Justiça alcança indenização de milhares de vítimas do desastre de Mariana

Os beneficiados pertencem a categorias informais, composta por pessoas simples, com baixa renda e que não foram indenizados nos últimos cinco anos devido às dificuldades de comprovação do trabalho que executavam, assim como da extensão dos danos que sofreram

Jeferson Melo Agência CNJ de Notícias/Foto: Corpo de Bombeiros/MG - Divulgação
Publicada em 26 de janeiro de 2021 às 16:08
Justiça alcança indenização de milhares de vítimas do desastre de Mariana

Mais de 5 mil vítimas do desastre causado pelo rompimento da barragem de mineração em Mariana (MG) já foram indenizadas pelos danos sofridos com a tragédia. São trabalhadores que, devido à contaminação do Rio Doce, se viram impedidos de exercerem suas ocupações.

Os beneficiados pertencem a categorias informais, composta por pessoas simples, com baixa renda e que não foram indenizados nos últimos cinco anos devido às dificuldades de comprovação do trabalho que executavam, assim como da extensão dos danos que sofreram. Com a adoção do sistema indenizatório simplificado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), foi possível garantir compensações financeiras médias de R$ 100 mil, com algumas categorias recebendo quase R$ 600 mil.

De acordo com o juiz titular da 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior, o sistema indenizatório simplificado flexibiliza os meios de prova em favor dos atingidos e facilita muito o procedimento da indenização, tornando-o mais célere, efetivo e justo. Os contemplados são carroceiros, lavadeiras de beira de rio, pescadores de subsistência, artesãos, ambulantes, revendedores de pescado, areeiros, pescadores artesanais, faiscadores tradicionais, garimpeiros, pequenos produtores rurais e proprietários de quiosques, pousadas e bares que trabalhavam ao longo do Rio Doce e no litoral capixaba, em uma extensão superior a 700 quilômetros nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, onde fica a foz do rio.

“Nós conseguimos, em cerca de 90 dias, que mais de cinco mil atingidos fossem, pela primeira vez, reconhecidos como impactados, com homologações efetivadas e indenizações pagas”, explica Franco Júnior. Ele enfatiza que o volume de indenizações pagas sinaliza aos atingidos que eles não foram esquecidos e que o Poder Judiciário sempre esteve buscando solucionar a questão. “Quando o atingido vê a indenização efetivamente depositada em sua conta bancária, tem renovado o sentimento de justiça e, ao mesmo tempo, de pacificação social. A indenização lhe proporciona liberdade, permitindo que ele retome a vida e reconstrua os seus sonhos.”

O magistrado enfatiza, ainda, que o sistema de indenização simplificado representa um marco na história do Poder Judiciário nacional. “Não temos notícia de nada parecido. É inédito um volume tão grande de pessoas informais, desprovidas de documentação, sendo indenizadas em larga escala, de forma justa e ágil. São integrantes de categorias simples que tem dificuldades de comprovar os prejuízos sofridos.”

O desastre ocorreu no dia 5 de novembro de 2015 no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), com o rompimento da Barragem do Fundão, de propriedade da Samarco, empresa pertencente às mineradoras Vale e BHP Billiton. O caso, que causou a morte de 19 pessoas e atingiu cerca de 300 mil pessoas, é monitorado pelo Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais, de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para garantir rapidez, transparência e celeridade ao sistema de Justiça.

A conselheira do CNJ Maria Tereza Uille Gomes destaca a importância da iniciativa. “O Judiciário tem feito seu papel no sentido de dar visibilidade às pessoas hipossuficientes por meio de sistema cadastral e tornar viável, por meio de metodologia simplificada, o efetivo pagamento na conta de 5 mil pessoas atingidas. É uma forma de estimular o recomeço de algumas atividades à essas pessoas.”

Sistema de indenização simplificado

O juiz federal Mário de Paula Franco Júnior esclarece que o sistema simplificado tem sua inspiração na ideia do “rough justice” (justiça possível) do direito dos EUA. Voltado para o tratamento das indenizações em massa, é um sistema totalmente digital e acessível por meio de internet, permitindo que categorias informais, desprovidas de provas materiais dos danos alegados, possam obter a sua justa e merecida indenização.

Ele explica que ainda é possível aos atingidos pelo desastre recorrerem à Justiça Federal em busca da indenização simplificada. Para implementar o sistema, a 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte estabeleceu, ao longo do curso do Rio Doce, uma divisão por territórios, classificação que não coincide, necessariamente, com um município. Até o momento, já foram proferidas 12 decisões determinando a abertura do sistema nos territórios que manifestaram adesão. Outros oito que também manifestaram interesse aguardam sentença do juiz.

Cada território, constituído por uma comissão de atingidos local, concentra os pedidos de indenização dos moradores da respectiva área. “A adesão ao sistema indenizatório simplificado é totalmente facultativa, voltada apenas para os atingidos maiores e capazes, devidamente assistidos por seus advogados. Sendo do interesse da comunidade, o advogado da comissão ingressa com uma ação na Justiça Federal pedindo a implantação do novo sistema, que procede a avaliação”, conta Franco Junior. Cumprido os requisitos, o juiz determina a abertura da plataforma on-line, onde cada atingido da região decide, individualmente, se deseja a adesão. “Se optar pela adesão, ele ingressa no sistema através de seu advogado e apresenta uma documentação muito simples, flexibilizada, viabilizando o recebimento da indenização.”

Auxílio emergencial

A impossibilidade de utilização do Rio Doce devido ao desastre levou a 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte a estender o pagamento do auxílio financeiro emergencial mensal para milhares de atingidos pela tragédia. A medida altera e complementa decisão anterior, de julho de 2020, que previa o fim do pagamento em julho de 2021. “Na ocasião, estabelecemos um regime de transição, porque estimávamos que a pandemia da Covid-19 estivesse superada e a vida normalizada, o que não se concretizou”, explica o juiz federal. Com isso, as mineradoras terão que continuar arcando com o pagamento do auxílio financeiro emergencial durante todo o ano de 2021, sendo que qualquer modificação dependerá de autorização do referido juiz.

Os pagamentos, a cargo da Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton, foram previstos no Termo de Transição e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em novembro de 2015. Segundo o juiz, a Fundação Renova, entidade criada pelas mineradoras para administrar as reparações, interrompeu unilateralmente os pagamentos, o que provocou nova decisão determinando a manutenção do benefício no decorrer deste ano. “A pandemia, que está recrudescendo, impôs dificuldades para locomoção e procura de empregos. Então é preciso estender os pagamentos para que os atingidos pelo desastre possam se programar.”

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