é explicada às partes sobre as ordens sistêmicas. “A constelação familiar manifesta dinâmicas ancestrais, podem vir à tona crimes cometidos há gerações, por exemplo”, diz.

De acordo com o magistrado, em muitas dinâmicas fica claro a importância do direito de pertencer, ou seja, de não excluir um membro da família e sempre reconhecer a sua importância no sistema familiar. “Nas ações de disputa de guarda, em geral tudo o que a criança quer é a inclusão do pai e da mãe em sua vida”, diz.

O juiz também tem tido bons resultados com o uso da constelação em ações envolvendo a adoção de crianças, evitando, inclusive, casos de “devolução” de filhos adotivos. “É preciso permitir o olhar para os pais biológicos, sem julgá-los”, diz.

Assista à explicação do juiz Sami Storch, do TJ-BA, pioneiro na aplicação da constelação familiar no Judiciário, em entrevista ao Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, de Santa Catarina (TRT-12):

Constelação ganha Prêmio Conciliar é Legal em Goiás

Em Goiás, as sessões de constelação familiar têm sido empregadas com êxito pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania nas iniciativas de mediação do Tribunal de Justiça do Estado.

A juíza substituta em 2º grau Doraci Lamar Rosa da Silva disse que, em Goiás, a mediação, com emprego da técnica psicoterapêutica, usada no 1º grau desde 2012 e desde junho do ano passado vem sendo empregada no 2º grau. Com a ampliação do emprego do método, as sessões de “constelação familiar” têm evitado que os conflitos levados ao Poder Judiciário se acirrem e se tornem volumosos. Têm, ainda, ajudado na obtenção de conciliação e acordos, geralmente entre pessoas exauridas pelo processo judicial. “De 30% a 50% dos casos que a gente fez mediação sistêmica, conseguimos acordo”, informou Doraci Lamar.As experiências bem-sucedidas do Centro Judiciário renderam ao Tribunal de Justiça de Goiás o primeiro lugar na categoria Tribunal Estadual no V Prêmio Conciliar é Legal.

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