Gabriela Cid: 'o presidente pediu'
Uma das mensagens vazadas da esposa de Mauro Cid revela que Bolsonaro pedia mais público em Brasília para engrossar o golpe e impedir que Lula subisse a rampa
Bolsonaro e militares (Foto: REUTERS/Adriano Machado | José Cruz/Agência Brasil)
No documento de 66 páginas disponibilizados pela Polícia Federal à sociedade, depois da publicação de parte dele na Revista Veja, em que se pode ler em detalhes todo o passo a passo do golpe, é necessário que nos atinemos a alguns detalhes.
O primeiro deles e fundamental é saber que – conforme está registrado em várias fotos pelos arquivos da mídia, o celular do tenente-coronel Mauro Cid era praticamente uma extensão do celular de Bolsonaro. Há flagrantes do ajudante de ordens mostrando a tela do seu celular para o presidente em várias situações.
Importante também seria que a PF divulgasse a listagem completa dos 101 nomes dos integrantes do grupo que engendrava as manobras e avanços das estratégias golpistas.
É visto que as senhoras Gabriela Cid (mulher do tenente-coronel) e Tyciana Villas Boas (filha do general Villas Boas, organizador, juntamente com o Alto Comando do Exército, do tuíte que mandou Lula para a prisão), tinham a ajuda de uma outra integrante, de nome Myrian Stein.
As três trocam mensagens freneticamente nos dias que antecederam à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentando impedi-la. Pedem mais público, mais empenho e, Gabriela, em uma certa mensagem, não deixa dúvida. Certamente, será destaque na peça do processo a sua mensagem, onde aponta: “o presidente pediu”. O presidente em questão é Bolsonaro, que embora derrotado na eleição, ainda detinha o cargo (seu por direito até o dia 1 de janeiro). Na mensagem de Gabriela (que posou de desentendida no depoimento sobre os cartões de vacina), o que o presidente pedia, era mais público em Brasília para engrossar o golpe e impedir que Lula subisse a rampa. E esse “não subir a rampa”, era a palavra de ordem do general Heleno, conforme ficou claro numa entrevista/relâmpago que ele deu ao ser perguntado, quando estava dentro do seu carro, se isso aconteceria: a posse. Heleno foi categórico: “não”.
O plano e os documentos nele anexados – um deles um questionário devidamente respondido pelo jurista Ives Gandra, norteando a elaboração das medidas a serem tomadas após a execução vitoriosa do golpe, desenham e não deixam nenhuma ponderação sobre os desdobramentos e providências. Nesse ponto o que se vê é inarredável, inquestionável e conclusivo. Apesar de ter a assinatura do documento bloqueada por algum dispositivo na hora da reprodução, não é possível desmentir que tenha sido assinado pela única autoridade possível. Apenas ele, e somente ele, o presidente, usaria a expressão – deixou ali o seu DNA – “dentro das quatro linhas da Constituição”, para decretar o “estado de exceção” ou o “estado de sítio”. Medidas habitualmente só usadas em guerras e conflitos.
Tudo prontinho e devidamente elaborado, faltando apenas a ação, para jogar o país sob o jugo do autoritarismo militar novamente, incluindo a prática de torturas. “Vai ter careca sendo arrastado por blindado em Brasília”, descreveu um dos oficiais. Houve, porém, a hesitação de Bolsonaro, o que exasperava os demais 100 integrantes do grupo de zap. Um deles, o mais exaltado, o coronel Jean Lawnd Junior, chegou a pedir “pelo amor de Deus”. Bolsonaro, porém, não partia para a ação, de acordo com Mauro Cid, por não confiar na adesão do Alto Comando. (Vejam que em nenhum momento Cid rechaça a ideia de golpe).
Tinha razão. O Alto Comando – dividido entre os seus 16 integrantes, não escondiam a antipatia por Lula no poder -, mas sabiam o quanto o país ficaria enfraquecido sem o apoio estadunidense (foi o primeiro país a reconhecer a vitória de Lula), e não engoliam um ex-integrante do Exército Brasileiro que escapou de ser expulso de suas fileiras por um acordo. Eles, sim, não confiavam no estilo tosco, despreparado e intempestivo de Bolsonaro.
Ele, por sua vez, sabia que os militares sonharam desde que deixaram o poder, numa transição negociada em 1985, numa volta para – devaneio deles – “limpar” a imagem deixada pelos “gorilas” truculentos de então. Não seria com Bolsonaro. Não seria entregue a ele, a cadeira presidencial.
Basta lembrar o que fez Costa e Silva em 1964, que se aboletou no “Comando Supremo da Revolução”, (no contexto do Ato Institucional nº 1) com colegas da Marinha e da Aeronáutica, dias depois da derrubada de Jango, escanteando o “comandante das tropas vitoriosas”, o general Mourão Filho.
Deu-se o impasse. Nem os militares avançavam porque avaliavam a falta de apoio estadunidense, da mídia e de parcela significativa da sociedade – parte do empresariado -, nem Bolsonaro ousava agir, pois sabia que não podia contar com o Alto Comando. Tinha as tropas (?), como descrito por Lawand Junior, mas não tinha a bênção do CE. Não arriscaria a própria pele liderando uma convulsão social para forçar o decreto de uma GLO – naquele momento uma de suas prerrogativas -, para colocar no poder o general Marcos Freire Gomes, ou o general Júlio Arruda, ficando ele “no ar, antes de mergulhar”.
A esta altura, havia apreensão no grupo de 101 militares da ativa, no zap. Um deles, pertencente aos que se autointitulavam Dosssss, de nome Gian – servindo no Rio, basta observar o telefone, de prefixo 21 e pelo que diz, professor -, lamentava que a estratégia com feições modernas, à luz do “lawfare”, seria usada, na sua interpretação, pelo grupo que chegava ao poder.
“Guerra 2,0, aproximações sucessivas e indiretas. Su Tzu puríssimo do Séc. XXI. Estão tomando o Poder sem disparar um tiro, com lawfare, expressão militar do PN em segundo plano, esforço principal em manobras jurídicas e políticas, com Op Info moldando o psicossocial... perderam as guerrilhas rurais e urbanas do Séc. Passado, para se reinventarem no globalismo/progressivo socialista. Puta que o pariu, TUDO O QUE ADOTAMOS E SABEMOS, mas ficamos amarrados no POLITICAMENTE CORRETO... Daremos muita ênfase por aqui nesta disciplina do CFEsp, se Deus nos permitir, Deus é Grande, e será!”
Um dos seus interlocutores, identificado como Ferreira Lima, conformou-se: “não vai rolar mesmo”.
“Gian” já pensa em providências para se colocarem “à salvo”, antecipando tudo o que aconteceu na noite do 8 de janeiro. Observem o que ele recomenda:
“Já pensem como protejerão (sic) as nossas famílias... talvez deveremos (sic) isolá-los dentro dos nossos quartéis, MAO, GYN e Imbuy, Pcp dos Of e Sgt FEsp e Cmdos.”
Exatamente como fez o general Arruda, ao posicionar blindados contra o interventor Ricardo Capelli e a turma da PM que o acompanhou para prender o que se encontravam no acampamento na frente do Comando do Exército na noite do golpe, e que evitaram a prisão possivelmente de Gabrielas, Aparecidas, Myrians, Ticyanas e outras “aguerridas” de verde e amarelo.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
É hora dos militares golpistas enfrentarem a Justiça
Chega de nos submetermos, como nação, aos melindres dos fardados! Que todos respondam pelos crimes que cometeram
Golpe bolsonarista tinha tudo para não dar certo
No caso de dar um golpe, o ditador seria um general de 4 estrelas, jamais o ex-capitão. Por isso ele amarelou, como está nas mensagens do celular de Mauro Cid
Termina amanhã o credenciamento para julgamento de ação de investigação contra Bolsonaro
Profissionais de imprensa devem preencher formulário específico para realizarem a cobertura
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