Governo Lula: tensão ou estabilidade?

"O governo não proporcionou ainda uma inflexão clara dos rumos no sentido da estabilidade e da previsibilidade", diz Aldo Fornazieri

Aldo Fornazieri
Publicada em 13 de fevereiro de 2023 às 19:28
Governo Lula: tensão ou estabilidade?

Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A atividade política se desenvolve por uma série de pares antinômicos que se combinam em graus variados a depender de cada conjuntura e dos conflitos que ela abriga. A tensão (instabilidade) e a estabilidade são dois termos que constituem um desses pares antinômicos. O Brasil vive um longo momento, de dez anos, no qual a tensão e a instabilidade preponderam de forma significativa sobre a estabilidade. 

Muitas vezes as tensões e o aguçamento dos conflitos produzem resultados positivos ao proporcionarem equilíbrios entre os grupos em conflito e boas leis. Mas não é o caso deste longo momento de instabilidade do Brasil. O que vem se produzindo é um processo de degradação institucional, de agravamento da crise econômica e social, de aumento da pobreza, de depredação de direitos e de perda de sentido de futuro. 

Bolsonaro escolheu a tensão e a instabilidade como o modus operandi e o modus vivendi de seu governo. Agrediu a democracia, erodiu as instituições, destruiu as políticas públicas, instabilizou o país politicamente, resultando na tentativa de golpe. Fez uma opção estratégica em favor da instabilidade em detrimento da estabilidade.

Lula, durante a campanha, acertadamente, sustentou a defesa da tese de que o futuro governo deveria se caracterizar pela estabilidade e previsibilidade. A prevalência da estabilidade sobre a instabilidade e da previsibilidade sobre o sentido caótico e instável imprimido por Bolsonaro se visualizou como condição de sucesso do governo Lula e de retomada de um caminho mais auspicioso para o futuro do Brasil. 

Em que pese a diretriz clara de Lula, o governo não proporcionou ainda uma inflexão clara dos rumos no sentido da estabilidade e da previsibilidade. Um dos empecilhos se deve à tentativa de golpe do 8 de janeiro e de suas consequências. Embora o governo, de modo geral, tenha feito o jogo certo junto com os demais poderes da República, evidentemente, existem ainda muitas mazelas e entulhos que precisam ser superados. Em certo sentido, o governo soube tirar proveito da tentativa de golpe, estreitando relações com o Congresso e com o Judiciário e avançando na construção de uma base de apoio. Mas tudo isso encontra limites impostos pela natureza da composição política do Congresso e dos custos a pagar para formatar uma base de apoio mais sólida. 

O outro foco de tensão vem pelo lado da economia. Essa tensão vem sendo provocada por alguns fatores. Por um lado, a campanha do PT e o governo de transição produziram um déficit de previsibilidade ao não deixarem claro quais seriam as medidas econômicas a ser implementadas no início do governo. Em parte, esse déficit foi reduzido pelas sinalizações corretas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem emitindo. 

Mas as sinalizações de Haddad não conseguirem ainda estabilizar as tensões e as apreensões de vários agentes econômicos. Por um lado, porque falta uma definição maior de qual será a política fiscal, lembrando que a responsabilidade fiscal é condição necessária para uma incisiva política social. 

Em segundo lugar porque no entorno do governo e em dirigentes do PT existem posturas e proposições que mais geram tensões e incertezas do que estabilidade. É certo que o PT não deve se confundir com o governo. Mas é certo também que se o PT não foi o principal sustentáculo do governo no Congresso e na sociedade, não existirão condições políticas e morais de cobrar fidelidade de qualquer outro partido.

Os inícios dos governos Lula de 2003 e de 2023 têm muitas diferenças e algumas semelhanças. Uma das semelhanças mais notável é quanto às expectativas e incertezas sobre os rumos da economia. A dura e correta política de ajuste fiscal adotada no início do primeiro governo Lula sofreu restrições em setores do PT. O então presidente do partido, José Genoino, agiu com diálogo e firmeza para alinhar a posição do partido com a política econômica do governo. Isto evitou o agravamento das incertezas.

Hoje parece não acontecer a mesma convergência. Isto é perigoso, pois pode agravar o momento de instabilidade do governo na condução da política econômica. Num momento em que ainda existem sombras do golpismo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, deu uma declaração temerária à imprensa, referindo-se ao presidente do Banco Central; “Ter mandado não significa ser imexível”. 

Gleisi, como tantos outros políticos e o próprio Lula, também têm mandatos. A fonte legitimadora desses mandatos vem diretamente do povo. A fonte legitimadora do mandato do presidente do Banco Central é indireta. Ela tem a mesma natureza da fonte legitimadora do mandato dos ministros do STF: indicação do presidente da República e aprovação pelo Senado. Declarações desse tipo, nesse momento, não contribuem para a estabilidade que o governo tanto precisa. Pelo contrário: aumentam as tensões. 

É legítimo e neste momento correto questionar a exorbitante taxa de juros praticada pelo BC. Mas a preocupação com a inflação também deve estar na agenda do governo, pois e ela que erode imediatamente os salários e tira comida da mesa dos trabalhadores. O grupo de alimentos & bebidas terminou 2022 com um aumento de 21,9%. Os mais pobres são os mais afetados por esse aumento absurdo.

 A discussão sobre a autonomia do BC não está posta e é contraproducente: produz os efeitos contrários às intenções. Faz as taxas de juro do mercado, o preço do dólar e produz queda na Bolsa. Quer dizer: não contribui para criar um ambiente favorável aos investimentos, algo necessário para a retomada da economia e dos empregos.

A conduta dos políticos deve conduzir-se pela ética da responsabilidade, medindo as previsíveis consequências de suas palavras e ações e assumindo as consequências do que é dito ou feito. Quando se fala ou se age por pura convicção, muitas vezes se produz efeitos contrários à intenção inicial. Um político pode falar quase tudo o que quiser, mas nem sempre deve falar tudo o que pensa e o que quer. Este é um preceito de prudência e de responsabilidade. Bolsonaro disse e fez quase tudo o que quis e produziu um desastre monumental. Foi um dos presidentes mais desgraçados do Brasil.

Neste momento, marcado por dificuldades políticas, econômicas e sociais a prudência e a responsabilidade recomendam que a máxima-guia a conduzir o governo seja aquela defendida por Lula durante a campanha: estabilidade e previsibilidade. Se esta máxima não nortear a conduta do governo e de sua base de apoio, o risco de insucesso não é pequeno. Não há uma correlação de forças favorável no Congresso e na sociedade para adotar uma estratégia de tensionamento recorrente. As tensões devem ser seletivas e focadas em pontos fundamentais das agendas social, ambiental e econômica. É preciso ter coragem para adotar as medidas duras e necessárias para que o povo, em breve tempo, possa colher os frutos para satisfazer suas demandas urgentes.

Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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