Índio do Buraco: sepultado o último integrante de uma civilização
Procurador da República Daniel Luis Dalberto, do MPF em Rio Grande, atuou no caso
Após pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública e a determinação da Justiça Federal em Vilhena (RO), o corpo do Último Tanaru, conhecido como "Índio do Buraco", foi enterrado dia (4), de acordo com as tradições indígenas da região, na palhoça onde ele foi encontrado morto, na terra indígena Tanaru, no sul de Rondônia e com a presença de funcionários da Funai e de indígenas.
Os procuradores da República Daniel Luis Dalberto, do MPF em Rio Grande (RS), e Leonardo Trevizani Caberlon, do MPF em Ji-Paraná (RO), atuaram no caso e foram responsáveis pela ação civil pública que cobrou no Judiciário que a Fundação Nacional do Índio (Funai) realizasse o sepultamento do indígena Tanaru no local onde viveu e morreu. Na ação, o MPF também pediu que o sepultamento ocorresse de acordo com as tradições dos indígenas daquela região e que o local do sepultamento seja preservado de forma permanente.
O Índio do Buraco foi encontrado morto em sua palhoça, dentro de sua rede de dormir, no dia 23 de agosto passado, já em estado de putrefação, indicando que a morte pode ter ocorrido 30 ou 40 dias antes.
Conforme relata a ação civil pública, uma equipe da Funai monitorava o indígena e, quando o encontrou morto, não verificou vestígios da presença de outras pessoas ou de violência. Ele com "chapéu" na sua cabeça e plumagens de penas de arara na nuca, revelando consciência e preparativos para a morte ou pós-morte. Todos os seus pertences permaneciam nos seus devidos lugares, com seu arco e flechas escorados ao lado da rede. Tudo indica que o índio teria passado mal ou se machucado acidentalmente e deitou-se ali para morrer. Na palhoça havia uma grande quantidade de milho armazenado e muitos frutos de mamão em sua roça.
O corpo de Tanaru foi levado para a sede da Polícia Federal (PF) em Brasília para coleta de amostras e realização de laudos e exames e depois devolvido para a Delegacia de PF em Vilhena. Dois meses após ter sido encontrado, ainda não havia sido sepultado, o que gerou indignação da comunidade indígena e motivou a ação do MPF. Seu sepultamento, previamente marcado no início de outubro passado, estava suspenso por ofício da presidência da Funai.
Na ação julgada pela Justiça, o MPF argumentou que a demora no sepultamento do indígena desrespeitava sua dignidade e sua memória, bem como de seu povo, dos povos indígenas de Rondônia e do Brasil e também dos servidores da Funai que o salvaram do extermínio e atuaram por décadas na sua proteção. A Funai se manifestou à Justiça informando que não tinha obrigação legal de sepultar o indígena, mas esse argumento não foi aceito pelo juiz federal porque, por lei, a Funai é a instituição responsável por garantir o respeito à pessoa do indígena e sua preservação cultural.
O Índio do Buraco era o único sobrevivente de uma etnia desconhecida em condição de isolamento. Após o genocídio de seu povo, ele viveu em isolamento na sua terra por quase três décadas, nunca quis aproximação de qualquer pessoa. A característica que possui maior destaque entre seus hábitos é o buraco escavado por ele em todas as suas habitações identificadas.
De acordo com Dalberto, o povo do “Índio do Buraco” no passado foi vítima de genocídio e extermínio, o que é uma triste e vergonhosa página de nossa história, sendo inconcebível que nem após a morte de seu último representante não tenhamos respeito ao seu direito e à sua memória.
O procurador registra que a presença de pistoleiros e matadores profissionais que garantiam a posse das terras na região onde viveu o "Índio do Buraco" somadas a uma quase completa ausência do Estado tornavam o local uma área de alto risco. Pelas normas vigentes à época, no caso do registro da presença de indígenas naquelas terras, elas deveriam ser demarcadas e isso acarretaria a perda daqueles lotes para seus proprietários – levando a extermínios de indígenas, caso dos Akuntsu e Kanoe da mesma região.
A ação é a de número 1002480-07.2022.4.01.4103 e pode ser consultada no site da Justiça Federal de Rondônia
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