ECA 30 anos: Brasil precisa dar respostas mais efetivas a problemas estruturais
“É preciso pensar em maneiras alternativas de fornecer cuidados para essas crianças. Mais cuidados comunitários e familiares e menos institucionalização.”
Para Ann Skelton, são necessários "mais cuidados comunitários e familiares e menos a institucionalização" -FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ
“O Brasil está progredindo na proteção dos direitos humanos de crianças e jovens, mas ainda precisa achar uma estratégia para reduzir os casos de homicídios e feminicídios entre essa faixa etária. Mais de 30 brasileiros entre 10 e 19 anos são mortos por dia”, afirmou Ann Skelton, advogada de direitos humanos na África do Sul, durante o debate sobre a Aplicação da Convenção dos Direitos da Criança no Brasil, no evento on-line promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo aniversário de 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), completados na segunda-feira (13/7).
Ann Skelton, que é membro do Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas (ONU), lembrou que o Brasil foi um dos primeiros países a ratificar a Convenção dos Direitos da Criança aprovada pela ONU. No entanto – até mesmo por sua complexidade e extensão territorial –, ainda precisa encontrar formas de implementar esses direitos em diversos aspectos. A especialista citou algumas situações que necessitam de melhores soluções, como o cuidado para crianças internalizadas. “É preciso pensar em maneiras alternativas de fornecer cuidados para essas crianças. Mais cuidados comunitários e familiares e menos institucionalização.”
Ela também citou outros desafios a serem superados, como o direito à educação. “O Comitê percebe fraquezas no sistema, principalmente na infraestrutura escolar. Isso é relevante se quisermos dar uma qualidade melhor de ensino às crianças”, ponderou. Além da Convenção, Skelton lembrou que o Brasil assinou os protocolos de combate à pornografia infantil, prostituição infantil, exploração de trabalho infantil, venda de crianças, e um procedimento de comunicações, para que, entre outras garantias, elas possam apresentar denúncias de violações de direitos.
“Crianças são pessoas, portadoras de direitos e devem ser ouvidas e consideradas. Elas precisam ter a oportunidade de participar das decisões que influenciam suas vidas. Ao ratificar a norma internacional, o Estado precisa implementar medidas que permitam o cumprimento de todas as determinações. Acredito que todos nós podemos fazer mais e melhor para que a promessa da Convenção seja uma realidade.”
Momento de comemoração
Para o juiz auxiliar da presidência do CNJ Richard Pae Kim, os pontos apresentados pela comissária de direitos humanos da ONU tocam em questões urgentes. No entanto, apesar dos muitos desafios a serem superados, o momento é de comemoração pelos avanços nas políticas voltadas à garantia dos direitos das crianças e adolescentes.
“O ECA é irmão da Convenção dos Direitos da Criança. O Estatuto é uma legislação espelhada na Convenção e, em termos de normas, estamos muito bem. O que precisamos é passar para a aplicação efetiva da lei, de maneira integral. O cumprimento integral de todos os direitos tem sido um desafio difícil de ser cumprido. Infelizmente, no país ainda é um dos países mais desiguais do mundo”, afirmou o juiz do CNJ.
O magistrado citou informações recentes apresentadas pelo IBGE relativos a dados sobre o acesso a direitos básicos no país: 35 milhões de brasileiros entre 0 e 19 anos não têm acesso a alguns dos direitos básicos fundamentais. “Uma parte expressiva de nossa população está no segmento da pobreza, com dificuldades para acessar água potável, saneamento básico, moradia, proteção contra o trabalho infantil, alimentação, educação, saúde. Digo isso não para sentirmo-nos derrotados, mas motivados a trabalhar para mudar esse cenário”, disse.
O magistrado chamou atenção para a importância no investimento em educação, a fim de reduzir a pobreza e aumentar o acesso aos demais direitos fundamentais. Pae Kim comparou o percentual de crianças fora da escola há 30 anos (20%) com os números atuais (4%). “A realidade melhorou, não há dúvida, mas ainda assim são números altos. Educação é um princípio básico e esse é um direito que precisa ser urgentemente propiciado a todos. Ainda há muito o que se fazer para modificar o cenário de exclusão”.
O magistrado citou a alta incidência de crianças trabalhando como mão de obra para o tráfico de drogas e o índice alto de violência cometido contra crianças e jovens. Em 2019, quase 80 mil novos processos de casos relativos a violência contra crianças ingressaram na Justiça. “O Judiciário está fazendo a sua parte, tem investido e capacitado seus operadores a melhorar a escuta de crianças. Claro que sempre podemos fazer mais e melhor. Confio que estamos nesse caminhar”, finalizou o magistrado.
A especialista sul-africana Ann Skelton terminou sua apresentação admitindo que a pandemia de Covid 19 tem impactado o trabalho do Comitê, mas que a ONU tem buscado trabalhar, dentro das suas possibilidades e realidades, para manter-se vigilante na garantia dos direitos das crianças.
“Temos de fazer todo o possível para que esses direitos não sejam reduzidos e trabalhar com a Convenção em cima da mesa, para que nenhum direito seja esquecido”, sugeriu a advogada que trabalhou, à convite do então presidente da África do Sul Nelson Mandela, na redação de legislação protetiva às crianças envolvidas com problemas com a lei.
Antes da mudança do regime do Apartheid, crianças negras eram espancadas pela polícia e condenadas a chibatadas.
O mediador do painel foi o juiz Eduardo Rezende de Melo, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O evento 30 anos do ECA: os novos desafios para a família, a sociedade e o Estado, está sendo promovido pelo CNJ. Os debates estão sendo transmitidos, ao vivo, pelo canal do CNJ no YouTube. Todas as palestras ficarão disponíveis a partir do dia 20, no site do Conselho.
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