Governo criará unidades de conservação marinhas
Consultas para implantação de unidades nos arquipélagos São Pedro e São Paulo (PE) e Trindade e Martim Vaz (ES) serão realizadas em fevereiro.
Os dois pontos mais remotos do território nacional – os arquipélagos São Pedro e São Paulo, na parte central do Oceano Atlântico equatorial, a 1.010 quilômetros de Natal (RN), embora pertença ao estado de Pernambuco, e o de Trindade e Martim Vaz, um pouco mais ao sul do oceano, a cerca de 1.000 quilômetros a leste de Vitória (ES), vão se tornar unidades de conservação (UC) federais. A criação das unidades amplia à proteção de áreas marinhas.
As consultas públicas para discussão das propostas de criação das unidades ocorrem neste mês de fevereiro. No dia 7, às 9h, na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, serão avaliados os estudos sobre São Pedro e São Paulo. No dia seguinte (8/2), às 14h, no Centro de Visitantes do Projeto Tamar, em Vitória, será a vez do debate a respeito das unidades sugeridas para o arquipélago de Trindade e Martim Vaz.
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Consulta pública é uma das etapas de criação de UCs e está prevista na Lei 9.985/2000, que regula o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Trata-se de uma reunião para se ouvir a opinião dos vários setores da sociedade envolvidos com o tema. Na ocasião, são apresentados os estudos que fundamentam a instalação das unidades.
Os estudos biológicos e socioeconômicos sobre São Pedro e São Paulo e Trindade foram concluídos em novembro pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente, que gere as UCs federais. Após as consultas, o passo seguinte é a assinatura e publicação dos decretos de criação das unidades. A previsão é que isso ocorra até o final de março.
DEFESA
A iniciativa é uma ação compartilhada entre os ministérios do Meio Ambiente e da Defesa, com a participação direta da Marinha, que mantém estação científica em São Pedro e São Paulo e um posto oceanográfico em Trindade, entre outras atividades. Diversos outros setores da sociedade, como universidades, centros de pesquisa e organizações ambientais, também deram sua parcela de contribuição às propostas.
A criação das UCs faz parte da preocupação do governo brasileiro de estabelecer grandes áreas marinhas protegidas como estratégia de gestão do mar territorial e da zona econômica exclusiva (ZEE), unindo conservação ambiental e soberania nacional, a exemplo do que já fazem outros países.
“Desse modo, a conservação da ZEE marinha como aliada da soberania nacional tem o potencial de alavancar o país como líder internacional nos assuntos relacionados à gestão sustentável dos oceanos, considerando as relações internacionais, meio ambiente, mudanças climáticas e autoridade marítima”, disse o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho.
Nos dois casos, as propostas preveem a criação de mosaicos de UCs, com uma área maior, como Área de Proteção Ambiental (APA), contendo uma área menor, como Monumento Natural (Mona). Os monumentos naturais são unidades de proteção integral e teriam, entre outros objetivos, o de garantir a recuperação dos recursos pesqueiros. Já as APAs são uma categoria menos restritiva, admitindo várias atividades sustentáveis nos seus limites.
O formato permite ao Brasil atingir 25% da zona econômica exclusiva (ZEE) em áreas protegidas. “É uma proposta ousada, um compromisso sério que o País assume perante a comunidade internacional”, destacou o secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, José Pedro de Oliveira Costa.
Do ponto de vista ambiental, a medida representa mais um avanço do governo brasileiro na proteção da zona costeira-marinha. Em 2016, o ministro Sarney Filho já havia decretado a criação do Refúgio de Vida Silvestre (RVS) do Arquipélago dos Alcatrazes, um santuário marinho de 67 mil hectares no litoral norte de São Paulo.
A criação das novas UCs está sintonizada, ainda, com recomendações internacionais, preconizadas na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar (CNUDM) e na Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Esta última prevê, entre suas metas, a proteção pelos países signatários de 10% das áreas marinhas e costeiras. Hoje, apenas 1,5% dessa região está abrangida por UCs no Brasil.
As propostas das novas áreas se encaixam em prioridades nacionais e internacionais. Nos compromissos em que o Brasil apresentou na Conferência dos Oceanos, em meados de 2017, está a iniciativa Azul do Brasil, que estabelece uma estratégia para viabilizar parcerias e recursos para a implementação e gestão eficaz, equitativa e inovadora das áreas protegidas. Estas são importantes para a biodiversidade, clima e desenvolvimento sustentável, mas, sobretudo, no mar, precisam de condições para mostrarem resultados concretos. Por isso, o MMA e o ICMBio, ao propor novas áreas de conservação, têm construído projetos e ações para viabilizar a sua implementação e gestão.
BIODIVERSIDADE
Os dois arquipélagos são ricos em biodiversidade, com espécies de fauna e flora endêmicas (só existentes no local) ou ameaçadas de extinção, e cumprem uma função estratégica na delimitação e proteção do mar territorial brasileiro e da ZEE. Mesmo considerada área ecológica ou biologicamente significativa por organizações internacionais, em processo conduzido pela CDB, a região do arquipélago São Pedro e São Paulo permanece ainda praticamente sem nenhum mecanismo de proteção.
O conjunto de ilhotas é o menor e mais isolado arquipélago tropical do planeta. Está localizado a 1.010 quilômetros da costa do Nordeste do Brasil e a 1.890 quilômetros da costa Oeste do Senegal, África, no meio do Oceano Atlântico equatorial. É formado por pequenas ilhas e ilhotas rochosas que surgiram com o soerguimento do manto do assoalho submarino, formação geológica única no mundo.
Devido ao seu isolamento geográfico, apresenta elevada concentração de espécies endêmicas (só existentes no local) e ameaçadas de extinção. As características únicas da área atraem as atenções de cientistas desde o século 19, incluindo trabalhos realizados por Charles Darwin a bordo do navio HMS Beagle, em 1832.
Atualmente o Arquipélago São Pedro e São Paulo está inserido na APA Fernando de Noronha-Rocas-São Pedro e São Paulo (Decreto 92.755 de 5 de junho de 1986), que cobre 79.706 hectares e pertence ao estado de Pernambuco. Em 1998 o governo brasileiro criou o Programa Pró-Arquipélago e construiu uma estação científica, garantindo a ocupação permanente do local por civis e militares e os direitos e deveres de manutenção da ZEE no entorno do arquipélago (430.000 km²; 11.5% de toda ZEE brasileira).
A APA São Pedro e São Paulo, de acordo com a proposta, abrangeria a zona marinha num raio de 200 milhas náuticas ao redor do arquipélago, correspondente à ZEE, excluída a área delimitada pelo monumento natural. Teria, entre outros, os objetivos de conservar os ambientes marinhos, montes submarinos e suas espécies de fauna, flora e microrganismos, em especial as espécies endêmicas e assegurar os direitos de soberania para fins de exploração e gestão dos recursos naturais e aproveitamento da ZEE.
Já o Monumento Natural do Arquipélago de São Pedro e São Paulo teria, entre outras funções, as de preservar o sítio natural raro, composto por formação geológica única no mundo, os recursos pesqueiros, as águas e regiões submersas do menor e mais isolado arquipélago nos trópicos, a integridade dos habitats e das populações das espécies ameaçadas de extinção e endêmicas existentes no local, promovendo a capacidade de resistência e resiliência dos ecossistemas marinhos para enfrentar cenários futuros de mudanças climáticas.
Clique aqui para conhecer a íntegra dos estudos sobre a APA e o Mona São Pedro e São Paulo
A Ilha da Trindade surgiu do embate entre a água fria e o magma incandescente de vulcões nas profundezas do Oceano Atlântico há cerca de 3,5 milhões de anos. Mergulhando na costa do Espírito Santo, a lava das erupções formou uma cordilheira submersa – a cadeia Vitória-Trindade. O arquipélago é o único ponto em que as enormes montanhas dessa cadeia ultrapassaram o nível do mar.
A Cadeia Vitória-Trindade representa uma formação única no planeta, composta por uma cordilheira de montanhas de mais de 1.000 km de extensão, que conecta a costa central do Brasil à Ilha da Trindade e arquipélago Martim Vaz. Possui cerca de 30 montes submarinos, sendo que ao menos dez estão entre 30 m e 150 m de profundidade, funcionando como verdadeiras ilhas para a biodiversidade marinha .
As ilhas oceânicas, situadas no extremo leste da cordilheira, abrigam a mais alta diversidade de algas calcárias do mundo, a maior riqueza de espécies recifais e endêmicas (exclusivas do local) de todas as ilhas brasileiras e ainda uma das maiores taxas de peixes e tubarões do Atlântico Sul. Entre as espécies endêmicas, estão o caranguejo-amarelo, pardela-de-trindade, uma subespécie de fragata e bosques de samambaias gigantes com mais de 5 metros.
A região da cordilheira Vitória-Trindade é reconhecida nacional e internacionalmente como um hot spot (área de alta prioridade para a conservação e uso sustentável da biodiversidade). A cordilheira também foi apontada pela CDB como uma área marinha ecologicamente e biologicamente significativa e indicada pelo governo brasileiro durante a Conferência da ONU sobre Oceanos/ODS 14,em junho de 2017, como área prioritária para a proteção dos oceanos e criação de unidades de conservação marinhas.
Trindade é atualmente considerada uma reserva municipal de Vitória). Abriga, desde 1957, o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade, gerido pela Marinha do Brasil. Com a construção do posto, a ilha parece hoje até uma pequena vila numa ilha paradisíaca. São oito instalações para militares e pesquisadores, que abrigam cerca de 30 pessoas, a única comunidade da ilha.
As pequenas praias da Ilha da Trindade constituem o maior sítio reprodutivo da tartaruga verde no Brasil e a sétima maior colônia reprodutiva do Atlântico, abrigando até´ 6.000 ninhos por ano. Tartarugas verde, cabeçuda e de pente, todas ameaçadas de extinção, são comumente observadas nos ambientes recifais dos montes submarinos da cordilheira. Trindade ainda é especialmente importante para aves marinhas, uma vez que sete espécies se reproduzem na região.
Pela proposta, a APA de Trindade e Martim Vaz será composta por duas áreas. Uma num raio de 200 milhas náuticas ao redor do arquipélago, correspondente à ZEE, excluída a área delimitada pelo Monumento Natural do Arquipélago de Trindade e Martim Vaz; e outra em frente ao em frente ao posto oceanográfico, dentro do monumento natural.
A APA terá como objetivos assegurar os direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, garantindo o uso sustentável da zona econômica exclusiva para fins econômicos, além de ordenar a pesca, navegação, turismo e demais atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental que se apresentem como estratégicas à região.
Já o Mona de Trindade e Martim Vaz visa preservar sítios naturais raros, compostos por monte submarinos e ilhas da Cadeia Vitória-Trindade, garantir a integridade dos habitats e das populações de espécies ameaçadas de extinção, promover a execução constante de pesquisa e monitoramento da biodiversidade na região e contribuir, por meio do mosaico de unidades de conservação e seu zoneamento, para a recuperação de estoques pesqueiros.
GESTÃO COMPARTILHADA
As UCs serão administradas de forma compartilhada entre a Marinha, que ficará responsável pelas ações administrativas, e o ICMBio, que cuidará da gestão ambiental. A criação das unidades não causará nenhuma interferência nas atividades de defesa nacional executadas em todo o mar territorial e zona econômica exclusiva, incluindo a realização de exercícios militares e pesquisas para garantir o treinamento, prontidão e mobilidade das Forças Armadas brasileiras.
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