Existe prisão em flagrante por homofobia? Entenda
Indignação com caso de homofobia ocorrido em padaria gera dúvidas sobre punição prevista para crimes de preconceito
Mulher que aparece nas imagens divulgadas nas redes sociais foi identificada
As cenas chocantes de uma mulher agredindo física e verbalmente um casal na madrugada de sábado em uma padaria de São Paulo repercutiram nas redes sociais e causaram uma onda de indignação. O jornalista Rafael Gonzaga usou as redes sociais para denunciar o ataque gratuito que ele e seu namorado sofreram. Além da agressão física, o casal foi vítima de homofobia, crime que desde 2023 é equiparável à injúria racial pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o relato das vítimas, a Polícia Militar foi acionada, demorou para comparecer ao local e apenas conversou com os envolvidos, sem levar as partes para prestar esclarecimentos na delegacia. Causou estranheza e indignação em muita gente o fato de a mulher não ter sido presa em flagrante ou de não ter sido conduzida à delegacia, já que toda ação foi gravada. Afinal de contas, a lei permite prender alguém em flagrante por homofobia?
A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles explica que as regras para a prisão em flagrante são as mesmas que todos os crimes. “A prisão em flagrante existe na nossa legislação como forma de cessar o cometimento de um crime. Se, quando a polícia chegou ao local, a prática do delito já havia terminado, não há motivo para a prisão em flagrante. Agora, se a polícia chega no momento em que a mulher está cometendo o crime contra as vítimas, poderia, sim, prendê-la em flagrante”, comenta.
Isso não significa, no entanto, que os policiais militares não poderiam conduzir as partes à delegacia. “Essa é uma prática comum: levar todos para a delegacia de polícia para que seja iniciada a investigação, mas não é obrigatória por lei. Não pode haver condução coercitiva. As duas partes precisam concordar em ir para a delegacia prestar esclarecimento. Mas, independentemente da presença do suspeito, a vítima pode procurar a Polícia Civil e registrar a queixa para que o caso seja apurado. Se julgar necessário, o delegado determinará a busca pelo suspeito do crime”, completa.
Manutenção da prisão
Quando há prisão em flagrante, cabe ao juiz definir se há ou não motivos para manter o autor preso ou se ele poderá poderá responder ao processo em liberdade. “Em crimes em que há ameaças à vida e riscos à sociedade, bem como risco de fuga, a polícia pode pleitear à Justiça a prisão temporária ou preventiva, mas nos crimes de menor potencial ofensivo, aqueles que não envolvem violência física ou grave ameaça, a prisão é não é feita”, detalha a advogada criminalista.
A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles
Investigação
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou à imprensa que a Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais contra a Diversidade Sexual e de Gênero e outros Delitos de Intolerância (Decradi) já identificou e intimou a mulher que aparece nas imagens. As vítimas foram ouvidas na segunda-feira e encaminhadas para o Instituto Médico Legal para realização do exame de corpo de delito. Os policiais militares que atenderam a ocorrência também serão ouvidos e o setor de investigação analisa as gravações apresentadas e realiza diligências para identificar novas testemunhas.
A jurista explica que o crime previsto no artigo 20 da Lei 7716/1989 é punido com reclusão de um a três anos e multa. “Como é um crime considerado de baixo potencial ofensivo, a pena de reclusão é substituída por uma alternativa à prisão, como prestação de serviços comunitários. A pessoa pode não ser presa, mas é condenada e esse registro fica na sua ficha criminal. A lei tem que ser apenas uma das ações para prevenir crimes como racismo, homofobia ou preconceitos de qualquer origem, não a única. Precisamos de uma trabalho amplo de educação e conscientização, não podemos atribuir exclusivamente ao Código Penal a tarefa de conscientizar a sociedade”, detalha Jacqueline.
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