Cristiana

Eu e Cristiana trabalhamos juntas no Globo por dez anos, nos tempos inesquecíveis da transição, do enterro da ditadura e do início da construção democrática

Tereza Cruvinel
Publicada em 12 de novembro de 2021 às 14:59

Cristiana Lobo

Com Cristiana Lobo vivi um bom pedaço da minha vida profissional e disso resultou uma amizade perene, inabalada pela separação dos caminhos no trabalho. Quando parte alguém assim, morre-se um pouco também. É como me sinto nessa manhã triste, olhando o mar de Maceió, onde vim para uma palestra e onde ainda ontem me perguntavam sobre ela.

Eu e Cristiana trabalhamos juntas no Globo por dez anos, nos tempos inesquecíveis da transição, do enterro da ditadura e do início da construção democrática. Atravessamos juntas a campanha das diretas, a eleição de Tancredo e a Nova República, a Constituinte, os anos Sarney, FH, Lula, várias legislaturas do Congresso.

No Globo,  por algum tempo ela foi minha interina na coluna Panorama Político, inclusive durante a minha licença maternidade. Rodrigo, que ela viu então nascer, hoje é diplomata e foi recentemente removido para Nova York. Ela fez questão de mandar por sua filha Bárbara um presente, um voucher para um jantar em Nova York, num restaurante de que ela gostava. Assim era a Cris, sempre generosa, tocando delicadamente o coração das pessoas. Fazendo-se também por isso inesquecível.

Entre 1997 e 2007, passamos outros dez anos juntas na Globonews, como comentaristas do Jornal das Dez e de momentos especiais,  como eleições.  Eu e ela fomos as primeiras comentaristas do canal, desde sua implantação, criando uma função até então praticamente inexistente entre nós. Estando sempre juntas no vídeo, com nosso biotipo moreno, e andando muito juntas pelo Congresso e outras plagas, éramos muito confundidas por telespectadores que nos encontravam por aí. Me chamavam de Cristiana e a ela de Tereza.  Em 2007 deixei as Organizações Globo para ir criar a EBC/TV Brasil,  mas nunca nos perdemos uma da outra. Posso dizer melhor: Cristiana nunca largou minha mão. 

Ela era uma jornalista completa, que combinava a garra de repórter na apuração com a capacidade de analisar, interpretar e projetar os efeitos dos fatos apurados. Quando deixou O Globo para ser colunista política no Estadão, após ter sido minha interina, ela buscava a possibilidade de exercer plenamente essas capacidades. Mas foi na Globonews que ela acabou encontrando espaço para desempenhar seu papel tão singular:  apurava e comentava, não se limitando nunca a derramar falações sobre o já apurado. Alguma informação ela sempre acrescentava. Tinha paixão pelo furo, e deu muitos. Nunca se deixou levar também pela postura arrogante assumida por alguns jornalistas, a de donos da verdade autorizados a julgar, não pelos fatos, mas pelas próprias convicções ou conveniências. Não lhe faltavam coragem, lucidez, argúcia, independência.

Cristiana pertenceu a uma escola de jornalismo em extinção, comprometida com mandamentos profissionais que foram sendo relegados. O maior deles, o compromisso com a verdade, e  por isso angariou tanto respeito e admiração. Ela inovou, ao atuar como repórter que comentava. Vindo do jornalismo impresso, dominou logo o video, o uso do microfone, fazia entradas ao vivo com enorme segurança. Era generosa com os colegas: compartilhava fontes e encontros, dava dicas, ensinava o caminho das pedras aos mais jovens.

Enquanto trato de voltar para Brasilia para me despedir dela, escrevo estas linhas, mas penso mesmo é nos bons momentos que vivemos juntas. Agora em setembro, quando da partida de Rodrigo, recordamos as viagens que fizemos juntos, ela com Murilo, Bárbara e Gustavo. Eu com Rodrigo. E quando era hora das malas ou de qualquer problema prático, eu dizia: Cristiana, chame o nosso marido!  E lá vinha o Murilo. 

Recordamos uma viagem a Tiradentes e Ouro Preto, onde nos hospedamos numa pousada que fica na casa que pertenceu à arquiteta Lota Macedo Soares e sua companheira de então, a poeta americana  Elizabeth Bishop. E como eu e a Suzy, irmã dela, dormimos no mesmo quarto, Cris passou o dia me chamando de Lota e à sua irmã Elizabeth. O apelidos ficaram por muito tempo.

Lembramo-nos também de quando fomos a uma festa de aniversário de Marta Suplicy e José Dirceu, durante o governo Lula, em São Paulo. Tomamos alguns uisques com muito energético. Não sabíamos que a bebida pilhava, estávamos querendo apenas ralear o uisque para continuarmos papeando com as fontes. Resultado, tivemos uma bruta insônia, conversamos a noite inteira. Pegamos cedo um avião para Brasília e fomos almoçar com uns políticos na casa de Jorge Bastos Moreno, nosso inesquecível compadre, e falávamos como duas matracas. Vocês se drogaram, brincava o Moreno.

Recordamos estas e outras passagens e prometemos que quando ela ficasse boa voltaríamos a viajar. Quem sabe iríamos a NY e jantaríamos no tal restaurante recomendado ao Rodrigo, com voucher para ele pagar a conta.

Cristiana, eu daria tudo para ter falado mais com você nos últimos dias, e não o fiz. Para termos viajado novamente, e jamais faremos isso. Eu daria tudo para podermos tricotar longamente sobre a vida, para comprarmos juntas mais bonecas do Jequitihonha em Belo Horizonte,  para tomar café no Senado atormentando os senadores, para fazer de novo tantas coisas que fizemos juntas. Para voltarmos à Índia, onde nos divertimos tanto cobrindo a viagem de FH!

Não tenho palavras para Murilo, Bárbara, Gustavo, Suzy, Leti e todos da "alcateia", como eu chamava a familia de brincadeira. Cristiana era uma força enorme e poderosa na vida deles. O vazio será imenso mas pensem sempre que ela foi grande em tudo: grande jornalista, grande figura humana, mãe, esposa, mulher, avó, amiga....

Descanse, amiga.

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