Habeas corpus para as meninas da Maria Eunice

Uma homenagem ao repórter João Bosco Gaspar.

Antonio Serpa do Amaral filho, Basinho 
Publicada em 14 de novembro de 2018 às 08:42
Habeas corpus para as meninas da Maria Eunice

Zola lembra com muito carinho e um caminhão de boas lembranças do João Bosco, repórter jornalístico que andou nos trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em funcionamento! Ele foi testemunha ocular do caso das Meninas da Maria Eunice, dona do Maior e Melhor Bordel da provinciana Porto Velho da metade dos anos 50, quando aquele requintado empreendimento Randevu resolveu importar um Lote de Mulheres do Grão-Pará e Maranhão! Sabendo que a Meninas chegariam a bordo do famoso navio Leopoldo Peres, a cidade entrou em Polvorosa quando o expresso apitou lá pras bandas de São Carlos!  Duas semanas antes todos os boêmios de Porto Velho já estavam apaixonados pelas moças nortistas, especialmente porque espalharam o boato de que Eram Meninas do Pacu Grande! O maior e melhor Lote de Mulheres já então importadas do Grão-Pará e Maranhão! No dia da chegada, vinda de Rabeta Veloz lá do baixo-Madeira, a notícia de que o luxuoso Leopoldo Peres estava na altura do Belmont deixou a cidade febril e encantada! Logo houve um verdadeiro assalto aos Três Recantos mais frequentados da então pacata cidade de antanho: Cerca de Mil pessoas se amocozaram no Café Santos, tomando todas! O Arara Bar foi arrebatado por Duas Mil Pessoas, e o Bar Central, o mais popular dentre os populares, viu-se Cercado por Três mil papudinhos, saídos de todos os quadrantes da cidade fundada por João Barril! O Povo era só Alegria!!!

Haveriam Três Festas de recepção! Uma no Bancréveas Club, para mostrar que as Meninas tinham Cacife Social bastante para frequentar a alta socyte, ainda que em lugares mais reservados; haveria Festa na Sociedade Cultural Danúbio Azul Bailante Clube, o famoso Rala Ovo, para que Todo o Baixo Clero pudesse ver com seus próprios olhos as belezuras recém-chegadas a bordo do Leopoldo Peres; e um outro furdunço seria realizado, em modo Privê, lá mesmo na Casa de Maria Eunice, na Dom Pedro Segundo, quase defronte ao Clã dos Johnson's. Claro, uma Comissão de Notáveis faria às vezes e honras das pratas da casa: e lá estavam Boanerges Lima, dono de farmácias, Walmar Meira, o Caboco Mamão, Latifundiário; Durval Gadelha, dono do mais rentável e único cartório da cidade; Josias Araújo, grande vendedor de peças e acessórios;  Paiva, seringalista; Antônio Resk, dono do cinema; Abel Marques, dono da máquina de beneficiamento de arroz; Auristélio Mota, ilustre integrante do Ministério Público Territorial; o Velho Hortêncio, grande empresário; o Velho Dió, o maior comunista panfletário da cidade; e, dizem as más línguas, Miguel Arcanjo, ricaço comerciante da comunidade local. Por volta das 18h, com o sol já caindo para a outra margem do Rio Madeira, a cidade toda deslizou barranco abaixo para receber as Meninas mais exóticas e eróticas do Estado do Grão-Pará e Maranhão, província poderosa que se opunha aos Aristocratas da Capitania de São Paulo e Mato Grosso! 

Quando o navio de fato aportou e todos se prepararam para o desembarque triunfal da Menina da Maria Eunice, veio o banho de água fria: a voz de um poderoso comandante de bordo anunciou em alto e bom som, num megafone meio fanhoso, que por conta da determinação da alta cúpula da polícia local as belas moças não poderia desembarcar, especialmente para não contrariar a moral e o bons costumes da cidade! E Tenho Dito - disse ele fechando o anúncio curto e groso! Pronto!! Foi um Deus nos acuda! Em coro uníssono, o Comandante levou a Maior Vai da sua Vida! Os maios revoltados incitaram a turba a invadir a embarcação e promover o resgate a força das donzelas retidas e constrangidas em nome da Lei, da Moral e dos Bons Costumes!  Filho da Puta foi o xingamento mais cavalheiresco e doce despachado no pé de ouvido dos integrantes da tripulação da gigantesca nave flutuante! Rapidamente chegou um Batalhão da Guarda Territorial e fez o isolamento da área, impondo moral e respeito no recinto tenso e em pé de guerra! A Comissão de Notáveis, decepcionada com o desfecho da empreitada, convocou imediata reunião para as providências cabíveis e incabíveis.  Em Reunião Secreta no Cabaré da Madame Elvira, popularmente conhecida por Tartaruga, ali na rua Afonso Pena, deliberam que iriam levar o caso às barras dos Tribunais. E assim fizeram, contando com a Assessoria Jurídica do mais famoso advogado da época, homem de ilibada envergadura e abnegado admirador da causa, o Dr. Fouad Darwich - hoje nome do Fórum Cível localizado ao lado da Praça Marechal Rondon, que os mais incultos e basbaque chamam de Praça do Baú. Na manhã do dia seguinte um competente e soberbo Habeas Corpus foi impetrado, enquanto a Subcomissão de Inteligência sondava à boca miúda nos altos tecidos sociais de onde tinha partido aquele Ataque à Liberdade de Ir e Vir das encantadoras morenas do Grão-Pará e Maranhão! Descobriram logo em seguida o X da questão: A Alta Cúpula da Igreja Católica, representada por Dom João Batista e Dom Francisco Xavier Reys, de Guajará-Mirim, havia se articulado com o Delegado de Polícia de então (alguns dizem que foi Edgar Brasil, não sei) e, juntos, executaram o plano que embargou o desembarque das meninas. A participação de Dom Xavier Reys foi motivada pelo fato de que uma parte do plantel, assim chamado, iria para a filial da Maria Eunice na Pérola do Mamoré. 

Reza a lenda, como diria Beto Ramos, que o desembarque das moças de vida fácil ficou três longos dias ao sabor da decisão da Justiça do Território Federal do Guaporé, situação que provocou o fazimento de inúmeras serenatas à beira rio, com as troupes de boêmio se revezando nas noites de nostalgia e merencórios luares movidos a muita cachaça Pitu e corações partidos, com saudades dos amores sequer ainda conhecidos! O caso foi parar na Imprensa. De uma lado, escreveu Dionísio Xavier, sob o pseudônimo de Malagueta, no jornal Alto Madeira; e de outro, manifestou-se o Bispado, literalmente assim: A primeira medida a ser adotada para salvar a moral pública da nossa cidade será Proibir a Entrada e a Importação de Mulheres Públicas. Apliquemos a Lei aos Delinquentes. Assinado, Dom João Batista Costa, Bispo de Porto Velho. Zola, o maior Pesquisador Rondoniense na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro localizou a edição, disponibilizada aí para quem quer ver pra crer. 
Feitos os trâmites processuais da Justiça, no final do terceiro de dia encarceramento extrajudicial, a ordem de Habeas Corpus foi concedida, em sentença assinada pelo doutor juiz  de direito Joel Quaresma de Moura !!! E assim, no dia seguinte, pela manhã, Porto Velho inteira se acotovelava no beira rio para assistir ao mais triunfal desembarque fluvial nestas plagas, desde a chegada de Getúlio Vargas, em 1940, que perdeu feio em gênero e número para as Damas da Noite trazidas a peso de ouro do Grão-Pará e Maranhão! Em estilo grandioso e com a cidade inteira ali aplaudindo, as lindas paraenses e maranhenses desembarcaram em terra firme, sendo acolhidas por uma frota de carros oficiais da Comissão de Notáveis, dentre eles o Aero Willys do Antônio Resk e Simca Versalilles de Durval Gadelha.  Foram três dias e três noites de festa! O moralismo se curvou diante da Lei! A Democracia imperou frente ao autoritarismo e o direito de amar e escrever as histórias de paixão, ainda que por linhas tortas, foi restabelecido! Dizem até que, exceto o Bispado, altaneiras figuras da autoridade policial local foram vistas em beijos e abraços no colo daquelas moças que um dia ameaçaram a Moral e os Bons Costumes do lugar!  No auge do prazer e da luxúria, essas autoridades descobriram que o prazer sexual e os bons perfumes é que eram a verdadeira pedra filosofal da Vida!!!!
João Bosco, o repórter, a tudo viu e ouviu, e a todos contou, inclusive ao Zola! Em sua homenagem, pois, escrevi essas mal traçadas linhas. 

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