Efeitos da decisão do STF quanto à aplicação do IPCA-E para corrigir os débitos da Fazenda Pública

O Plenário do STF reafirmou na sessão de 20 de setembro de 2017 que os débitos judiciais da Fazenda Pública devem ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

Hélio Vieira e Zênia Cernov*
Publicada em 21 de setembro de 2017 às 15:38
Efeitos da decisão do STF quanto à aplicação do IPCA-E para corrigir os débitos da Fazenda Pública

                                   O Plenário do STF reafirmou na sessão de 20 de setembro de 2017 que os débitos judiciais da Fazenda Pública devem ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

                                   Em breve histórico, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, determinava que a atualização das condenações impostas à Fazenda Pública se daria segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, portanto, utilizando a Taxa Referencial (TR). No entanto, a Taxa Referencial não preserva o poder aquisitivo na moeda, e sequer é destinada a isso. A Taxa Referencial nasceu em março de 1991 destinada a promover a desindexação da economia e o combate à inflação, num conjunto de medidas conhecido como “Plano Collor II”. Não é, propriamente, um índice de correção monetária.

                                    A tese de inconstitucionalidade da utilização da TR para fins de atualização dos débitos fazendários ganhou força quando o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 493, ao tratar dos critérios de reajuste das prestações nos contratos celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional, declarou que “A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária”(ADI 493, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/1992, DJ 04-09-1992 PP-14089 EMENT VOL-01674-02 PP-00260 RTJ VOL-00143-03 PP-00724).

                                   Essa inconstitucionalidade passou a ser arguida em relação à atualização dos precatórios. Em julgamento ocorrido em 14/03/2013, o STF declarou a inconstitucionalidade da utilização da TR para atualização de precatórios na ADI nº 4357:

“(...) 5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).”

(STF, ADI 4357, Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2013, publ. DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014).

                                               No entanto, alguns Tribunais ainda mantiveram a TR como índice de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública durante a fase de execução, sob o fundamento de que a decisão do STF proferida na ADI nº 4357 só seria aplicável aos Precatórios, não se estendendo à correção das condenações na fase anterior à sua expedição.

                                               A decisão plenária do STF de 20/09/2017, manteve o mesmo posicionamento do julgamento atinente aos precatórios e, nos termos do voto do Ministro Luiz Fux, foi afastado o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório:

“2. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.”

(voto do Ministro Luiz Fux disponibilizado pelo STF em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE_870_947.pdf)

                                               A decisão, no entanto, manteve a constitucionalidade desse mesmo dispositivo na parte em que disciplina os juros, desde que se trate de relação jurídica de natureza não-tributária:

“1. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica nãotributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;”

(voto do Ministro Luiz Fux disponibilizado pelo STF em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE_870_947.pdf)

Embora o acórdão ainda não tenha sido publicado, o voto vencedor do Ministro Luiz Fux foi disponibilizado pelo STF (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE_870_947.pdf). Nele, o Ministro antecipou-se em conferir à declaração de inconstitucionalidade os mesmos efeitos que haviam sido aplicados aos precatórios, ou seja, a aplicação do IPCA-E se dará a partir de 25.03.2015:

“A fim de evitar qualquer lacuna sobre o tema e com o propósito de guardar coerência e uniformidade com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a questão de ordem nas ADIs nº 4.357 e 4.425, entendo que devam ser idênticos os critérios para a correção monetária de precatórios e de condenações judiciais da Fazenda Pública. Naquela oportunidade, a Corte assentou que, após 25.03.2015, todos os créditos inscritos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Nesse exato sentido, voto pela aplicação do aludido índice a todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, qualquer que seja o ente federativo de que se cuide.”

                                               Diante de tal contexto, os débitos judiciais da Fazenda Pública federal, estadual e municipal serão corrigidos pela TR até 25.03.2015 e, a partir desse marco temporal, serão corrigidos pelo IPCA-E.

                                               Alguns efeitos dessa decisão nas execuções judiciais contra a Fazenda Pública devem ser evidenciados:

  1. Novas execuções:

Ao iniciar as novas execuções contra a Fazenda Pública, os cálculos já deverão contemplar a atualização monetária segundo o IPCA-E e os juros segundo a remuneração básica da caderneta de poupança (0,5% ao mês). O cálculo de atualização deverá ser dividido em dois períodos, aplicando a TR até 25.03.2015 e o IPCA-E a partir de então.

  1. Execuções em curso:  

Nas execuções em curso, embargadas ou não,  cujos cálculos ainda não tenham sido homologados, deve ocorrer a simples revisão dos cálculos quanto aos índices de correção monetária e aplicação dos juros, nos próprios autos; a nosso ver, não existe a necessidade de que a parte proponha execução complementar, porque os valores contidos na execução inicial limitam a pretensão unicamente no que se refere ao valor principal.

De fato, uma execução contempla o valor principal objeto da condenação acrescida dos acessórios (juros e correção monetária). Embora, uma vez citada a parte contrária, o valor principal não possa ser alterado, os acessórios (atualização monetária e juros) podem, sem que isso possa ser considerado ultra ou extra petita.

Assim, deverá o advogado da parte exequente requerer nos próprios autos a revisão dos cálculos para adequá-los à decisão do STF e recalcular a atualização monetária e os juros, e o magistrado, claro, submeterá a revisão ao contraditório.

  1. Execuções embargadas:

Nas execuções embargadas, deve-se levar em conta o objeto dos embargos. Se os embargos à execução já têm como objeto o índice de correção monetária e juros utilizados pelo exequente, então a questão já se encontra sub judice e será decidida na sentença de embargos ou no recurso contra a sentença de embargos, quando houver.

No entanto, se os embargos dizem respeito exclusivamente ao montante principal, é de boa cautela que o advogado da parte exequente se antecipe em requerer nos próprios autos dos embargos (ou do recurso), a aplicação da decisão do STF quanto aos índices de correção monetária, provocando assim a necessidade de que o magistrado, na sentença de embargos (ou o relator, no julgamento de recurso), já se manifeste sobre essa matéria, definindo de uma vez por todas tanto o valor principal quanto os acessórios, contribuindo para com a celeridade processual.

  1. Execuções com trânsito em julgado da sentença de embargos:

Na hipótese de execução na qual já tenha ocorrido o trânsito em julgado da sentença de embargos, duas vertentes devem ser analisadas:

Se a sentença de embargos não discutiu o tema do índice de atualização monetária aplicável aos débitos fazendários, a parte exequente poderá dar início a uma execução complementar requerendo a diferença entre o índice aplicado na execução principal (TR) e o índice definido pelo STF (IPCA-E).

Se a sentença de embargos chegou a discutir o tema e concluiu pela validade da aplicação da TR, cabe ação rescisória para desconstitui-la, já que o STF declarou inconstitucional o dispositivo legal que assim determinava (art. 1º-F da Lei 9.494/97 com a redação dada pela Lei 11.960/2009).

  1. Execuções findas:

Subsistem no Brasil milhões de execuções que foram promovidas sob a égide da aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97, utilizando a TR como índice de atualização, ora já quitadas, ora pendentes de pagamento de precatórios.

Como já apontado acima, o IPCA-E deve ser aplicado como índice de correção monetária a partir de 25.03.2015, o que gera milhões de diferenças a serem perseguidas em execuções complementares por todo o país.

Diante desse panorama, a diferença entre a correção monetária pelo índice da TR e a correção monetária pelo IPCA-E a partir de 25.03.2015 deve ser objeto de uma execução complementar.

Uma vez homologado o cálculo da diferença, se a execução principal já foi quitada (por RPV ou por Precatório), o valor da execução complementar será objeto de nova requisição, segundo seu valor nominal (por RPV ou por Precatório, de acordo com o teto vigente para o ente público devedor).

                                               No entanto, se o valor principal encontra-se pendente de pagamento, a nosso ver, não há que se falar em inscrição em novo Precatório, mas sim de inclusão desse valor no Precatório pré-existente. E isso ocorre por um motivo muito simples: salvo nos casos em que o valor principal já tenha sido quitado, a correção não constitui um crédito próprio, mas sim, é um componente acessório do valor principal.

                                               O Supremo Tribunal Federal já definiu há muito tempo que, em regra geral, as execuções complementares devam ser objeto de nova inscrição em precatório, no entanto, excepcionam-se os casos de aplicação de novo índice de correção:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXPEDIÇÃO DE NOVO PRECATÓRIO E CITAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. HIPÓTESE QUE ENVOLVE A ERRO DE CONTA E ATUALIZAÇÃO DE ÍNDICES. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido da desnecessidade da expedição de novo precatório nas hipóteses de erro material, inexatidão aritmética ou de substituição, por força de lei, de índices aplicáveis, tendo em vista que, nessas situações, é possível aproveitar o precatório já expedido, cabendo apenas uma correção ou retificação para a efetuação do pagamento. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 427490 AgR-segundo, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 05/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015)

                                               No caso, a declaração de inconstitucionalidade do índice de correção previsto na lei, equipara-se à “substituição, por força de lei, de índices aplicáveis”.

                                               Diante de todo o contexto, é oportuno acrescentar ainda que a decisão do STF gera efeitos em outras situações nas quais a TR venha sendo utilizada como índice de correção. Isso ocorre porque, muito além de ter definido a correção dos débitos fazendários, a Corte confirmou que a TR sequer constitui índice de correção monetária. De fato, consta do voto do Ministro Luiz Fux que “A finalidade básica da correção monetária é preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. (...) a remuneração da caderneta de poupança não guarda pertinência com a variação de preços na economia, sendo manifesta e abstratamente incapaz de mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda.”

                                               Entre outros aspectos, destacamos que o STF confirma a tese que havíamos defendido no artigo “Reforma trabalhista: a inconstitucionalidade da aplicação da TR”, no sentido de que o § 7º do art. 879 da CLT, acrescentado pela Lei nº 13.467/2017, já nasceu inconstitucional ao prever que a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial, na Justiça do Trabalho, será feita pela Taxa Referencial.  (http://www.rondoniagora.com/artigos/reforma-trabalhista-a-inconstitucionalidade-da-aplicacao-da-tr)

De fato, se a TR não tem a natureza jurídica de “índice de correção monetária”, não pode ser utilizada para atualização dos créditos trabalhistas, e mais além, não pode ser utilizada, de uma forma geral, como índice de correção monetária destinado à preservação do poder aquisitivo da moeda.

Porto Velho, 21 de setembro de 2017.

* Hélio Vieira e Zênia Cernov são advogados na área sindical há 25 anos e autores do livro “Estatuto, Regulamento Geral e Código de Ética da OAB – interpretados artigo por artigo”, LTr, 2016.

Comentários

  • 1
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    Teresinha Simines 21/09/2017

    Boa tarde tenho uma dúvida recebi um processo do INSS em 02.06.2017, o qual foi corrigido pela Lei 9.494/97, tenho direito de entrar para receber alguma diferença? Obrigada

  • 2
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    Renata 21/09/2017

    Excelente artigo! Parabéns aos autores, Dr. Hélio Vieira e Dra. Zênia Cernov.

  • 3
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    Antonio Seguro 21/09/2017

    Celso, Dê uma lida neste artigo. Será importante observar na liquidação os períodos de incidência de correção pela TR e pelo IPCA-E. Marco temporal 25/03/2015.

  • 4
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    MARLY REGALADO 21/09/2017

    Bastante esclarecedor. Excelente. Um verdadeiro primor esse artigo.

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