Estado só é obrigado a fornecer remédio fora da lista do SUS se comprovada eficácia e imprescindibilidade para o tratamento, defende MPF
Manifestação foi enviada ao STJ no caso de paciente diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) Tipo II
O fornecimento pelo Poder Público de medicamento não previsto na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) está vinculado à demonstração científica da imprescindibilidade do remédio para tratamento da doença, bem como da ineficácia da alternativa oferecida pelo Estado. Esse é posicionamento defendido pelo Ministério Público Federal (MPF) ao opinar no mandado de segurança ajuizado pela família da menina Kyara Lis, diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) Tipo II, para obrigar o Ministério da Saúde a fornecer o medicamento Zolgensma, avaliado em R$ 12 milhões.
Ao formular o parecer, a subprocuradora-geral da República Darcy Santana Vitobello considerou que os laudos médicos anexados ao processo não afirmam que o tratamento com o fármaco milionário é curativo, tampouco garantem que a paciente não retornará a usar o remédio de alto de custo já assegurado pelo SUS. Frisou ainda que os requisitos necessários para determinar o fornecimento de medicação não prevista na lista do SUS foram fixados pelo próprio STJ, ao analisar recurso repetitivo (Resp 1.657.156/RJ - Tema 106/STJ).
A AME é uma doença rara que causa paralisia motora progressiva, podendo levar a óbito por falência respiratória. O tratamento preconizado pelo SUS a pacientes que têm a enfermidade baseia-se no fármaco Nusinersena/Spinraza. A promessa por resultados mais eficientes, no entanto, levou a família da bebê de 1 ano e 3 meses a recorrer ao STJ para garantir o fornecimento, pela União, do medicamento Zolgensma, considerado o mais caro do mundo.
No início de outubro, em decisão monocrática, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho determinou que o Ministério da Saúde realizasse depósito no valor R$ 6,6 milhões para custear o remédio, uma vez que a diferença – cerca de R$ 5,3 milhões – já havia sido arrecadada pela família de Kyara por meio de doações. No parecer enviado à Primeira Seção do STJ, a subprocuradora-geral defende que, apesar de já cumprida a liminar, o mérito do caso precisa ser analisado para definir se cabe à Administração o dever de arcar com tal custo.
Argumentos – O parecer ministerial destaca que é dever do Estado assegurar o direito à saúde mediante acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. Por essa razão, a incorporação de remédios à lista do SUS é pautada por critérios técnicos, que consideram tanto as evidências científicas sobre a eficácia, efetividade e segurança do medicamento, quanto a avaliação econômica comparativa dos benefícios e custos em relação a medicações e tratamentos já previstos na rede pública.
Darcy Vitobello explica que, baseado nessas premissas, o Ministério da Saúde optou pela incorporação do Nusinersena/Spinraza no SUS para o tratamento da AME, definindo critérios de diagnóstico e de indicação do fármaco. Além disso, para assegurar acesso isonômico à terapia e garantir a sustentabilidade do sistema, instituiu o compartilhamento de custos, dado o elevado valor do medicamento – cerca de R$ 1 milhão por ano por paciente.
A subprocuradora-geral acrescenta que a utilização de medicamentos alternativos pode acarretar riscos à saúde dos pacientes, pois constituem inovações tecnológicas cujos efeitos não estão determinados. Para ela, o uso racional e adequado de remédios excepcionais deve conciliar as necessidades dos enfermos com a possibilidade orçamentária do Poder Público. “A determinação de fornecimento de medicamento não incorporado e de valor extremamente elevado, como o Zolgensma – R$ 12 milhões – , ocasiona prejuízo a todos os usuários do Sistema Único de Saúde, pois seu desembolso acarretará a diminuição dos recursos para a saúde em benefício de apenas uma cidadã, que já está sendo tratada pelo Spinraza”, pondera.
Jurisprudência – O parecer do MPF lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem registro na Anvisa, salvo quando houver demora não razoável da autarquia sanitária para concluir o pedido. Mesmo nesses casos, é preciso que o remédio já tenha sido registrado em agências reguladoras renomadas no exterior, e que não exista fármaco substituto no Brasil. Cita ainda que, conforme entendimento do STJ, o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS depende da demonstração da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento no tratamento, por meio de laudo médico circunstanciado e fundamentado.
Nesse sentido, a subprocuradora-geral pondera que os relatórios médicos anexados ao processo apontam o Zolgensma como uma “alternativa terapêutica”, uma "tentativa” de melhora do quadro clínico, com possibilidade ou perspectiva de cura. Segundo Darcy Vitobello, não há, nos autos, nenhum estudo científico ou proveniente de literatura médica que demonstre a eficácia do fármaco para a AME Tipo II.
O MPF aponta ainda que os laudos particulares não fornecem parâmetros objetivos de comparação entre o Zolgensma e o tratamento oferecido pelo SUS, ou que demonstrem sua ineficiência. Pelo contrário, dados divulgados pela Agência Europeia de Medicamentos (European Medicines Agency – EMA) apontam que quatro de cada dez pacientes submetidos ao tratamento continuam a utilizar o Spinraza.
“Não há prova pré-constituída de que o remédio postulado seja capaz de oferecer benefícios superiores ao medicamento incorporado ao SUS nem de que é indicado para a AME Tipo II, havendo necessidade de dilação probatória para reconhecer eventual direito da impetrante”, conclui Vitobello, opinando pela denegação da ordem.
Íntegra do parecer no Mandado de Segurança 26.645/DF
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