Debatedores destacam bons exemplos na abordagem de autistas por policiais
Presidida por Flávio Arns, audiência contou com policiais e representantes de associações de autistas: debatedores defenderam treinamento adequado e mudança de cultura das polícias
Em audiência na Comissão de Educação e Cultura (CE) na tarde dessa quarta-feira (30), debatedores defenderam foco na educação e no treinamento dos policiais para um melhor atendimento às pessoas autistas. Iniciativas pioneiras dentro das polícias foram mencionadas como exemplo positivo no trato das demandas de pessoas autistas e de suas famílias.
O requerimento para a audiência pública (REQ 85/2024) foi apresentado pelo presidente da CE, senador Flávio Arns (PSB-PR), que também presidiu o debate. Ele disse ser preciso criar uma nova cultura no trabalho de forças de segurança e sua relação com as pessoas autistas. Arns, porém, reconheceu que há iniciativas "altamente relevantes" nas forças policiais.
— Que essa audiência inspire muitas e muitas pessoas a organizarem iniciativas nas polícias e na segurança privada — declarou Arns.
Abordagem
O diretor-presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), Edilson Barbosa do Nascimento, destacou a importância da educação no trato com a pessoa autista. Ele defendeu a aprovação do projeto que que regulamenta a atuação do profissional de apoio escolar em instituições públicas e privadas de ensino (PL 4.050/2023). Esse profissional auxilia o professor em sala de aula a lidar com o aluno autista. O projeto está em análise na CE, sob relatoria da senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
De acordo com Nascimento, o treinamento é importante para os policiais abordarem corretamente uma pessoa autista. Ele também destacou iniciativas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Judicial, que podem servir de exemplos para outras forças policiais. Nascimento também sugeriu um adesivo oficial em automóveis, com os símbolos do autismo, que poderia facilitar a identificação por parte dos policiais de que aquele veículo transporta uma pessoa autista.
— Nada melhor do que o policial saber como atuar em uma abordagem a pessoas autistas, para evitar problemas — afirmou Nascimento, que ainda defendeu um maior acolhimento aos servidores autistas.
Membro do Escritório Regional de Direitos Humanos da Polícia Rodoviária Federal do Distrito Federal (PRF-DF), José Teogenes afirmou que o movimento que aproxima as forças policiais dos deficientes e dos autistas é de extrema importância. Ele criticou a tendência ao capacitismo, presente na sociedade, e disse que o foco nos direitos humanos torna o mundo mais justo. Teogenes ainda destacou o valor do treinamento dos policiais para um atendimento mais efetivo e humano aos vulnerabilizados.
— Só há sensibilização se houver aproximação. Se os preconceitos não forem debelados, não haverá aproximação — alertou Teogenes.
Preparo
Presidente da Subcomissão dos Direitos dos Autistas da PRF-DF, Fernando Cotta disse que seu filho, também de nome Fernando, autista nível 3, de 27 anos, foi quem o inspirou a lutar pelas famílias de pessoas autistas. Segundo Cotta, mudar a cultura de uma organização não é fácil, pois demanda tempo, esforço e investimento. Ele ressaltou que um policial preparado faz toda a diferença no atendimento a uma pessoa autista ou à sua família e reconheceu o desafio de identificar autistas entre os próprios policiais.
Cotta apresentou cartilhas e panfletos do programa PRF Amiga dos Autistas, que são distribuídos durante as abordagens da Polícia Rodoviária Federal. Os materiais trazem informações sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e tratam de direitos das pessoas autistas, como o benefício de prestação continuada (BPC) para famílias carentes. Cotta citou pesquisas internacionais segundo as quais há um autista a cada 36 pessoas. Ele ainda pediu foco na educação e no treinamento para preparar os policiais no atendimento a autistas.
— É caro qualificar um policial. Mas é muito mais caro não qualificar um policial, que pode agravar uma crise de uma pessoa autista que está viajando — declarou Cotta.
O diretor do Departamento Nacional da Polícia Judicial e idealizador do Programa de Capacitação e de Conscientização Polícia Judicial Amiga dos Autistas, Igor Tobias Mariano, citou casos de resistência, ameaças e até de agressão de policiais a pessoas autistas. Essas situações mostrariam, segundo Mariano, que as polícias não estão preparadas para esse tipo de atendimento.
Conforme relatou Mariano, o programa PRF Amiga dos Autistas serviu de incentivo para a criação de um protocolo de atendimento a autistas dentro da Polícia Judicial. O entendimento sobre o transtorno, a identificação de sinais comuns, o gerenciamento de crises e a preparação para o atendimento são, segundo Mariano, pontos importantes no treinamento para os policiais. Ele defendeu a inclusão do tema nos treinamentos de todas as polícias e fez questão de lembrar que cada autista é único e pode reagir de forma diferente aos mesmos estímulos.
— Estamos tratando de direitos e garantias fundamentais, da dignidade da pessoa humana e da inclusão da pessoa com deficiência — registrou Mariano.
Segurança privada
A senadora Damares Alves disse que as iniciativas positivas de atendimento aos autistas dentro da PRF e da Polícia Judicial certamente vão ajudar que outras forças policiais tenham programas similares. Para a senadora, é essencial ter uma previsão orçamentária para apoio a iniciativas como essas dentro das polícias. Damares também sugeriu que o alvará de funcionamento para as empresas de segurança privada só seja liberado depois da comprovação de treinamento de seus profissionais para a abordagem a pessoas autistas. Segundo a senadora, essas iniciativas ajudam no acolhimento às famílias com pessoas dentro do transtorno.
— As crianças autistas de anos atrás cresceram, são adultas e estão no mercado de trabalho. As forças de segurança vão precisar aprender a lidar com essas pessoas — declarou a senadora, sugerindo enviar a todas as polícias do país as apresentações do debate.
Interativa
A audiência foi realizada de forma interativa, com a possibilidade de participação popular. O senador Flávio Arns destacou algumas mensagens que chegaram à comissão por meio do portal e-Cidadania. A internauta identificada como Daniele, do Paraná, manifestou preocupação com a adaptação do ambiente de aprendizado para a inclusão de alunos autistas. Victor, do Rio Grande do Norte, destacou a legislação de proteção aos autistas e aos deficientes de maneira geral. Paulo, de São Paulo, chamou a atenção para o preparo dos agentes de segurança no trato com pessoas autistas. Já Daniele, do Rio de Janeiro, afirmou que é fundamental a criação de novos espaços para tratamento e acompanhamento multidisciplinar para pessoas autistas por parte dos governos.
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Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp
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