Estamos sob chantagem. É esse o nome do que fizeram os comandantes
"Aos militares, cabe a segurança e a defesa do país. Aos políticos, a política. Os três senhores passaram por cima desta regra básica, para vir a público nos ameaçar com o que chamaram de “a última nota”, a nos empurrar contra a parede, dando a entender que depois viriam - ao melhor estilo “pinochetiano” -, as baionetas e os coturnos", escreve
Há entre nós uma dificuldade de se tratar as coisas pelo nome que elas têm. O que o ministro da Defesa e seus três comandantes – ou seriam mosqueteiros? – fizeram nesta semana foi nos colocar sob chantagem. No mesmo tom de Bolsonaro, que entre um soluço e outro eleva a voz para nos ameaçar com uma abstinência de voto e a prorrogação de sua permanência na casa de vidro, caso um dos poderes a que deveria respeitar – o Judiciário -, não se curve aos seus caprichos e passe a emitir recibo das urnas, em 2022.
Esta não é uma discussão que de nosso interesse, agora. Esta não é uma pauta de uma sociedade combalida pelo agravamento da fome, (com o arroz dando um salto de 48%), do aumento do fosso da desigualdade e a perda de 530 mil brasileiros. Esta pauta diz respeito apenas aos redutos milicianos, onde reina o voto de cabresto, e que o general Walter Braga Neto passou a conhecer bem, quando fez a intervenção no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2018.
Esperam os comandantes das três Forças que nos aquietemos como fizemos em primeiro de abril de 1964, quando nos contaram a grande mentira de que estavam assumindo o poder para “arrumar a casa”, ameaçada pelo tal “comunismo”, desculpa para todos os golpes. Ou, novamente em abril de 2016, quando afastaram a presidente eleita, Dilma Rousseff, para despejá-la definitivamente em agosto do mesmo ano. Sem motivo concreto, a não ser - por recente declaração de Luiz Roberto Barroso -, “por falta de sustentação política”.
Os três comandantes das Forças nacionais se esquecem que em 1969, até Orlando Geisel, o terror dos subterrâneos, já discursava para a tropa o que a Constituição de 1988, mais adiante, tornou lei. Aos militares, cabe a segurança e a defesa do país. Aos políticos, a política. Os três senhores passaram por cima desta regra básica, para vir a público nos ameaçar com o que chamaram de “a última nota”, a nos empurrar contra a parede, dando a entender que depois viriam - ao melhor estilo “pinochetiano” -, as baionetas e os coturnos.
“Queiramos ou não , estamos metidos na política”, vociferou Orlando, o irmão do ditador (Geisel). “Capitão, major, coronel e o próprio general de brigada devem deixar de fazer política; política é só nos altos escalões. (...) É preciso dar a impressão de que nós não estamos cogitando da política”.
Não foi o que se deu nesta semana. Pálido de pavor do que poderia brotar de um dossiê que roda por Brasília - este foi o “boato” da quinta – Braga Neto decidiu não pagar para ver. Reuniu a tropa e saltou este item da Carta Magna. Melhor salvar a própria pele. Às favas com os escrúpulos. Mandou ver na chantagem, este é o nome correto para o que fizeram, numa tentativa de acossar os demais poderes. Titubeou, a princípio, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para depois reorganizar o discurso. Entrou firme em campo, o ministro do TSE, Luiz Roberto Barroso, delimitando a linha divisória entre o que vamos ou não vamos tolerar. A sociedade, sim, não os que se escondem atrás de galardões.
Em suas confissões ao historiador Celso Castro, da FGV, o ex-comandante do Exército, Villas Boas, acabou confessando recentemente que tramou contra a presidente Dilma por ter instituído a Comissão Nacional da Verdade. Perdeu a oportunidade de passar a limpo o papel do Exército do século XXI, se distanciando da truculência daquele do século XX, que esganou seus filhos e os descartou.
Do mesmo modo, os comandos atuais agiram como o marido traído, que ao descobrir o amante, em vez de sair de casa e pedir o divórcio, troca de casa e leva junto a mulher que o traiu. Puseram sob as asas da cumplicidade os coronéis apontados no “vacinogate”, mimando os marmanjos em nome da reputação das fileiras. Desta vez, esticando o dedo na direção de outra Comissão, a da Covid-19.
Seria mais coerente, diante de tamanho rigor que querem aparentar, se tivessem deixado andar os trabalhos da CPI – ao que parece o novo pretexto. Melhor expurgar dos seus quadros ou de sua história os que trilham o caminho da falcatrua e da corrupção. Mas não. Preferem, a exemplo de Villas Boas, a lamentação, adicionada ao capítulo 12 de seu livro: “Ao final dos governos militares, e mesmo antes, o Exército empreendeu a “volta aos quartéis”, assumindo a postura de “o grande mudo.” Consequentemente, a sociedade se desacostumou de ouvi-lo no que se relaciona à segurança da sociedade e do Estado”.
Errado, general. Esperamos de vocês a segurança da sociedade e do Estado. Repudiamos, com todas as nossas forças, a ingerência nas coisas da política, nas nossas escolhas, e àqueles que acobertam generais que falham no gerenciamento de uma epidemia, generais que arquitetam orçamentos mirabolantes, ou que se sobreponha sobre as demais Forças, para “usá-las”, sim, usá-las em proveito dos governos aos quais abanam, entre um e outro soluço autoritário.
Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada". Membro do Jornalistas pela Democracia
Fel, futebol e política
"Aí o futebol se mistura com a política, de novo: a Conmebol, que estuprou as normas sanitárias para trazer a Cova América para cá com o beneplácito cúmplice de Bolsonaro tinha um plano para a competição e o executou até o fim. O plano era dar a conquista à Argentina, caso ela chegasse à final por seus méritos. O Brasil, que em razão de Bolsonaro passou a ser um incômodo zero à esquerda nos organismos internacionais, também se converteu num zero à esquerda na FIFA e na Conmebol", escreve o jornalista
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